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Fui!

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| Desfavor | | 38 comentários em Fui!

Hoje temos um tema bacana que vai te deixar pensando só em coisas boas. Sally e Somir decidem como querem deixar esta existência. Os impopulares contemplam a própria finitude.

Tema de hoje: Qual seria a melhor forma de morrer?

SOMIR

Numa grande explosão dentro de um foguete, em pleno espaço sideral! Embora eu desconfie que nosso público não seja tão besta a ponto de não entender que seja uma alegoria, seguro morreu de velho: concordar comigo hoje não significa concordar com a situação exata descrita, mas com o conceito que a define.

Já que vai morrer, que se morra numa aposta altíssima. Dado o poder de escolha total, evidente que eu escolheria não morrer. Mas a morte é condição inescapável não só do tema como também da nossa vida. Morrer é certeza, mas o resto ainda está em jogo.

Se te facilita imaginar o que estou dizendo, um outro exemplo bacana seria já bem velho, fazendo sexo com uma mulher com algumas décadas a menos de vida. Escolho a explosão ao invés do suspiro, por assim dizer. Gostaria de deixar claro que não acho minimamente aceitável arriscar outras pessoas nisso: não estou procurando minhas 72 virgens.

Não estou dizendo que não entendo o apelo de uma morte pacífica, numa cama confortável, próximo de pessoas queridas… Claro, é um cenário que traz algum alento e que inclusivo desejo para outras pessoas. Que todos os impopulares morram com todo o conforto que desejarem. Agora, eu? Paz é bacana e tudo mais, mas paz foi uma coisa que eu já fiz. E nem tenho tanta dificuldade de replicar se quiser.

Morrer como se estivesse indo dormir é basicamente como… dormir. Ganha de goleada de uma morte por assassinato, mas não tem o monopólio de melhor jeito de partir dessa para uma melhor. Imagine se sua última ação nessa vida fosse realizar um grande sonho (perigoso)? Mesmo que o resultado seja uma grande bola de fogo, sonhos costumam ser mais divertidos na parte de tentar no que propriamente de conseguir.

Quando você chega lá, normalmente bate uma sensação estranha de realinhamento de propósitos. Conseguiu essa, a mente já quer traçar o plano da próxima. Por exemplo: é muito bom finalmente conseguir conquistar aquela mulher que não te dava bola, mas há uma graça no momento onde você percebe que finalmente virou o jogo ao seu favor, momento que nunca mais se repete. A vitória é linda, mas perceber que vai ganhar é sublime!

Não estou maluco, tem um propósito nisso: acho que nunca escondi aqui que deixaria tudo para trás por uma chance de sair da Terra. Não (só) por problemas com a vizinhança, mas também porque acho fascinante a ideia de estar fora do planeta e explorar o espaço. Quando eu digo que escolheria morrer num foguete explodindo fora da órbita terrestre, estou dizendo que já que NÃO existe a opção de continuar vivo, que eu vá embora com aquela sensação inigualável de percepção de vitória. De estar fazendo algo grandioso, ainda com a expectativa de colher os frutos.

Sim, estou trocando uma morte indolor por uma catastrófica explosão seguida de ‘enterro’ no gélido vácuo espacial, mas… essa coisa de toda de sofrer antes de morrer é feita mais dramática do que realmente é. O terrível é sofrer em vida. Jamais aceitaria uma morte oriunda de horas de tortura, mas ir com um impacto forte e uma dor violenta durando frações de segundo? Se tem uma coisa boa na morte, é que o sofrimento acaba.

Claro que não fujo da convenção social de consolar outros com a noção que o recém-falecido não deve ter sofrido, mas… no quadro geral das coisas o fato de ter morrido ainda é o mais importante. Mesmo que haja um sofrimento nos momentos anteriores, essa não foi o maior dos problemas. A pessoa morreu, oras! E até por isso, mesmo que tenha sofrido, já passou.

O corpo humano tem suas defesas e fraquezas nessa hora. E como morrer é a única opção aqui, todas elas jogam ao seu favor: desde o disparo de substâncias químicas como a adrenalina até mesmo perda de consciência em situações extremas. Se houver tempo para sofrer alguma coisa com as condições que defino no meu exemplo, também não vai ser um terror por tanto tempo assim.

Dor e medo fazem parte de nossa vida desde o começo. Evidente que tentamos evitar ambos, mas não é como se morrer numa situação ‘explosiva’ fosse criar um fato absolutamente novo para a condição humana. Sem contar que com uma morte na sequência, o remédio mais infalível para ambas as coisas será administrado!

E sim, eu entendo que para quem fica e gosta da gente é muito mais agonizante lidar com algo tão violento e abrupto, mas… há de se entender aqui que a morte é o grande equalizador. Com tudo contabilizado, é o fato de morrer que mais dói em quem te queria por perto. Pode haver um pequeno conforto em saber que a pessoa morreu em paz, mas você se sentiria melhor por alguém que morreu fazendo o que gostava ou por alguém que morreu só porque seu corpo parou?

Pense nisso. Pense na notícia da minha morte, contada pela Sally, por exemplo: se ela dissesse que eu morri num quarto, vitimado por uma doença incurável, não teria muita graça nem para quem não ia com a minha cara. Agora… imagine ela narrando como eu explodi com um foguete após escapar da órbita terrestre. Provavelmente tirando minhas frases fora de contexto e me atribuindo pérolas como “é impossível isso dar errado!”.

Até para quem fica essa forma de morte gera uma memória mais agradável. Eu sei que ninguém gosta de sofrer, mas o que eu proponho aqui é uma troca valiosa de grandes momentos gloriosos por curtos de pânico e dor. Morrer todo mundo vai.

Mas o ‘vai’ pode ser melhor.

Para dizer que não gosta de foguetes, para dizer que entre morte no foguete e morte na cama prefere a cama, ou mesmo para dizer que se eu não tivesse dito que tinha que ser no foguete você até concordaria comigo: somir@desfavor.com

SALLY

Normalmente este é um tema que eu descartaria no nosso controle de qualidade. Quando mandei a sugestão de temas do mês para o Somir (“qual seria a melhor forma de morrer?”) e ele respondeu que divergia de mim dizendo que a melhor forma de morrer seria “explodindo em um foguete no espaço”, pensei: leitor não é obrigado a ser exposto à insanidade do Somir.

Mas, no final das contas, só por curiosidade, resolvemos levar o tema adiante. Confesso que não tenho a menor ideia do que ele vai argumentar, mas seja lá qual for o argumento maluco/nerd/insano, não afeta meu ponto de vista.

Minha proposta, bem mais humilde e pacata, é morrer dormindo. Se eu pudesse escolher uma morte para mim ou para as pessoas que eu amo, seria a morte durante o sono. Como eu nunca morri (ao menos não que me lembre), tudo que vou falar é mera especulação, mas a morte no sono me parece algo mais tranquilo, indolor e imperceptível.

Eu nunca morri, mas eu quase morri. Quem já vivenciou uma EQM (Experiência de Quase Morte) vai entender meu argumento: você sabe que você vai morrer, você sente que está morrendo. É bem difícil de explicar, mas o corpo vai se desligando aos poucos, você vai perdendo a consciência de uma forma estranha e progressiva, em estágios e do nada sente uma imensa sensação de bem estar. Sua vida passa diante dos seus olhos como um filme e as luzes vão se apagando.

Sim, creio eu que morrer seja agradável, uma série de substâncias são liberadas pelo organismo e geram bem estar. Bom para quem está em agonia, mas desesperador para quem não quer morrer. E quase ninguém quer morrer. Lembro de não entender bem o que estava acontecendo até que do nada em um último rompante de consciência pensei “puta que pariu, estou morrendo”. Você SABE que está morrendo. E o desespero que isso te dá é bem desagradável se você não quiser morrer, porque quando a hora chega, não tem como lutar contra a morte.

Tudo isso para chegar a meu argumento principal: acredito eu que em uma morte durante o sono não se passe por isso. Você está dormindo, supõe-se que não vai tomar consciência da sua morte. Logo, se poupa desse desespero, dessa sensação terrível de ver sua vida se esvair, de sentir você mesmo deixar de existir.

Talvez em uma sociedade mais bem resolvida, que lide com a morte com mais naturalidade, essa “passagem” (que para mim é só de ida) seja encarada com mais serenidade. A pessoa sabe que vai morrer, que está morrendo e aceita com tranquilidade o fim da sua jornada. Mas nós ocidentais somos arrogantes demais para isso. Como assim um mundo sem mim? Como assim eu vou deixar de existir? Não! Não pode! Isso vai ser terrível!

Por mais que pessoas esclarecidas tentem rever essa forma babaca de encarar a morte, isso está incrustrado. Somos criados para ver a morte como tragédia, como injustiça, como sofrimento desde pequenos. Tememos a morte. Difícil ter paz e tranquilidade quando algo que você temeu a vida toda se apresenta gradativamente e de forma progressiva na sua frente. Por isso, talvez, a melhor forma seja nem ter a consciência de que ela se aproxima. Morrer dormindo é como levar um chifre e nunca descobrir.

Qualquer outra morte, especialmente aquelas em decorrência de acidentes violentos como a proposta pelo Somir, apresentam um sério risco, nem que seja alguns segundos, de dor e medo. Desculpa, prefiro não ver, não saber. Morrer explodindo? Tô fora, guarda isso para religioso fundamentalista. Eu quero uma morte serena, indolor e, se possível, imperceptível.

Não quero nem saber as consequências da minha morte, eu não vou estar mais aqui para ver. Não faço questão de uma morte heroica nem memorável. Eu quero é que o momento seja o mais tranquilo possível para mim, afinal, isso também conforta os entes queridos que ficam. E certamente uma explosão deve ser tudo menos tranquila. Imagina a angústia, para quem fica, de saber que a pessoa amada explodiu!

O que você prefere, que tirem sua carteira da sua bolsa na rua sem que você perceba (furto) ou que te assaltem de forma violenta e você tome consciência que seus pertences estão sendo roubados? Bem, acredito que quando não há nada que possamos fazer para mudar a realidade (e quem acha que pode lutar contra a morte e ganhar, é um arrogante), é melhor nem saber.

Morrer dormindo é morrer sem ter que vivenciar a morte. É simplesmente ir dormir e não acordar mais. Para quem passa pela experiência, não deve ser morte e sim um “sono eterno”. Eu me sentiria mais reconfortada se as pessoas que eu amo morressem sem ter essa vivência de perceber a própria morte, pois me parece menos assustador, ou menos desesperador, no caso da pessoa não se conformar e não querer morrer.

Acho que posso dizer hoje que não tenho mais medo da morte, pois já sei mais ou menos do que se trata. Também não tenho medo do que venha depois, porque não acredito que venha nada depois. Então, nem é uma questão de morrer dormindo por ter medo de morrer e sim de não precisar lidar com os segundos de desespero de uma imposição da mãe natureza contra a minha vontade. Já me basta ter aturado a vida toda a bizarrice que é a vontade de cagar, chega de sujeição à vontade da natureza.

Mesmo que você não tenha medo de morrer, vai por mim, deve ser mais tranquilo quando o processo se dá durante o sono e nem é percebido. O desconhecido é de alguma forma desconfortável ou assustador mesmo para os mais bem resolvidos. Melhor encerrar sua vida de forma serena, no sono, de preferência sonhando com alguma coisa boa.

Para dizer que eu deveria mesmo ter vetado esse tema de hoje, para dizer que gostaria de morrer fazendo sexo ou ainda para dizer que gostaria de morrer a bordo de um avião que caísse sobre o Palácio da Alvorada: sally@desfavor.com


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