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Humor Mortis

Humor Mortis

| Desfavor | | 63 comentários em Humor Mortis

Com mais uma morte de grande repercussão, mais uma iteração da confusa relação do brasileiro com liberdade de expressão nos tempos de internet. Fonte? A rede social ou a página de comentários mais próxima de você.

Desfavor da semana.

SOMIR

Tenho uma considerável folha corrida de banimentos em comunidades virtuais, só no Orkut (que alguém o tenha) foram uns dez perfis. Muitos pelo meu senso de humor… peculiar… diante de tragédias humanas em geral. Em outros tempos eu teria pulado na oportunidade de fazer uma piada sobre a morte de Eduardo Campos para capitalizar na fúria desconexa de justiceiros virtuais. Hoje em dia já não é mais a minha praia.

Eu não chamaria de evolução como ser humano, está mais para um refinamento da escrotidão. A fase de incendiar os humores de analfabetos funcionais desconhecidos foi proveitosa, mas já deu o que tinha que dar. As piadas de mau gosto ainda se formam diante da miséria alheia, mas cada vez menos delas passam pelo filtro de qualidade.

Fazer a piada e irritar um popular com mais senso de auto-importância do que capacidade de contextualização é divertido, mas passar por baixo do radar dele e fazê-lo cúmplice incauto da sua piada é sublime! Dá mais trabalho e falha muito, mas quando funciona compensa todos os perrengues. Não estou apenas brincando de deixar alguns de vocês paranóicos (pelo menos os que entenderam as implicações disso), estou também demonstrando como há um processo aqui.

Humor é um dos maiores indicadores de inteligência de um ser humano. Ele é elástico o suficiente para conter todo o desenvolvimento intelectual e bagagem cultural de uma pessoa. O “teto” do humor é muito alto, possibilidades incalculáveis de combinações. Algumas das piadas maldosas que aparecem na internet depois de casos como o de Eduardo Campos nem sempre fazem jus às possibilidades do humor, mas todas elas são um processo natural do ser humano.

Das mais ofensivas às mais sutis, todas com seu direito à existência. Controlar humor é enxugar gelo. Ele vai brotar da mente humana como sempre brotou em nossa história. Mas é claro que nem sempre somos o público alvo ideal dele… achar graça é irrelevante no contexto da coisa. Piada ruim ainda sim deve ser vista como piada. Até porque ela pode evoluir até o ponto onde você vire o público.

Muito se fala em limite de humor como uma medida de quanto uma piada pode ofender… ledo engano. Humor não tem limite, e não porque eu faço pouco de quem se ofende (embora faça, mas essa não é questão aqui)… humor não tem limite por essa “elasticidade” de contextos e públicos. A piada com a desgraça alheia pode ser entendida de forma simplória por quem tem essa inclinação, mas pode ser muito mais. Pode até ser um ponto de partida para uma reflexão profunda.

Brincamos demais com coisas sérias porque é disso que se faz o humor: jogar uma nova luz sobre algo que já conhecemos. Rir da morte e da desgraça é natural justamente porque não é essa a reação que se espera na situação. E é jogar uma luz nova porque no fundo a maioria de nós não nos solidarizamos tanto assim. É até fácil conceber a dor de quem perdeu algo ou alguém querido, mas senti-la demanda algo bem maior do que ler uma notícia num site ou rede social.

A piada – por mais grosseira que seja – não deixa de ser uma reação mais humana do que o discurso pasteurizado do politicamente correto. A piada não deve ser isenta de repercussões, é claro, mas o pedestal no qual tanta gente se coloca para criticá-la é pra lá de instável. Consternação e condolências de quem frequentemente não se importa de verdade? Criticam quem usa o humor “indevido” às custas de vítimas, mas usam a tragédia como palanque para professar sua suposta superioridade moral?

Ambos comportamentos parasíticos. Mas pelo menos um deles deu atenção de verdade para o acontecido… O humor é uma forma do ser humano lidar com as agruras da vida. O cidadão que está fazendo a piada que você não gosta hoje está aprendendo algo ao fazer isso. Se ele for recompensado com seu interesse, vai descobrir uma forma de comunicação poderosa. Se for ignorado, vai ter que procurar atenção de outra forma.

Humoristas e moralistas geram sua própria interdependência. E uma danosa para ambos os lados, por sinal. Censor e censurado é uma relação de perda constante. Ao invés de permitir que o humor siga seu caminho rumo ao sublime, querem que ele gire em falso nas mesmas polêmicas desnecessárias. A qualidade e o público de cada tipo de humor que deveriam regulá-lo, não um injustificado complexo de defensor da moral e dos bons costumes.

Humor é bem maior do que isso. Ele vai falar através de quantas mordaças precisar, vai apontar nem que seja um fio de luz justamente nos lugares que você não quer ver… é da nossa natureza. Essa patrulha sem graça da expressão alheia só faz gerar uma tensão superficial onde se apóiam limitados e preguiçosos. Dos dois lados! Moralistas de araque querendo parecer melhores do que são e humoristas de meia-tigela cujo talento é gritar obscenidades para a mesa dos adultos…

Dizem que as piores relações são aquelas onde um alimenta as neuroses do outros. Vemos isso acontecendo: a ofensividade de algumas piadas reforçando a ilusão de grandeza de quem as critica, no sentido oposto a crítica enfadonha e repetitiva que define toda uma platéia como estúpida o suficiente para não entender uma piada.

E o morto? Ah, ele já está livre dessa babaquice toda.

Para dizer que já perdeu a graça defender o humor, para dizer que você já definiu o limite do humor e ele está no que TE ofende, ou mesmo para dizer que eu estou ficando bundão: somir@desfavor.com

SALLY

Só tenho duas certezas nessa vida: que todos vamos morrer e que quando morrermos vai ser uma cagação de regras generalizada sobre como lidar com essa morte.

A morte de Eduardo Campos desencadeou um dos maiores efeitos “Universo Umbigo” que eu já vi. Assim que anunciaram a morte, como de costume, começaram a surgir piadas na internet, principalmente em redes sociais. Poucos segundos depois surgiram pessoas recriminando essas piadas. Poucos segundos depois os que fizeram as piadas acusaram os que criticaram as piadas de hipócritas. Poucos segundos depois estava todo mundo brigando e esquecendo do Eduardo Campos.

Quem está certo? Todo mundo. Ou ninguém, dependendo do ponto de vista. O limite do humor é subjetivo e individual. Traçar uma linha divisória é de uma arrogância sem precedentes, é dizer que o seu bom senso é o correto e deve nortear toda a humanidade. É por isso que existem botões de seguir e deixar de seguir em redes sociais ou botões para entrar sem sites, para você não ser obrigado a escutar merda. Você seleciona quais as pessoas que quer ouvir. Mas isso não basta, não é mesmo? As pessoas também querem selecionar o que deve ser dito. Não gostou? Bloqueia, excluí, silencia, unfollow ou sei lá qual é o termo correto.

Mas não. A pessoa quer que se adequem ao SEU padrão de bom gosto e bom senso e quem não o fizer vai ter que ouvir! Deixar de seguir não é uma opção, deixar de entrar no site não é uma opção, porque não basta ela não ler, MAIS NINGUÉM NO MUNDO tem que ler aquilo. Mais ou menos o que aconteceu aqui com a cobertura da Fazenda. “Se eu não gosto, então ninguém tem que ter acesso”. TÁ SERTO. Um spoiler doloroso: você não é tão importante! Pronto, pode começar a me xingar.

Fui procurar as piadas que estavam rolando, para ter uma ideia. Tinha para todos os gostos. Algumas provavelmente você até acharia graça, outras não, outras te despertariam revolta. Se fizéssemos uma enquete aqui com dez piadas sobre o tema, dificilmente teríamos um consenso sobre quais são aceitáveis e quais são inaceitáveis. Sabe porque? Porque gosto é que nem cu. Mas parece que o Universo Umbigo chegou a um ponto que queremos que os outros tenham o exato mesmo cu que a gente. Que triste.

Vamos evitar argumentos falaciosos. Com isso não estou dizendo que seja bonito, que seja legal ou que seja louvável piada de mau gosto com morte de alguém. Não é esse o mérito discutido e se você não pode ver isso, nem comente. Cada um de nós tem o seu limite pessoal para brincar com tragédias, seja ele de tempo ou de intensidade. O que eu questiono é impor esse limite a terceiros como se estivesse tentando “educar” a pessoa. Quem te disse que você está certo? Quem te disse que existe certo e errado em algo tão subjetivo? Quem é você para dizer o que se pode/deve fazer?

Falta de respeito é algo muito relativo. Muita gente evocou a família de Eduardo Campos como supostas vítimas de um sofrimento infligido pelas piadas. Bem, a família só lê isso se ela quiser. E será que está relacionado mesmo à família da pessoa? No natal passado o Danilo Gentili postou no seu Twitter algo do tipo “Deu um trabalhão, mas eu consegui reunir a família para o jantar de natal” e quando você abria a foto, ele estava sentado em uma mesa, com uma pá cheia de terra na mão e sentados com ele estavam o que seriam o corpo do pai e da irmã mortos em decomposição. E não é que foram cagar regra para cima dele? Sabe, a família é dele, a dor da perda é dele, com que moral alguém vai interferir em como ele deve lidar com isso? O argumento da família caiu por terra. Literalmente.

Tem que poder falar tudo. Liberdade de expressão. Daí você filtra quem você quer ouvir. Ninguém vai na sua casa, com uma arma nas mãos, te obrigar a ler alguma coisa, certo? Você tem a opção de não ler, de não seguir aquela pessoa, de silenciar aquela pessoa no seu mundo virtual. O fato de eu defender que tudo possa SER FALADO não quer dizer que eu concorde com tudo, fale de tudo e ache tudo bonito, quer dizer que eu priorizo liberdade de expressão. Espero que tenha ficado claro mas caso não tenha: você dá o seu cu? Não? Beleza. Não é por isso que vai ter lei proibindo todo mundo de dar o cu ou que você vai bater de porta em porta e xingar quem dá o cu, certo? Agora sim.

Para piorar, quando os donos do bom senso acham que alguém perdeu a mão vão e DIVULGAM o que a pessoa falou, seja para criticá-la ou apenas para jogá-la aos leões e permitir que outros a critiquem. Não tem imbecilidade maior do que divulgar imbecilidade. Uma coisa é comentar uma notícia com repercussão social, outra coisa é ir lá espezinhar Dona Maricota, A Evangélica, porque ela disse uma ignorância. Como bem disse a Rosana Hermann, quando você divulga idiotas, permite que mais idiotas se agreguem a eles, dando-lhes poder. Vou repetir aqui o que venho dizendo há cinco anos: Não gosta? Não leia.

Se você acha que esses piadistas a qualquer preço são deploráveis e tentam capitalizar em cima da desgraça alheia, que tal não divulga-los? Não perder seu tempo com eles, prestigiando-os, lendo-os, se ocupando do que eles vão pensar ou dizer? Porque dar atenção a eles é recompensar a suposta atitude que você está condenando. Se você acha que a pessoa é uma merda, um escroto, um abjeto oportunista sem ética a coisa digna a fazer é condená-lo à escuridão em vez de jogar-lhe um holofote.

Curte piadas post-mortem? Beleza, vai lá, conta, lê, ri, compartilha. Vive o humor, tira dele o que ele tem de melhor: alegrar o seu dia. Mas ciente das consequências e riscos inerentes à liberdade de expressão.

Erra igualmente aquele que se preocupa em atacar quem critica o humor. Tem uma pessoa dizendo que você é um “lixo humano” por fazer humor de alguma coisa? Tá beleza. Essa pessoa é importante para você? Se não for, seja coerente e não lhe dê importância em vez de ficar espalhando, retuitando, respondendo, atacando ou mandando indireta “tem gente que…”. Deixem que discordem de vocês, que critiquem vocês. De onde merda as pessoas tiraram que todo mundo tem que gostar de tudo que elas fazem? Tá joinha, me esculhamba à vontade, que eu não preciso que todo mundo goste de mim.

Se você está na internet, se está postando algo para o mundo, tem que estar ciente de que pode sofrer críticas e tem que estar preparado para elas. Sim, as pessoas tem o sagrado direito de discordar de você, de te criticar e de te esculhambar. Não é bonito, mas quem expõe sua opinião ao mundo sabe que vai se deparar com gente assim. Vai perder tempo respondendo? Atacando a pessoa de volta? Ahhh… faça-me o favor, é dar muita importância! Assim como sou favorável de a liberdade de expressão para falar, sou igualmente favorável para criticar.

E se tudo isso te irrita muito, te deixa desgostoso da vida, saiba que você não vai mudar o mundo nem estipular o seu padrão de bom senso como regra, só se aborrecer. Faça como eu: crie o seu mundinho, um blog onde você peneire seus seguidores e selecione pessoas com princípios mais ou menos compatíveis com os seus, assim pode trocar ideias da forma que te agrada sem a intromissão de cagadores de regra moralistas e de sem noção que não respeitam nada.

Parem de encarar o pensamento diferente, as escalas de valor diferentes, como ofensa pessoal. Seu gosto não é referência mundial de certo e errado. Se alguém fez uma piada que você considera deplorável, se questione que filtro você anda botando na sua vida para se expor a alguém assim em vez de partir para cima da pessoa. Vamos olhar um pouquinho para dentro, só para variar?

Para mostrar sua dificuldade cognitiva e me perguntar se eu gostaria que fizessem piadas com a morte do meu pai, para dizer que se você não gosta é porque não presta ou ainda para deixar uma piada de péssimo gosto por sua conta e risco: sally@desfavor.com


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