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Atrás da Curva

Atrás da Curva

| Somir | | 41 comentários em Atrás da Curva

Sob o título mais aprazível de “Nobel de Matemática”, a imprensa tupiniquim dedicou mais ou menos meia linha escondida num canto para divulgar o prêmio recebido por um brasileiro no campo da Matemática. Artur Avila foi o vencedor da Medalha Fields, que a maioria de nós desconhecemos, mas aparentemente é uma cobiçada honraria no campo das ciências exatas. Muito bacana, de verdade. Mas… não é indicação de melhora alguma.

Uma pessoa talentosa e dedicada recebeu o reconhecimento pelo o que fez, e até segunda ordem, é só isso mesmo. O Brasil continua sendo avesso à ciência e a educação de alto nível. E agora eu vou parecer incoerente: a tendência é que brasileiros comecem a ganhar mais e mais reconhecimento científico e produzamos mentes mais afiadas. Citando Jurassic Park: “A Natureza encontra um jeito.”

Salvo uma tragédia como uma teocracia, é muito difícil evitar evolução intelectual de uma população. E mesmo assim, o tempo passa. Os europeus queimaram cientistas em praça pública, agora ganham prêmios pelas suas contribuições na área. Há uma curva de evolução comum à maioria dos povos. Antes de praguejados (adivinhem só) por teocracias raivosas, os árabes foram um dos povos mais avançados do mundo! Principalmente na área da Matemática.

Há uma curva. Até mesmo o BM vai evoluir para longe de seu atraso. O problema é que esse tipo de evolução demora demais para nossos cada vez mais exigentes padrões. E aqui um porém: sempre dizem que eu sou otimista ou esperançoso demais quando menciono essas previsões positivas sobre o futuro intelectual da humanidade. Não sei quantas vezes eu vou precisar dizer, mas repito: não é otimismo ou pessimismo, é realismo. As coisas acontecem assim dadas condições mínimas de paz e liberdade.

Quanto mais você estudar sobre história e antropologia, mais vai perceber o padrão. Se você acha que eu estou sendo otimista ao dizer que o BM vai ficar muito menos BM no futuro, você não está trabalhando com informações suficientes. Voltando um século que seja, o adulto médio tinha tanta capacidade de abstração quanto uma criança dos dias de hoje. Não estou falando que eles eram burros, e sim que a evolução da sociedade obrigou as pessoas a desenvolver outros “cantos” do cérebro.

Mas mesmo assim, a curva. Que a humanidade (desde que suficientemente livre de autocracias – principalmente as religiosas) vai continuar evoluindo, vai. Podemos até não entender mais os méritos dos rumos que as gerações futuras vão tomar, mas tenha certeza que daqui a cem anos alguém vai estar nos chamando de bárbaros ignorantes. Novamente: sejam lá os padrões pelos quais eles vão nos julgar.

Que o Brasil está na curva, está. Ciência não é incentivada, mas pelo menos não é proibida! Gênios vão pipocar aqui e acolá, provavelmente em números cada vez maiores com o passar das décadas. Mas estar na curva muita gente está também. Um filho que passa menos fome que o pai tende a já trazer algum progresso. É até fácil seguir esse caminho quando se consideram os números gerais da população.

Muito bom que um brasileiro tenha ganhado algo além de um troféu por chutar uma bola, mas muito ruim que a produção intelectual brasileira viva de pontos fora da curva. E que seja só a curva natural da humanidade. Povos mais avançados brigam para deixá-la mais íngreme, tornando cada vez mais difícil para alguém se destacar demais.

Até porque cobrar da curva é menos danoso para a evolução intelectual do que cobrar dos indivíduos. Ser a flor nascida no estrume cria pressão desnecessária para quem se destaca, dando a ele status de “alienígena”, inalcançável para os reles cidadãos. Claro que um matemático (ainda mais um teórico) trata de assuntos que deixariam a maioria das pessoas confusas, mas se pelo menos o caminho até essa compreensão for claro o suficiente, o exemplo tem como ser seguido.

Quem depende de pontos fora da curva não consegue recriar as condições de forma consistente para repeti-los. Viramos todos vítimas do acaso. Estou falando disso tudo para dar suporte para a ideia que país nenhum deve se concentrar em formar gênios. Gênios são flutuações imprevisíveis num sistema… e sabe-se lá o quão fora da curva podem aparecer.

O que dá para fazer é cobrar da curva. Produzir muito mais elementos medianos para torná-la íngreme. Sou muito favorável à ideia de investir pesado em educação, mas há um porém aqui: depende de onde você concentra o investimento, a curva demora mais para subir. O Brasil é o típico caso de quem está contente em ficar na média. Todo político vai te dizer que o ideal é investir na educação das crianças…

Somir Surtado, mas pode chamar de Dés Potas: eu vou te dizer que o grosso tem que ir para a dos adultos. Quando se educa crianças num sistema onde a curva já é mediana, elas vão se destacar a partir dela. Pelo bem delas, que se coloque o grau de exigência futuro lá no alto. E que se demonstre para elas que existe caminho até essa excelência. Atualmente é uma loteria: se calhar de alguém esforçado ter o suporte certo, vira ponto fora da curva. Qualquer perturbação no sistema e ela acaba só comprando um diploma, se tiver essa sorte.

Tem que ter mais o que fazer quando se chega no nível superior. Prêmios são ótimos para gerar interesse na ciência, mas sem destino e companhia, essa viagem rumo à excelência parece muito mais sem graça. A falta do que fazer com educação é um dos principais motivos do atraso brasileiro na área. Cidadão se forma em Física e descobre que não tem mercado para ele… não tem estrutura para comportar quem estuda.

E a curva continua a mesma. Grandes merdas deixar as crianças animadas com biologia se não tem o que fazer com esse interesse no futuro. Um Brasil que eu considero otimista é um onde Artur Avila não está tão longe assim da média (pelo o que eu li sobre ele, nem a curva do país mais rico e desenvolvido o conteria). Para melhorar a média, tem que subir o limite! Sei que vão jogar pedras, mas falo do mesmo jeito: educação superior é mais importante para subir a curva do que a básica.

Be-a-bá é essencial, mas não é solução por si só. Mesmo que consigam fortalecer o ensino básico, sem ter para onde ir o efeito é negativo: vide a quantidade de gente com diploma de “não sei o que fiz” em todos os níveis do mercado de trabalho. Educação vira mais uma daquelas mentirinhas sociais que contamos só para manter as coisas funcionando. Cidadão finge que aprende, a sociedade finge que se interessa.

Daqui a pouco vão mesmo conseguir colocar quase todas as crianças brasileiras numa escola… mesmo com incompetência e corrupção comendo soltas. São tendências históricas e mundiais. O que não pode acontecer é acharmos que esse papel de carona na evolução humana é suficiente. O futuro da evolução não é mais orgânico… alguém tem que ajudar a natureza.

Sem um foco IMENSO em educação e pesquisa de alto e altíssimo nível, a tendência é que uma massa de BMs alfabetizados comece a se perguntar porque diabos estudou para começo de conversa. Ensino básico é uma das coisas mais fáceis de se desaprender ao longo da vida. A pessoa regride para um estágio de analfabetismo funcional (generalizado) e nem consegue perceber como ficou para trás. Ainda mais se continuarmos dependendo de gênios para definir o ápice do intelecto tupiniquim.

Chega dessa ideia que educar criança é prioridade. Educar que é. Tem gente nesse mundo que acha que aprender é coisa de criança! Não tem investimento que baste num cenário desses. A curva é um indicador puramente realista. Quando o BM chegar num nível de educação mais elevado, os povos que realmente se importam com isso vão ter subido a exigência para muito longe, de novo!

Não me considero otimista falando de melhorias sociais do tipo justamente porque acho que otimismo custa mais caro que isso. Nem fodendo que eu me vendo tão barato assim.

E acho uma merda que você o faça.

Para dizer que eu devo odiar crianças, para contar suas histórias de terror na carreira científica, ou mesmo para dizer que matemática não resolve nenhum problema: somir@desfavor.com


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