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Down with Dawkins!

Down with Dawkins!

| Desfavor | | 121 comentários em Down with Dawkins!

+O biólogo Richard Dawkins, autor do clássico “O Gene Egoísta” e professor da Universidade de Oxford (Reino Unido), causou polêmica no Twitter ao escrever que acredita ser “imoral” que bebês nasçam com síndrome de Down.

A declaração não é o desfavor. Concordamos com ela. A reação histérica, como sempre, desfavor da semana.

SALLY

Hoje sacudiremos a árvore do Desfavor para que caiam as últimas frutas podres. Fechando com chave de oura a mega-faxina, vamos enfiar o dedinho na ferida e rodar. Antes de partir para meus argumentos, quero fazer aqui uma pequena compilação das frases que Richard Dawkins disse:

1) Indagado sobre o dilema de ter ou não um filho caso se descubra no começo da gestação que ele é portador de Síndrome de Down ele respondeu: “aborte e tente de novo” e “É imoral trazer ‘isso’ ao mundo se você tiver escolha.

2) Sobre os inevitáveis mimimis de mães de crianças portadoras de Síndrome de Down dizendo que amam seus filhos e que seus filhos as amam: “São fetos diagnosticados com a doença antes de terem sentimentos”

3) Sobre as acusações de ser desumano e não ter sentimentos: “Há um lugar para emoções e esse não é um deles”

4) Sobre os direitos dos portadores de Síndrome de Down, ele deixou bem claro que estas pessoas tem todos os direitos do mundo, mas que não é o caso dos fetos: “um feto sem um sistema nervoso desenvolvido não tem”

Não preciso dizer o quanto a gente concorda com ele. Mas preciso deixar consignada minha admiração por, em tempos de politicamente correto sufocante, ele ter culhões de dizer uma coisa dessas em uma rede social, mostrando a cara e o nome é louvável.

É uma escolha pessoal e cada um. Não acho que meus valores devam ser impostos a todos. Em contrapartida, não acho que os valores de terceiros devam ser impostos a mim. Quer ter um filho com Síndrome de Down? Vai fundo. Eu não quero, e eu não teria. E não é só por mim, é pela criança, que não vai encontrar um lugar ao sol, digno, nesta sociedade. Eu não tenho condições financeiras nem emocionais de cuidar de uma criança por 30, 40 anos. Dá licença? Eu não vou até grávidas dizer “Não tenha! Não tenha!”. Mas todo mundo vem até mim me chamar de monstro.

Não vou entrar no mérito legal, porque esta é uma discussão universal, de caráter ético. Pode acontecer com qualquer mulher do mundo, inclusive em países onde o aborto é legalizado. E por sinal eu jamais faria um aborto no Brasil, pois além de ser crime, é precário. Não estamos aqui discutindo lei, e sim o direito a ter ou não ter uma criança com deficiência metal.

Falemos do ponto de vista que interessa: a enorme reprovação social que emergiu em resposta às declarações de Dawkins. Uma reprovação carregada de agressividade, imbecilidades religiosas e sobretudo de burrice. As pessoas que reprovam acabam depondo contra a reprovabilidade, já que são tão ignorantes, burras, toscas e escrevem de forma tão vergonhosa.

Você tem o direito de discordar e até mesmo de não gostar, mas se você se ofendeu, é porque aquilo te incomodou de uma forma tão desmedida que diz algo sobre você. Tem algo mal resolvido. Já ouvi diversas vezes que argentinos deveriam ser exterminados, colocados em campos de concentração ou todos mortos – e ri. Ri porque não me afeta. Não me incomoda que boa parte das pessoas me queira morta, sabe porque? Porque essas pessoas não são importantes para mim, eu não dou importância para o que elas pensam. Se você dá importância para o que desconhecidos pensam, procure um psicólogo com urgência. Entre na fila, logo atrás daqueles que se ofendem com piada.

Não consigo nem começar a discutir com quem acha que um aglomerado de células é gente. Curioso que na hora do café da manhã todo mundo come ovos mexidos sem achar que aquilo ali é um pintinho. Células sem sistema nervoso de fato não tem sentimentos, como Dawkins bem pontuou. Mas as pessoas tendem a ser idiotas, atribuem sentimentos humanos inexistentes até a cães e gatos, evidente que inflacionariam de forma desmedida a importância de um aglomerado de células vindo delas. Você não é tão importante, um filho seu não faz a menor diferença para a humanidade. Isso não é amor, é vaidade. Aceita que dói menos.

Assim como Dawkins, eu acho que tendo a chance de detectar de forma precoce é sim IMORAL trazer uma criança com Síndrome de Down ao mundo, a menos que você seja rico, tenha todo o tempo do mundo para cuidar de uma eterna criança, pagar fisioterapia, fono, médicos, tratamentos, psicólogo e tudo mais que será necessário para fornecer o pleno desenvolvimento dela. E reze para não morrer antes dela, se não você, egoísta, vai deixar sozinha no mundo uma pessoa que não sabe cuidar de si mesma. Ou pior, vai onerar gente que não fez essa sua escolha com isso. Criar “do jeito que der” mas com muito amor é ES-CRO-TO. Amor não supre outras necessidades, esperneiem o quanto quiserem, é verdade.

Acha criança com Síndrome de Down um anjo de luz, um presente divino, melhor do que uma criança normal? Beleza, guarda essa baboseira para você e morre em estado de negação, que deve ser mesmo mais fácil de lidar se convencendo disso (a prova é que quando você tenta tirar esse “escudo” da pessoa, ela surta e te ataca). Mas não venha querer me obrigar a concordar com o seu pensamento nem me agredir porque eu penso diferente de você. Nem a mim nem ao Dawkins. Ninguém é obrigado a passar por isso, mas a pessoa que passa por isso parece querer que mais gente passe. Parecem querer acompanhantes para essa… jornada.

O mais curioso é como a burrice cega e faz surgir a verdade. Nas diversas vezes que abordamos temas similares as pessoas bateram ponto aqui para esculhambar dizendo que somos monstros e que os “anjos de luz” são maravilhosos e ao final, terminam com uma bela praga: Deus castiga, um dia você vai acabar tendo um filho com Síndrome de Down. Oi? Desculpa, não entendi? Seu anjo de luz não era ótimo? Porque seria um castigo ter um filho com Síndrome de Down? Alô? Burrice?

Eu não teria um filho com Síndrome de Down. Eu tenho que ter o direito de dizer isso sem ser agredida, tratada como má pessoa, desmerecida. Se eu não desmereço quem opta por tê-los (você não vai me ver indo em um blog de mamães down metendo o malho nelas, já o contrário…) não admito ser desmerecida também. Não quero. É direito meu. As leis brasileiras não são leis mundiais, me mudaria na mesma hora para um país cujas leis fossem compatíveis com minha convicção se essa realidade se apresentasse na minha vida.

Não querer ter um filho com Síndrome de Down não me faz má pessoa. Não me faz egoísta. Me faz racional. Eu tenho o dia inteiro livre para ficar de olho em uma eterna criança? NÃO TENHO. Essa é a minha realidade. Não vou deixar um ser humano que precisa de cuidados especiais com babá, com creche, com escola com sogra o dia inteiro, isso é sacanagem com todo mundo. Eu tenho o sagrado direito de pensar assim.

“Foi Deus quem escolheu assim”. Olha, eu não acredito em Deus, mas em um breve exercício argumentativo, mesmo que acreditasse, que porra de Deus sádico é esse que faz uma criatura incapaz de se defender, de se prover, de sobreviver sozinha em um mundo selvagem como o de hoje? Vai ä merda esse Deus, francamente. Sou Team Satanás toda a vida se isso for desígnio de Deus!

Ter um filho com Síndrome de Down é sim um ônus. Por mais que você ame seu filho, é inegável que essa criança terá uma série de necessidades que, no mundo de hoje, pouquíssimas pessoas estão aptas a prover. Vai te consumir muito tempo, dinheiro e disponibilidade emocional. E está ok se você não tiver tudo isso e optar por não tê-lo. Desculpa a franqueza, mas nem todo o amor do mundo compensam a falta de tempo de pais que trabalham o dia inteiro.

Basta de crucificar quem não quer ter um filho com deficiência. As pessoas tem que ter o direito de escolha. Se não vai poder prover uma vida digna, uma existência plena para essa criança, atendendo às suas necessidades especiais, é sacanagem colocá-la no mundo. AMOR não compensa a falta de todo o resto. Não me venha usar AMOR como argumento. É hora do brasileiro amadurecer, crescer, deixar de ser imbecilóide com mentalidade de novela. Ou ao menos de respeitar a opinião de quem não o é.

Desfavor presta reverência a Richard Dawkins, mais uma vez.

Para falar o que quer e ouvir o que não quer, para dizer que seu filho é normal e acima da média ou ainda para dizer que vai me processar e me ver rindo da sua cara: sally@desfavor.com

SOMIR

Como Sally foi bem didática, foi primeiro. Aproveito a desobrigação de situar o caso para me concentrar mais nesse “corporativismo da negação”, tão pervasivo em tempos de mundo conectado. Ignorância e necessidade de afirmação pessoal com certeza influenciam na histeria contra opiniões essencialmente racionais, mas me parece que há método nessa loucura.

Mais do que jogar o prazeroso jogo de apontar o dedo para quem se destaca do bando, o censor de pontos-de-vista como o expressado por Dawkins também parece tentar manter intacta uma espécie de rede de proteção da negação humana. Muitas vezes é mais fácil fingir que o problema não existe, e todos acham que ganham mantendo a opção disponível e popular.

Uma das formas de pais de crianças com síndrome de Down lidarem com as dificuldades inerentes à criação de alguém com necessidades especiais é pintar tudo com uma “tinta dourada” e chamar o intrusivo cromossomo extra de dádiva celestial. Não foi um mau resultado na loteria genética, e sim um evento cósmico tão necessário quanto inescapável. Imagino que enxergar o filho como providência divina deva mitigar um pouco as frustrações…

Difícil e desnecessário criticar quem encara esse desafio. De forma alguma eu vou desmerecer a abnegação de quem cria portadores da síndrome. Um dos melhores indicativos de sociedade evoluída é tratamento humano e decente para quem tem alguma deficiência física ou mental. Nascemos humanos, temos direitos só por isso. Excelente.

Agora, negar-se a enxergar um problema como tal dificilmente vai tratá-lo. Nasceu com síndrome de Down? Que tenha todos os direitos preservados! Mas que não nos enganamos achando a expectativa de respeito para com o deficiente anula a percepção de deficiência. Provavelmente nunca vai ser o caso, mas se fosse possível “desfazer” os resultados da síndrome numa pessoa… não seria um ato de amor dá-la o “pacote completo” da experiência humana?

O que Dawkins disse é óbvio: numa situação de escolha, é mais justo/moral/ético que a criança nasça sem o cromossomo extra. E para muitas pessoas nesse mundo já estamos vivendo uma era onde a escolha existe. Saber que o filho vai nascer com síndrome de Down, ter a possibilidade de abortar e não fazer não é gerar uma existência deficitária? Mesmo que você partilhe da ideia que a ignorância é uma bênção e a pessoa com a síndrome pode viver uma vida feliz, não tem escapatória quando o assunto é o conjunto de experiências e relacionamentos que o portador vai perder apenas por ter nascido nessa condição.

E quando a lógica bate, a negação assopra. Ao invés de admitir que acha que quem tem síndrome de Down está perdendo muita coisa, prefere posar de ser iluminado e se concentrar apenas no que acha positivo. Ao negar o problema, a mente fica presa num estado egoísta de valorização dos próprios problemas. Apoiar os mais necessitados com certeza é uma escolha louvável, mas colocá-los na condição de necessitados não.

Uma pessoa que escolhe trazer alguém com síndrome de Down para o mundo – mesmo que pretenda cuidar dele com todo o carinho e atenção possíveis – está criando o problema. Sei muito bem que a escolha não existe na maioria dos casos, seja por falta de atenção médica, seja por impedimentos legais, mas se focarmos apenas em quem pode abortar cedo por descobrir que o filho vai ter síndrome de Down, a escolha é imoral.

Em nome de uma negação que pode vir a ser útil quando problema surgirem na própria vida, muita gente prefere o discurso crítico à realidade, criando um universo paralelo onde deficiências não contam e todos somos perfeitos. Como se perfeição fosse condição para amar e/ou respeitar alguém. A criança deformada sorrindo na foto da rede social não pode apenas passar uma imagem de felicidade contra todas as probabilidades… não, ela tem que ser linda! Se não disser que ela é linda, você é um monstro. Porque para a massa de “negadores”, beleza é condição inescapável para se apreciar alguém.

A pessoa não quer respeito ou tratamento carinhoso, ela quer a ilusão de merecimento da simpatia alheia. Se você diz que pais (de sucesso) de crianças com síndrome de Down são corajosos e abnegados por lidar com um filho deficiente, eles podem ficar ofendidos pelo uso da palavra “deficiente”. Provavelmente a pessoa nem tem os subsídios necessários para compreender admiração sem uma grossa camada de elogios desmedidos. Se não negar o problema com eles, está contra eles.

Mas alguns de nós lemos nas entrelinhas. Nós percebemos a compensação, a frustração interna travestida de iluminação. É triste não só por disfarçar sentimentos humanos completamente compreensíveis, mas também por não permitir a busca de uma solução. Se é “criminoso” advogar o aborto de um portador da síndrome de Down, não se pode erradicá-la.

Problemas ignorados não são resolvidos. O direito à vida humana nunca entrou em discussão. Que tratemos com dignidade todos os que já estão entre nós, e os muitos outros que virão de pais sem escolha, mas que não deixemos isso nos confundir sobre a síndrome. Humanos com ela tem direito a existir, a síndrome não.

Para dizer que eu sou um monstro por escrever um texto mais respeitoso com você do que 99% das baboseiras que gente que não dá a mínima te diz num mural de rede social: somir@desfavor.com


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