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Cagar fora.

Cagar fora.

| Sally | | 168 comentários em Cagar fora.

Tá procurando algo intelectualizado hoje? Desculpa, não tem. Passa outro dia ou lê um texto antigo. Hoje, literalmente, só tem merda.

Vamos falar sobre um assunto desagradável, sobre uma das formas mais supremas de humilhação à qual a mãe natureza nos sujeita, sobre uma experiência degradante e indigna: ser obrigado a cagar fora de casa.

Talvez você seja um cu frouxo do caralho que não se importa. Eu te desprezo. Pessoas com noções básicas de higiene e vergonha na cara tem um cu tímido que só se abre com tranquilidade do conforto do seu lar. Não, o que eu recrimino não é cagar fora de casa, todos nós estamos sujeitos a isso, o problema é não se incomodar em cagar fora de casa. Se seu cu caga em qualquer privada e tanto faz, sinto lhe informar, você tem um cu promíscuo.Para aquelas pessoas que tem vergonha na cara (e no cu), vai meu texto de hoje.

Cagar fora de casa é um sofrimento em vários aspectos. Para fins didáticos vou dividir o sofrimento por um critério temporal: o pré, o durante e o pós cagada. Se estiver comendo, sugiro que não continue a ler o texto, pretendo ser bastante descritiva.

Tudo começa com a angústia que nasce junto com a vontade de cagar quando estamos longe de casa. Se você é uma pessoa civilizada, pensa “Puta que pariu, não acredito que estou com vontade de cagar justamente agora”. Sim, te gera um desconforto a mera possibilidade de pensar emcagar em uma privada onde centenas de cus desconhecidos passaram para realizar um depósito.

Daí a primeira reação normal de uma pessoa civilizada é prender a merda. Você fecha o cu com força e torce (ou ora, se for religioso) para aquilo ser um alarme falso ou o intestino dar conta de acomodar a merda de forma mais otimizada. Quase que um Tetris marrom. Porra, são nove metros de intestino, não dá para acomodar mais meio quilinho de bosta não? Não dá, você vai descobrir isso da pior forma possível.

Cada organismo é um organismo, mas depois de humilhantes conversas com diversas pessoas, extraí uma conclusão duvidosa: merda é como peça de teatro. Depois de três avisos, ela tem início, querendo você ou não. Minha estatística tosca comprovou que se você prender uma vez a vontade passa por um tempo, mas daí ela volta mais forte. Se prender uma segunda vez, passa, com umas pontadas meio sinistras durante o processo, mas passa. Porém, no terceiro aviso não tem jogo. Ela vem que vem. E geralmente quem luta pela dignidade de cagar em casa se segura até o aviso derradeiro.

Depois de prender, tentar enganar seu organismo, nutrir uma vã esperança de manter a sua dignidade e sentir que a mãe natureza é mais forte que você e te odeia, você aceita que vai ter que passar por aquilo. Procura um banheiro, já com uma certa pressa, pois esperou até o último minuto para ter certeza que essa experiência degradante não podia ser evitada. Você entra no banheiro público, seja ele onde for, com uma urgência considerável, o que não te permite muito tempo para manobras.

Prioridade numero um: achar a cabine menos suja. Porque limpa, Meus Queridos, vai ser difícil. Onde há coletividade no Brasil há música ruim, bebida e sujeira. Você abre as portinhas com asco, meio que virando a cara, com medo do que vai encontrar. Eu já não duvido de mais nada desde que abri uma portinha de banheiro e encontrei escrito “Cris esteve aqui” nas paredes… com cocô. Não me espantaria se um dia o macaco da Porta dos Desesperados do Sergio Mallandro saísse de dentro da cabine.

Mas, voltando ao assunto, você abre lentamente com sofrimento as portinhas. Tem uma com mijo no chão, outra com vaso entupido e outra sem papel higiênico. A gincana começa. Você, apertado, com a bosta já lambendo a roupa de baixo anda feito um pinguim, com as perninhas coladinhas para favorecer o fechamento anal, em direção à cabine com a privada entupida para pegar papel higiênico, prendendo a respiração e evitando de olhar para dentro do vaso naquele misto de repulsa e atração masoquista que te faz dar uma olhadinha rápida e se arrepender por isso.

A pressa pela vontade de cagar somada à vontade de sair de perto daquele vaso cagado te desconcerta e você não consegue achar a pontinha do papel para puxá-lo. Lá está você, um profissional de sucesso, meio curvado, rolando os dedos pelo papel higiênico (que na verdade é um papel-lixa), virando a cara para o vaso e tentando fechar o cu, tudo ao mesmo tempo. Uma gota de suor escorre pela testa.

Se for aquele porta-papel do capeta onde você nem ao menos vê o papel, apenas a ponta que cai dele, pior ainda. A pessoa tem que ficar tateando como uma cega na busca pela ponta do papel. Você se cansa (terceiro aviso é foda) e mete a mão com violência arrancando o que pode do papel higiênico na grosseria mesmo, o que vai te obrigar a limpar o cu com um misto de confete e serpentinas altamente abrasivos. Nessas horas, achar a ponta do papel higiênico em banheiro público é mais difícil do que achar a ponta de fita durex.

Você fez o seu melhor, o que foi possível de recolher sem vomitar foram aquelas tiras de papel arrancado. Você olha para a sua mão e vê algo parecido com um miojo de papel. É hora de correr para a cabine limpa, porém sem papel. Metade do conteúdo você usa em uma tentativa desesperada de forrar a tampa do vaso escroto onde vai ter que sentar. A vontade já cresceu significativamente devido à demora na coleta do papel, então o processo de forragem é realizado de forma precária. Você faz um ninho rudimentar no vaso, procura abstrair e abre as calças.

Ocorre que, quando estamos apertados para cagar, as calças nunca abrem fácil. Tudo vai dar errado. O zíper vai emperrar, o cinto não vai abrir, o celular vai cair no chão. Não importa, a prioridade agora nem é o banheiro limpo, nem a higiene nem nenhum desses luxos, a prioridade agora é salvar o resto de dignidade que você tem e não se cagar nas calças. Nesse momento você arranca a roupa e senta humilhado, percebendo o quanto você é escravo do seu cu apesar de tudo que conquistou na vida. Você pode ter pós-doutorado em física quântica, pode ser o melhor neurocirurgião do mundo, ainda assim, você é escravo do seu cu.

Você senta e faz o que tem que fazer. É um mau momento, um momento de humilhação e de exposição aos germes. Se você for um pouco mais esclarecido e souber que a maior parte das infecções contraídas em banheiro público vem da água e não da tampa do vaso, pode ser que tenha a presença de espírito de jogar parte do ninho de papel higiênico que você tem nas mãos dentro do vaso, para quando a bosta bater na água, evitar que a água bata na bunda. Se não, boa sorte com essa água do demônio entrando na sua mucosa anal.

E a água vai bater na bunda, porque a bosta vai sair em uma velocidade supersônica, devido à retenção exacerbada que você fez. O cocô desanda assim como os alimentos quando passa do seu ponto. Vai sair na velocidade da luz, respingando água e merda para todos os lados. O vaso vai ficar parecendo um dálmata (sua bunda talvez sofra desse efeito colateral também, dependendo da sua potência anal). E você não vai poder tomar banho depois. Apenas vai poder se limpar com as tirinhas que conseguiu arrancar da cabine vizinha. Se você for mulher e calhar de ter aqueles lenços íntimos na bolsa, pode tentar melhorar a situação com um deles, mas já vou te avisando: aquilo deixa o cu oleoso. Você vai andar e sentir as bandas lubrificadas escorregando uma na outra.

Você obrou. Você se limpou com o ninho que tinha nas mãos, muito mal e porcamente. Mesmo sendo apenas tiras de papel, é possível sentir a abrasão anal, devido à baixa qualidade do material. Imagina se fosse um pedaço de papel inteiro!Certamente seu cu saía junto… Você se levanta humilhado e dá a descarga, cheio de nojo de meter a mão naquele botão, que deve ter mais germes do que macaquinho de laboratório. Enquanto veste as calças percebe que o tolete gigante acumulado pela retenção fecal à qual você sujeitou seu organismo não vai embora. Ele apenas roda com a água, mas fica no mesmo lugar. Você olha em um misto de depressão e impaciência.

Fosse no banheiro de casa, você teria que dar um jeito dele ir embora. Mas não é, é em um banheiro escroto de rua que você espera nunca mais pisar. Deixar o tolete ali parece a melhor solução. O problema é aquela vergonha de cruzar com a pessoa que vai usar a cabine depois de você e a pessoa marcar seu rosto, sabendo que você é o cagão cu de portal que deixou aquela monstruosidade ali. Fato: quem deixa um mega-cocô interditando banheiro público é um mau cidadão. Eu sempre tenho medo que a pessoa marque minha cara e em um futuro a gente se reencontre em uma entrevista de emprego, com ela me entrevistando.

Mas também ficar ali naquela cabine fétida esperando o reservatório de água encher novamente para mais uma descarga é sacanagem. Você não é obrigado a isso! A solução meio-termo é jogar o que resta do ninho de papel higiênico dentro do vaso, para tentar encobrir a cena do crime. Daí fica aquele tolete gigante com meio corpo para fora da água, coberto por tiras de papel higiênico, parecendo uma noiva. Você sai com vergonha da cabine e vai para o próximo passo: lavar as mãos. Lavar é forma de dizer, porque eu acho que essas pias de banheiro público contaminam mais do que lavam, por mim eu passava um álcool 70% que estava melhor, mas enfim, pega mal sair, passar por todo mundo e não lavar as mãos.

A pia fatalmente estará imunda. Terá restos de papel, cabelo e o que de mais nojento você conseguir pensar. Se for daquelas com sensores, ainda vai demorar para você posicionar as mãos no local certo e a água sair. Esses sensores são falhos. Cansei de ficar parada com cara de bunda, com as duas mãos dentro da pia, esperando a água sair e nada.

Pior ainda quando é uma pia conceitual, diferentona, com pseudo-botões. Você não sabe se é botão, torneira ou sensor aquela merda. Para não passar vergonha e não pagar de caipira você pressiona discretamente a parte mais protuberante daquela engenhoca. Se afundar, é de botão, se não, deve ser de sensor. Vai posicionando as mãos que em algum momento desse ballet manual deve sair água.

O sabonete é sempre nojento e sempre rosa. Mas tudo bem, só de ser sabonete líquido já é um conforto, você sabe que ninguém esfregou aquilo no cu, no sovaco ou sabe-se lá onde. Você passa o sabonete, mas quando acaba de passar, a porra da água parou de sair, porque o Planeta precisa de economia de água, sua dignidade que se foda. Tá lá você com a mão cheia de Ypê (certeza que eles colocam detergente no lugar de sabão) tendo que repetir o ballet manual para enxugar as mãos.

Depois disso você tem que secar as mãos. Três tipos de escrotidão te esperam: a toalha de papel, o arzinho quente e a toalha de pano giratória. A toalha de pano giratória está caindo em desuso,talvez por ser pestilenta e asquerosa. É uma toalha de tecido que você puxa e vai girando e retornando para dentro de uma estrutura metálica. Você não sabe quem passou por ali, é nojento. A toalha de papel é traiçoeira, você puxa com as mãos molhadas e sai só uma pontinha, o resto fica retido dentro do recipiente e não tem como tirar. A ar quente, além de ser um antro de germes, não seca porra nenhuma.

A verdade é que não importa seus esforços pessoais, você vai sair dali com a mão ainda meio molhada e, discretamente, vai acabar dando uma secada final na roupa. Quando estou em shoppings ou locais do tipo, eu finjo que faço carinho da cabeça de alguma criança bonitinha enquanto falo com ela, porque eu amo minhas roupas. Fica a dica.

Pronto, você está amaldiçoado pelo resto do dia. Além do asco residual em decorrência da experiência traumática, aquela sensação dúbia de cu sujo. Você não sabe se seu cu está sujo ou não. Há motivos para que ele possa estar sujo, mas você só vai saber quando chegar em casa. Então, até chegar em casa, temos o que eu apelidei de “O Cu de Schrodinger”, ele está sujo e está limpo, e talvez você prefira nem saber qual dos dois prevalecerá. Não importa, o desconforto de se sentir meio sujo te companha o resto do dia. E se você tiver um encontro depois do trabalho e não der tempo de passar em casa… lamento muitíssimo.

Cagar na rua ESTRAGA O MEU DIA. Grata por ouvirem meu desabafo.

Para dizer que meus problemas psicológicos estão piorando com o passar dos anos, para admitir que frequentemente você é acometido pelo “Cu de Schrodinger” ou para deixar inúmeros desabafos anônimos sobre acidentes escatológicos em banheiros públicos: sally@desfavor.com


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