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Ciúmes em você.

Ciúmes em você.

| Desfavor | | 47 comentários em Ciúmes em você.

Cada qual a sua maneira, Sally e Somir se consideram ciumentos. Mas na hora de racionalizar o comportamento, diferem consideravelmente. Os impopulares não fazem cara feia ao dividir suas opiniões.

Tema de hoje: Ciúmes é uma prova de amor?

SOMIR

Não. E talvez reiterando o coro de “morto por dentro” ouvido em diversos tons e formas diferentes durante minha vida, tenho que começar o texto falando de falsos positivos. Não os da lógica, mas os da medicina: uma das maiores preocupações de um médico responsável é diagnosticar a doença certa. Muitas delas apresentam sintomas parecidos, e qualquer distração pode gerar um desses diagnósticos falsamente positivos.

E como é óbvio pelo exemplo acima, não se trata direito algo que não se sabe o que é. Remédio para gripe pode matar alguém com dengue, por exemplo. Sintomas parecidos não significam a mesma doença. Mantendo as analogias médicas, amor e ciúmes são doenças com sintomas parecidos, mas tratamentos bem diferentes.

Eu acabei de comparar amor com uma doença… começo a entender o que tantas mulheres já me disseram… De qualquer forma, se você souber abstrair um pouco o exemplo, já deve ter entendido aonde quero chegar. É cômodo acreditar que ciúmes são uma medida de amor exagerado, como se fosse apenas uma questão de dosagem até o ponto ideal, mas na verdade ciúmes e amor estão irreparavelmente separados, não importa o quanto você acredite em suas semelhanças.

E vejam bem, não estou aqui para demonizar o ciúme em todas suas formas; quando dissociado da desconfiança até que é uma agradável lembrança de quanto se vale para outra pessoa. Há prazer na ideia que alguém não quer te dividir, como se você fosse único e insubstituível (mesmo que ninguém seja na prática)… É uma ilusão de importância que faz bem para o ego.

Separar ciúmes de amor não é transformá-lo em antônimo. É só evitar que o diagnóstico se torne um falso positivo. O ciúme pode coexistir com o amor, mas não o substitui em nenhuma forma ou condição. Ciúmes provam possessividade, algo que não faz parte do conceito de amor. É muito comum que ambos venham juntos, mas o sentimento de posse não passa de adendo eletivo para se vivenciar o amor.

A não ser que o conceito de amor para você seja indiferenciável de mero querer, há de se entender que ele pode existir em sua forma completa sem os ciúmes. Usar ciúmes como prova de amor é a mesma coisa que usar desânimo para provar depressão. São coisas que existem separadamente, mas costumam aparecer juntas. Só que uma não querendo dizer a outra.

Prova de amor deve ter relação com amor. Não se prova que alguém cometeu um crime mostrando evidências de outra pessoa fazendo, não é mesmo? Provar amor não é ser egoísta ou dramático, é demonstrar na prática a solidez do sentimento. Confiança, fidelidade e companheirismo demonstram amor. O resto é vontade de agradar e/ou ser agradado.

Se você está demonstrando que não gosta de dividir outra pessoa, não está sendo um ser humano terrível, mas também não está fazendo nada de muito diferente de não emprestar um objeto para alguém. São escalas totalmente diferentes de relacionamento entre nós o universo que nos cerca. Às vezes amor é justamente dividir.

Talvez toda minha opinião tenha a ver com a forma como enxergo amor, talvez você discorde totalmente. Da forma como eu entendo, amor é uma ‘música ambiente’, algo que está lá mesmo que outras coisas te exijam mais atenção no momento. Não acredito nele como desejos e impulsos de momento, mas como uma fundação sólida que resiste e se molda a eles. Como um impulso egoísta poderia ser prova de algo assim?

Mantendo a analogia da música ambiente, o ciúme seria um alarme estridente tomando de assalto seus sentidos. Poderoso, mas passageiro. É muito humano sentir a vontade de posse exclusiva. Se a discussão fosse sobre tratar ciúmes como algo horrível e necessariamente tóxico para uma relação, eu até concordaria com a Sally. Mas não é. Estamos falando sobre eles serem uma prova de amor.

E amor não é feito de ciúmes. Tanto que um pode vencer o outro. É essencial saber dosar o que é impulsivo e egoísta, mesmo quando a cabeça vai bem e o ciúme não é sinônimo de insegurança pessoal. O mundo é muito grande e ninguém pode viver em função de você, mesmo que a pessoa queira oferecer tamanha exclusividade. É a velha batalha entre o que se quer e o que se pode ter.

E sabendo separar as coisas, podemos cuidar de cada uma delas com seu devido método. Amor é algo que se cultiva para se espalhar e enraizar, ciúme é uma planta que precisa ser podada e controlada. Amor como uma sólida árvore, ciúmes como ervas daninhas dotadas ao mesmo tempo de espinhos e belas flores. Nada contra quem quer as flores em seu jardim, mas elas vão sufocar todo o resto dada a oportunidade.

São coisas diferentes. Uma jamais pode provar a outra. Tem gente nesse mundo que acha que espancar alguém é prova de amor. E nesse exemplo extremo eu duvido que a maioria de nós tenha dificuldade de separar o que é o quê. Controlar ciúmes não é amar menos. Tê-los não é amar mais. Entenderam a separação?

O amor pouco se importa com arroubos emocionais. Ele é o que faz as pessoas se desculparem, perdoarem, confiarem… Seja lá na medida que estiverem dispostas a fazê-lo. Perdoar traição não significa amar mais, trair não significa amar menos. São elementos externos ao conceito, que por mais que o atravessem, não o tornam mais ou menos válido.

Saber separar as coisas te ajuda a entendê-las melhor. Amor não pode virar impedimento para você respeitar suas visões sobre os assuntos que acabam se misturando nele. Ciúme não prova amor. Ciúme prova ciúme.

E já está de bom tamanho.

Para dizer que tem pena de mim por não viver a mesma montanha russa emocional que você, para definir que amor é o que for mais fácil no momento, ou mesmo para dizer que a analogia das plantas foi gay (é, foi…): somir@desfavor.com

SALLY

Vamos todos tirar dez segundos para prestar atenção na frase:

CIÚMES É UMA PROVA DE AMOR?

Atenção, vamos dissecar para evitar me fazer perder tempo explicando o que deveria ser de conhecimento público nos comentários: ciúmes não é a ÚNICA prova de amor, estou te perguntando se é UMA prova de amor. Ciúmes não se confunde com insegurança, nem com barraco, nem com gritos, nem com escândalo nem com briga. Isso são apenas consequências que podem ou não advir de ciúmes.

Ciúmes é se incomodar que alguém flerte com a pessoa que você ama, ainda que você se incomode da forma mais silenciosa do mundo.É O SENTIMENTO, não as consequências e reações a ele, que demonstram amor. Esqueçam a reação ao sentimento, ela não está em jogo aqui. A reação não é sinônimo do sentimento.

É possível ter ciúmes de alguém mesmo confiando plenamente na sua fidelidade. Ciúme não é insegurança nem medo que tomem aquela pessoa de você, ciúme é o incômodo causado por uma pessoa dando em cima de alguém que você gosta. Infelizmente parece que para o brasileiro médio isso só pode ser externado na forma de briga, barraco e palavrão. Na verdade, é possível sentir ciúmes e lidar com isso de forma madura, na base da conversa, sem briga, sem estresse. Portanto, não confundir CIÚMES com as consequências barraqueiras que esse povo faz nascerem dele. Expliquei, expliquei e expliquei e podem apostar que vai ter alguém nos comentários confundido.

O fato de não externar ciúmes não quer dizer que ele não exista. Uma pessoa pode morrer por dentro e não demonstrar o que está sentindo. Claro que fica bem difícil de conceber isso se você for um barraqueiro que pensa que o resto da humanidade é todo igual a você, mas não é o caso dos nossos leitores. E sim, eu acho que se incomodar de forma significativa quando percebe que estão dando em cima de alguém que você gosta é uma prova de que você gosta dessa pessoa, independente da reação que isso cause. Tanto é que muita gente só se dá conta que está realmente gostando de alguém quando o ciúme dá as caras de forma inesperada.

Sinceramente, se um dia eu me pegar em um relacionamento onde não me desperte nenhum tipo de desconforto o fato de alguém estar flertando com meu parceiro, certamente vou me perguntar se gosto dele. Não acho compatível a indiferença a uma invasão como essa. Posso não falar nada, posso não deixar transparecer, mas se deixar de SENTIR, acharia um forte sinal de que não gosto mais da pessoa. Indiferença costuma indicar isso mesmo. E nada tem a ver com medo, ok?

Um exemplo para ilustrar o que estou tentando dizer: eu ficaria extremamente chateada se um gay desse em cima de um parceiro meu, mesmo tendo a plena convicção de que meu parceiro não é homossexual nem bissexual. Não é medo de perder a pessoa, medo de que “me tomem” a pessoa (como se isso fosse possível). É um mal estar ligado à falta de respeito, ao sentimento de que alguém cruzou uma linha que não deveria ter cruzado. Ciúme não se sente só de loira gostosa. Insegurança talvez, mas ciúmes certamente não é privilégio de investida de pessoas bonitas.

Se eu estou em um relacionamento monogâmico e uma idosa de 99 anos dá em cima do meu parceiro de modo a que eu veja ou fique sabendo, eu vou ficar chateada. Se uma obesa de 600kg que não consegue andar nem sair da cama fizer o mesmo, também. Se outro homem der em cima, também. E se o Papa Francisco der em cima, também. Percebem onde quero chegar? O sentimento se apresenta em função do ato, e não da pessoa. E o que eu escolho fazer com esse sentimento não define o sentimento em si. Diz muito sobre o tipo de pessoa que se é, mas de forma nenhuma vincula o sentimento.

O ciúmes é uma fragilidade nossa, nos lembra do quanto estamos vulneráveis quando gostamos de alguém. Estar em um relacionamento significa que pode vir um terceiro e, por um ato unilateral, nos causar algum grau de sofrimento. O ser humano não gosta de admitir sua vulnerabilidade. Talvez por isso se bata tanto no ciúmes. Já repararam que todo mundo joga pedra nos ciúmes? É sempre uma bosta, é doentio, é prova de que a pessoa é imbecil. Spoiler: todo mundo sente ciúmes, a questão é como cada um resolve lidar com isso.

Algumas pessoas lidam tão bem que conseguem manter relacionamentos abertos. Palmas para elas. Não quer dizer que não sintam, e sim que lidam bem com isso. Outras lidam tão mal que descambam para a agressividade. A forma como se lida com o sentimento é algo bem diferente do sentimento em si. Se um homem te tranca em casa por ciúmes, a culpa não é do ciúme e sim da forma doentia como ele escolheu lidar com isso.

Coitado do ciúme, leva a culpa de tudo sozinho. Chega de injustiça. Assim como estar bêbado não é motivo para trair, sentir ciúmes também não é motivo para trancar ninguém em casa! Ou por acaso alguém fica com raiva da bebida quando leva um chifre de um bêbado? Chega de confundir sentimento com a reação que se tem a ele!

É sim um sintoma claro de apreço por aquela pessoa que te incomode o fato de um terceiro estar se aproximando de forma indevida dela. E não há qualquer coisa de errado nisso se você souber fazer a distinção que eu estou propondo e parar de vilanizar o ciúme. Chega de atribuir características negativas ao ciúme, não é só quem é inseguro, escroto e machista que sente ciúme, é da natureza humana. Os inseguros, escrotos e machistas são os que se sentem autorizados a fazer escrotices em nome do ciúme.

Ciúmes é sinal de posse? Pode ser. Mas também é sinal de amor. A pergunta não é “ciúmes é sinal APENAS de amor?”. Um mesmo sentimento pode ser indicativo de várias coisas, é o conjunto da obra quem vai dizer sobre qual delas estamos falando. Em todo caso, eu acho que ciúmes é uma prova de amor. Não é a única, mas é uma delas. Não consigo conceber amor sem a existência de ciúmes, ainda que muito civilizado, ainda que muito moderado.

Para ignorar toda minha argumentação e dizer que ciúmes é insegurança sempre, para ficar confuso e não saber o que dizer ou ainda para se refugiar no cagado “ambos estão certos” e não contribuir em nada para o debate: sally@desfavor.com


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