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Já deu (pra mim?)

Já deu (pra mim?)

| Desfavor | | 19 comentários em Já deu (pra mim?)

+Quem foi adolescente nos anos 80 e 90 certamente se lembra do grupo Polegar. Os fãs da banda tem agora um motivo para comemorar. De acordo com o ex-vocalista e baterista Alex Gill, o grupo vai voltar a se reunir para gravar um DVD comemorativo dos 25 anos de lançamento da banda.

Quando “refluxo” é uma boa palavra para definir o estado atual das artes populares no mundo, está na hora de mais um desfavor da semana.

SALLY

Você já parou para se perguntar o que as artes tem apresentado de novo e sólido? Não me refiro a uma banda que estourou a música do momento, nem a um livro que bateu recorde de vendas. Eu me refiro a nomes de peso que estejam apresentando sucessivos trabalhos sólidos e inéditos. Pois é, a gente parou para pensar nisso essa semana, inspirados pela notícia do nosso amado Pilha e chegamos à conclusão que estamos entrando na era da reciclagem artística.

Ninguém mais do que eu ama os escrotos anos 80, uma década de mulheres e homens sãos, onde o humor e o cabelo vergonhoso não tinham limites. Mas porra, uma coisa é reviver a doce podridão dos anos 80 em eventuais festinhas temáticas, outra é fazer do cenário musical cosplay de anos 80. É Angélica regravando “Vou de táxi”, é Polegar cantando “Dá pra mim” depois de trocentas prisões do Pilha, é reciclagem fora de contexto. Parece que o meio artístico todo aprendeu muito bem com o Evandro Mesquita e cada vez que ficam sem dinheiro reconvocam a banda e, em vez de fazer algo novo, repetem mais do mesmo.

No cinema também podemos observar uma predominância de refilmagens. Porque algo novo quando podemos trazer de volta as Tartarugas Ninjas? Porque ter o trabalho de pensar em um novo herói se Harrison Ford, com 200 anos, ainda consegue andar? Vamos colocar um chapéu nele e reviver Indiana Jones! Foda-se que o Stallone está idoso, ainda dá para meter mais Rocky ou mais um Rambo. O povo vai, o povo gosta. E nunca nem parou para se perguntar porque. Nós resolvemos fazer essa pergunta. E, como sempre, arrogantes que somos, nós perguntamos e nós respondemos.

Eu culpo, em parte, essa babaquice politicamente correta. Ninguém banca (financeiramente falando) criar algo novo que potencialmente pode ofender algo ou alguém e virar motivo de linchamento na mídia e redes sociais. Vamos combinar que, no ponto em que chegamos, TUDO pode ofender algo ou alguém, só uma coisa com aval social já dado escapa, como eu disse no texto da semana passada. Por isso a indústria do entretenimento em massa está se repetindo: fazendo mais do mesmo que já teve aval social.

Resultado: os seriados estão canibalizando o entrentenimento de cabeças pensantes. Porque eu vou ao cinema ver Indiana Jones no andador geriátrico se eu posso ver Dexter cortando gente, House debochando de religioso ou uma foca comendo a mão de um deficiente mental em Arrested Development? Não vou. E como eu, muita gente está nutrindo sua necessidade de entretenimento única e exclusivamente com seriados. Se antes era programa de casal ver um filme, hoje é programa de casal ver um seriado. Mas, como sempre, quem não se rende ao status quo é minoria. A maioria vai e bate palminhas para o Indiana Jones by botox.

Sim, as pessoas estão engolindo esse “mais do mesmo”. Vão felizes ao cinema ver Stallone e seu boxe da terceira idade. Porque será? Talvez porque é muito cômodo já ir sabendo da história, conhecendo personagem, ciente do que esperar. É bom, não precisa pensar para compreender a trama, não precisa nada, basta deixar o cérebro ali, anestesiado, desfrutando de imagens.

Pode ser que essa rotina de trabalho exaustiva, somada à pasteurização dos meios de comunicação esteja criando pessoas que só sabem ou só gostam de ver mais do mesmo. O povo quer ver aquela coisa lucianohuckizada. Novidade chateia, cansa e gera até algum desconforto. As pessoas gostam daquilo que já conhecem, que sabem o que esperar, que conseguem antever.

Em parte, isso também pode ser um resquício evolutivo sendo explorado pela indústria do entretenimento: desde sempre os seres humanos mais bem sucedidos são aqueles que conseguem antever de forma correta. Sobreviveu quem conseguiu antever que aquela moita que se mexia era um predador à espreita. Por isso nossos cérebros tem uma “tara” por tentar antever tudo. Quando conseguimos antever algo, nosso cérebro reduz o grau de ansiedade que estamos sentindo e bate palminhas liberando substâncias que geram bem estar.

E em uma sociedade onde a ansiedade impera, nada mais rentável do que explorar a ansiedade onipresente para ganhar dinheiro com seu predador natual: o antever. Vamos acalmar os cérebros ansiosos alimentando-os com horas de “antever”. Eles vão pagar para ver algo que já conhecem, pois isso gera paz, gera uma satisfação cerebral a um nível bioquímico similar ao uso de muitas drogas que geram prazer.

O problema, como sempre, é que a indústria explora isso de forma exaustiva e monotemática. Todo mundo resolveu relançar alguma coisa. Fosse um relançamento para adicionar, para somar, estaria lindo. Mas não, parece ser um relançamento monotemático que está viciando as pessoas a ver sempre mais do mesmo. Temo pelo resultado disso a longo prazo. Assim como hoje discordar ofende por causa de um discurso monotemático que foi empurrado, não duvido que em breve inovar artisticamente também gere reprovação social. Não quero estar viva para ver isso.

Fica o pedido: não se deixem viciar em mais do mesmo. A repetição é uma droga, no sentido que vicia. Não é à toa que crianças assistem o mesmo vídeo uma vez após a outra, mesmo sabendo o que vai acontecer: o antever acalma, gera sensação de recompensa no cérebro. Só que quando viramos adultos, aprendemos que não dá para antever tudo e que novidades e imprevistos exercem um papel fundamental no aprendizado. Ou melhor, aprendiamos, porque hoje…

Sim, adultos infantilizados que, tal qual uma criança, assistem repetidas vezes a mesma coisa para sentir o prazer de antever. A consequência? Não saber lidar com situações que saem do seu controle, onde não é possível antever nada. Adultos cerebralmente mimados, querendo controlar o tempo das coisas incontroláveis, querendo que seu umbigo determine a hora e momento para tudo, querendo antever tudo, cheios de certezas. Bobos… lamento, a vida não é no seu tempo e se uma série de reedições artísticas te viciaram em antever, dá um freio porque isso vai te prejudicar. Chega disso, minha gente. Vamos louvar o ineditismo, vamos prestigiar o imprevisível. É melhor para a sociedade como um todo.

Não se acomodem vendo apenas aquilo que lhes possibilita antever o final. Não atrofiem seus cérebros. Cutlivem o gosto por seres surpreendidos, pois antevendo não se aprende nada de novo.

Para dizer que esperava que a gente falasse mais sobre o Pilha, para compreender que o Pilha volte a cantar porque 40 mil reais não se pagam sozinhos ou ainda para dizer que já que você não controla porra nenhuma da sua vida, ao menos o final do filme merece controlar: sally@desfavor.com

SOMIR

Tenho uma opinião impopular sobre referências: elas fazem mal para a criatividade. Sei que praticamente todo mundo vai te dizer o contrário, entendo a lógica por trás disso, mas sucesso de público e sucesso de crítica não vem necessariamente juntos por um bom motivo.

Dizem que você precisa ver muito de uma coisa para poder criar algo do gênero, e de uma certa forma isso é verdade. Mas para criar algo NOVO ser bem guiado pelos erros e acertos de outrora não é tão valioso assim. O novo não preza pela perfeição. O novo erra mais do que acerta.

Se você sabe o que gera aclamação pública ou crítica de antemão, tende a seguir fórmulas pré-definidas na criação. Não nego que seu bolso vá agradecer se você souber explorar bem as avenidas criativas já bem asfaltadas, mas o risco é criar coisas cada vez mais parecidas entre si.

Uma dessas avenidas é a do ‘remix’. Não vou mentir dizendo que antigamente isso não existia, mas atualmente perdemos qualquer mecanismo de controle e quase tudo parece ser requentado. A indústria da nostalgia se beneficia muito de um mundo sem tantas barreiras culturais, onde crianças das mais diversas cores, credos e nacionalidades cresceram impactadas por obras parecidas, todas chegando na vida adulta com um ‘lugar especial no coração’ por materiais parecidos.

Não que a gente dispute o direito de estrelas de outrora capitalizarem um pouco mais em cima de pessoas com saudades do passado, afinal, eles também precisam ganhar a vida (e pagar advogados!). Mas quando a oferta de cultura começa a parecer um grande canal de reprises, estamos esgotando rapidamente o nosso potencial de criação.

Construir algo novo em cima de uma base de sucesso é a tônica da arte humana desde que… bom, desde que um homem das cavernas viu um desenho bacana na parede do vizinho… Inspiração é uma coisa boa, repetição que não é. Quando as artes começam esse processo canibal de viver do passado, o que se está entregando para as gerações futuras?

Perceberam que é muito comum plagiar os anos 80, mas bem menos os anos 90? Já está mais do que na hora dessa geração vir clamar seu direito de monopolização da mídia, mas tem que dividir atenção com as anteriores. A verdade é que essa é a última das décadas onde a cultura do remix ainda não imperava. A cultura do final dessa década ainda é vista como parecida com a atual, e não é à toa: ainda estamos fazendo as mesmas coisas.

Ídolos adolescentes, refilmagens, uso de franquias já estabelecidas… entramos num ciclo de repetição que começa a envenenar o poço do qual se bebe para criar. Excesso de referências! Sem ter a liberdade necessária para errar, e vamos concordar que as época mais copiadas são justamente onde as se erra mais, vamos nos especializando nas mesmas coisas.

Aquela perigosa sensação de que ‘tudo já foi feito’ espera na esquina, atrás de filas de adaptações de livros e quadrinhos de décadas atrás. São raras as novas franquias, são ainda mais as novas que se permitem fazer algo impopular. Toda a história de se estar à frente do seu tempo não deixa de ser algo ‘errado’ que se tornou certo quando as pessoas finalmente se acostumaram.

Cultura avança na insistência no erro. Quando a humanidade toda parece querer criar, a concorrência cresce tanto que a margem para inovar diminui drasticamente: o que é diferente fica soterrado debaixo de dez mil vídeos de Youtube tratando sobre temas populares. Se todo mundo que cria está pressionado a conseguir mais likes e views, como é que vão desviar das fórmulas batidas?

E mesmo que o façam, como conseguir relevância num mundo onde as pessoas só são impactadas pelo o que JÁ gostam? A era da escolha também é a era da repetição. Quero viver num mundo onde Pilha possa fazer uma turnê nostálgica para pagar suas despesas legais, mas onde novos artistas também possam inventar e ter a exposição necessária para fazer seu público se acostumar com a novidade.

Há de se mirar num equilíbrio entre liberdade de remix e obrigação de remix. Se o desfavor fosse um blog de vídeos e tirinhas engraçadas, já estaríamos vivendo disso. Mas qual a graça de não errar de forma tão catastrófica quanto a gente errou? Temos um público muito limitado, mas pode apostar que igual a gente não tem por aí. Não é um alento ter esse espaço? Você nem precisa achar que é melhor que todo o resto, basta perceber que é suficientemente diferente da média.

Fazer o que já se sabe que funciona tem vantagens pessoais, mas não culturais.

Para dizer que foi muito papo só para fazer propaganda, para reclamar que seus gostos não são repetitivos, ou mesmo para dizer que isso é papo de velho: somir@desfavor.com


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