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Futebol for dummies.

Futebol for dummies.

| Desfavor | | 24 comentários em Futebol for dummies.

Desfavor Convidado é a coluna onde os impopulares ganham voz aqui na República Impopular. Se você quiser também ter seu texto publicado por aqui, basta enviar para desfavor@desfavor.com.
O Somir se reserva ao direito de implicar com os textos e não publicá-los. Sally promete interceder por vocês.

Desfavor Convidado: Futebol for dummies

Impopulares e impopularas: atendendo ao clamor do público analfafutebólico da RID, vou explicar o básico do esporte bretão para quem não quer mais sofrer bullying durante os jogos. Pensem nos jogos de campeonato como a mistura de um grande RPG com um reality show. Existem regras gerais para o RPG (jogo), regras específicas para aquela jornada (campeonato), uns caras que funcionam em conjunto como Game Master (Juiz, bandeirinhas, técnicos), decidindo sobre as situações vivenciadas no jogo e modificando os cenários. Há também a parte Reality show, com ex-jogadores e jornalistas prepotentes dando palpite, malhando o pau nos participantes e tentando influenciar a opinião pública para tocar o terror em todo mundo, mudando a vida dos participantes. Este texto é sobre as regras do jogo. Conforme o interesse impopular, posso escrever sobre as jornadas e a construção das personagens, deixando a dinâmica do reality – com a parte sórdida cheia de surubas, maracutaias, chifres, assassinatos de acompanhantes e essa podridão que vende jornais e revistas – para meus concidadãos mais bem informados nessa área.

As regras estão escritas há muito tempo, tendo sofrido poucas modificações ao longo dos anos. Porém, ninguém nesse mundo lê manual de coisa nenhuma, por isso as explicações populares de regras seguem uma tradição oral cheia de mal-entendidos, aprendidos desde a infância pelos boleiros. Aqui está o manual com as regras oficiais bem detalhadas e claras, que provavelmente ninguém vai ler, então está em português lusitano, para os poucos que curtem a diversidade cultural.

Vamos ao que interessa:

Do campo: pra se jogar futebol, é preciso dispor de um campo retangular com um tamanho mais ou menos padronizado, o que já é uma esculhambação, pois as medidas variam demais e isso interfere no jogo (as medidas máximas são quase o dobro das mínimas). Isso é uma coisa absurda, mas vale, então o São Paulo vai jogar em Santa Pirapora das Dores contra o Atlético Piraporense em um campo curtinho, no qual o goleiro pode até fazer gol direto da área dele, depois joga a revanche em um campo em que os Piraporenses ficarão completamente perdidos, jogando de binóculos para enxergarem os companheiros. Para minimizar estes absurdos, a FIFA estabeleceu uma medida oficial para jogos internacionais. O campo tem que ter traves, bandeiras de escanteio, limites externos demarcados e algumas áreas internas também delimitadas (pequena e grande área, círculo central, corners). Em volta do campo fica o estádio, que é aquela parte cara que serve para superfaturamento. Dependendo do bolso do dono do estádio e do poder aquisitivo dos torcedores, muda o número de pessoas que se molham ao jogar e/ ou assistir o jogo em dia de chuva.

Da bola: é preciso ter no mínimo uma bola de plástico ou outro material duro, com tamanho, peso e pressão interna mais ou menos padronizados – o que é outra esculhambação, pois gera bolas esquisitas como a Jabulani, além de desculpas para quem não se adapta aos modelos novos. Isso acontece porque menino com bola é como mulher com sapatos: foda-se se você já tem 300, a moda agora é outra. Aí o pessoal varia o material da bola, o número de gomos, a aspereza, e a bichinha passa ter outra aerodinâmica. Neguinho passa o ano inteiro jogando com uma bola, acostumando o corpo com ela (o corpo automatiza os movimentos; papo técnico: memória não-declarante) e pertinho do campeonato recebe outra bola para a qual seu corpo não está “calibrado”. Aí a bola não vai onde deveria ir e o jogo fica pior só para o fabricante vender mais bolas.

Do número de jogadores: cada time pode ter no máximo onze e no mínimo sete jogadores, senão o jogo nem começa. Evidentemente que os dois times entram com o máximo, tendo inclusive direito a reservas para trocar os machucados, os cansados ou os que estão dando nos nervos de todo mundo. O número mínimo é porque expulsões e contusões podem deixar um time com menos de sete jogadores, mesmo após realizadas as substituições possíveis, daí o jogo não pode prosseguir. Já vi técnico mandar gente simular contusão após algumas expulsões e substituições em sinal de protesto contra uma arbitragem escrota, mas foi uma vez só, e o jogo parou.

Das vestimentas e equipamentos de segurança: os jogadores devem estar com equipamento de segurança e uniformizados de modo a não se confundirem com os do outro time, o juiz e os goleiros. Equipamento de segurança são chuteiras e caneleiras. É difícil algum jogador estar com protetor bucal, como usam os jogadores de basquete, e já vi jogador com protetor de nariz, protetor de orelhas, munhequeiras, tornozeleiras, mas ninguém de armadura ou spray de pimenta. Considerando que na Libertadores da América os torcedores atiram pilhas, garrafas e pedras nos jogadores adversários, que tem jogador com pedra na mão dando soco nos oponentes (Mário Soto, do Chile, quebrou vários dentes de jogadores do Flamengo em 1981), capacete e colete balístico poderiam ser incluídos como equipamentos de segurança (para desconsolo do Zuñiga). Quanto ao uniforme, agora é definido por designers, estilistas e toda essa gente que gosta mais das pernas dos jogadores do que do jogo. As chuteiras andam cada vez mais berrantes, as camisetas cada vez mais justas e a cada campeonato eles mudam os detalhes para vender tudo de novo. A próxima chuteira do C. Norraldo deve ser com estampas de oncinha e salto alto. Hormônios femininos na água, diria uma amiga minha. Fora as camisetas, calções, meiões e equipamentos de segurança, não se pode usar nada que coloque em risco a segurança dos jogadores, como relógio, corrente, brinco, piercing, soco-inglês, etc. O regulamento é omisso quanto a olhos de vidro, implantes de silicone e próteses penianas.

De quem manda no pedaço: em campo, pelo menos na teoria, o juiz decide sobre faltas, laterais, liberação de substituições e mais uma porção de coisas. Evidentemente que os capitães, os jogadores famosos e os técnicos fazem a maior pressão a cada coisa que ele decide. Na prática, bom juiz é aquele que é discreto e faz o jogo fluir sem muita porrada ou muito chororô. Juiz que busca protagonismo geralmente é mau-caráter, embora haja alguns desastrados que roubam a cena sem má intenção. Na Suíça tinha um juiz chamado Wose Jobbert Right que passava o jogo fazendo roubinho miúdo, invertendo faltas, dizendo desaforos para os jogadores, insultando-os com comentários sobre a profissão de suas mães e daí para baixo. Uma vez ele até colocou para gravar e exibiu o bullying. Aí o jogador perdia a cabeça, fazia uma merda e ele expulsava. Os árbitros assistentes (vulgo bandeirinhas) ajudam o árbitro em questões para as quais seu posicionamento permita uma visão melhor, como se a bola saiu em lateral, entrou no gol, se houve falta ou se há alguém impedido. Eles apenas assinalam e o árbitro decide se acata ou não; pode ser que após consultar o auxiliar o árbitro volte atrás em uma marcação, o que geralmente dá o maior furdunço. Para os bandeirinhas, vale a máxima “muito ajuda quem não atrapalha”.

Da duração da partida: o jogo dura dois tempos de 45 minutos com um intervalo de 15 minutos entre eles; se a bola ficar parada muito tempo por faltas, atendimentos ou enrolação de um dos times (apelidada de “cera”), o árbitro dará acréscimos de acordo com seu critério (em tese seu cronômetro, na prática o seu medo de dar merda para ele caso o resultado mude no finzinho ou não ajude o time mais forte/ da casa). Isto é diferente de prorrogação, que não faz parte das regras do jogo, mas é um critério de desempate previsto nas regras do campeonato. Há campeonatos em que não há prorrogação prevista, como o Campeonato Brasileiro.

De quando a bola está em jogo ou fora de jogo: depois de hinos, homenagens, minutos de silêncio, dancinhas de animadoras de torcida e de sair de campo todo o pessoal que não faz parte do jogo, o juiz sorteia um dos capitães para escolher para que lado seu time começará atacando; em compensação, o outro time começa com a bola. Quando o juiz apitar e for dado o pontapé inicial, a bola estará em jogo. A bola continuará em jogo se bater na trave, na bandeirinha de escanteio ou no juiz, que são neutros, mas estará fora de jogo quando sair inteira de campo ou o juiz interromper a partida em função de uma falta, infração ou evento bizarro, como invasão de campo, abdução por extraterrestres, infarto de jogador, etc.

Do gol: quando a bola que estava em jogo entrar inteira no gol, se ninguém tiver feito uma merda que anule o lance (estar em impedimento, fazer uma falta fora do lance, etc.), o gol é válido. Se o autor da merda for do time defensor, dá-se a “Lei da vantagem”, validando o gol, pois o infrator não pode se beneficiar da infração cometida. Às vezes o jogador fez uma merda, sabe que a fez, mas faz um teatrinho para jogar a torcida contra o juiz, dizendo que não fez nada de errado, dando faniquitos e todas essas coisas vexatórias que fazem parte da malandragem futebolística e das relações extraconjugais.

Do impedimento: se você estiver no ataque, só pode participar da jogada se no momento do passe de um jogador da sua equipe a bola vier de mais perto da linha de fundo do que você estava OU se tiver pelo menos dois jogadores do outro time tão ou menos distantes da linha de fundo que você; caso isso não ocorra, você estará impedido de participar do lance; essa é a regra mais complicada de avaliar e boa parte do trabalho do bandeirinha, assim como dos intermináveis programas de conversa fiada desportiva, versa sobre impedimentos. Se você quiser saber se o seu namorado lhe ama de verdade, peça para ele lhe explicar o que é impedimento bem no meio do jogo.

Das faltas e condutas irregulares: é falta quando você bater (em), empurrar, puxar ou morder um jogador do outro time e o adversário pode chutar direto pro gol, se quiser (papo técnico: tiro livre direto); é conduta irregular quando você for mal educado com o coleguinha (cuspir, xingar, passar a mão na bunda, ou enrolar para o jogo não ser recomeçado, entre outras coisas), mas o adversário não pode chutar direto pro gol, então só vale gol se ela bater em alguém, voluntária ou involuntariamente, antes de entrar (papo técnico: tiro livre indireto). Grande parte da malandragem do jogo vem justamente de burlar as regras, como ocorre na malandragem da vida real. Com o avanço do fair-play (o politicamente correto aplicado ao futebol) e do número de câmeras na filmagem, o bullying futebolístico, parte tradicional da “guerra” em campo, vai se tornar algo banido, vide a demonização da mordida do Suarez, a criminalização das ofensas em campo, etc. Hormônios femininos na água (2). Tirar a camisa na comemoração do gol é considerada conduta antidesportiva, mas dançar o lepo-lepo não é. O brega-pop venceu.

Do pênalti: se fizerem falta em você dentro da área do adversário, é pênalti; se for conduta antidesportiva, é tiro livre indireto; existem regras para a cobrança do pênalti valer, mas aí já é um negócio mais esotérico, para iniciados, e não estou com saco de explicar aqui (fica para os comentários).

Das punições: se o jogador fizer uma falta ou tiver conduta antidesportiva, poderá ser punido com advertência, cartão amarelo ou cartão vermelho, dependendo da gravidade da bobagem que fez; se receber cartão vermelho, estará fora daquele jogo (e de outros, dependendo do regulamento do torneio em questão – a “jornada”, lembra?). Se receber dois cartões amarelos no mesmo jogo, somados eles originam um vermelho. Não é preciso passar pelo ciclo advertência/ amarelo/ vermelho, se você meter uma porrada no meio das fuças de alguém ou mijar no juiz, por exemplo, poderá ser expulso sem mais. Eu acho que jogador com “cabelinho brega-pop” ou chuteira fluorescente deveria ganhar cartão amarelo já na entrada em campo por atentado violento à estética, mas sou voto vencido.

Da reposição da bola em campo: quando a bola sai pelo lado do campo, verifica-se quem tocou nela por último e um jogador do outro time a repõe em jogo com as duas mãos, jogando-a por cima da cabeça. Quando a bola sai pelo fundo do campo, verifica-se quem tocou nela por último; se for um jogador do time que está defendendo daquele lado, é escanteio e um jogador do outro time a repõe em jogo com o pé, chutando a bola colocada dentro do espaço do corner; se for um do time que está atacando, é tiro de meta e um jogador do time defensor a repõe em jogo com o pé, chutando-a de dentro da pequena área.

Da mão: os jogadores (exceto pelo goleiro dentro da área ou por jogador fazendo reposição em lateral) poderão tocar a bola com qualquer parte do corpo, exceto os braços, antebraços e mãos (que são chamados de “mão”, para efeitos práticos). Quando a bola bate na “mão” colada ao corpo, de modo involuntário, sem intenção de alterar a trajetória da bola, não há infração. Quando o atacante é baixinho e usa o punho por não alcançar a bola, simulando uma cabeçada e fazendo o gol, tem-se uma conduta antidesportiva, deve-se anular o gol e marcar tiro livre indireto para o defensor, seguido de cartão amarelo para o infrator. Ou então se diz que foi “a mão de Deus”, o time passa para a semifinal e a vida segue.

Então a coisa é assim: dentro das regras acima, há dois bandos de marmanjos, cada qual tentando enfiar algo (a bola) no lugar (gol) do outro e não deixar que a recíproca seja verdadeira. Bem parecido com a realidade de outras profissões, trocados os algos, os lugares e o número de marmanjos. Lembra a guerra, a caça e o sexo, tudo jogado dentro do liquidificador e peneirado.

Prorrogação, disputa de pênaltis, suspensão nos jogos seguintes, critérios de desempate, tudo isto faz parte do regulamento do campeonato e não das regras do jogo. O campeonato Brasileiro tem um, a Copa do Brasil tem outro, e cada um tem sua lógica de funcionamento, desde que não venha a infringir as regras do jogo. Como escolher as personagens e mudar seus atributos (força, inteligência, habilidades, etc.) fica para uma outra postagem, se os impopulares e as impopularas manifestarem interesse. That’s all, folks.

J. M. de S.


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