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Des Contos: Ozon – Parte 9

| Somir | | 1 comentário em Des Contos: Ozon – Parte 9

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Sob a sombra matinal do maior edifício do planeta Eeva, Heitor apequena-se. Não só pela construção superlativa, mas pelo prospecto de enfrentar uma enormidade de candidatos na disputa pela rara oportunidade de gerenciar a já mítica Mina Ozon-C Alfa. Uma fila de centenas de pessoas serpenteia pelos jardins à frente da sede da Hyacintho, megacorporação do setor de exploração espacial cujas filiais espalham-se por todo o universo conhecido.

Mas pouco há de ambiente corporativo na comoção causada por esta vaga de emprego. A esmagadora maioria dos candidatos presentes ali estaria mais à vontade numa convenção cosmotérica. Alguns cantam músicas sobre existências paralelas e povos esquecidos, alguns dão as mãos e dançam alegremente, outros ainda parecem mais entretidos com doses de expansores sensoriais do que com o andamento da fila.

Logo a frente de Heitor, um deles. Cabelos longos, bata colorida e adereços rústicos chacoalhando por seus braços vaguejantes. O vão livre na fila à sua frente aumenta, sem gerar reação por parte do homem. Heitor faz menção de tocar o ombro do distraído concorrente, mas vacila. Mais alguns segundos, maior o espaço desocupado. Heitor balbucia alguma coisa, ininteligível.

VOZ FEMININA: Irmão! Irmão! Siga seu caminho!

O homem volta-se para Heitor. Heitor trava por alguns segundos, como se estivesse pensando em algo para dizer. Sente então um toque sobre seu ombro direito. Ao olhar para aquela direção, vê surgir por detrás de si uma jovem de cabelos vermelhos e olhos verdes, compleição delicada e sorriso fácil. Vestida de forma semelhante a tantas outras que dançam despreocupadas pelos arredores, ela se diferencia pela sobriedade de seu olhar.

MULHER: Nossos sonhos dependem dos seus passos, irmão.

A voz dela é suave, adocicada. O homem sorri, faz uma reverência e finalmente se move, religando a fila. Heitor arregala os olhos em direção a ela, num daqueles momentos de confidência não-verbal que só companheiros de fila entendem. Ela ilumina-se instantaneamente com um largo sorriso. Heitor pensa em dizer alguma coisa, mas ela interrompe o momento apontando para o novo vão criado, agora por culpa de Heitor. Ele se apressa.

MULHER: Lua!
HEITOR: Pois não?
MULHER: Meu nome é Lua.
HEITOR: Heitor… Lua?
LUA: Eu sei, eu sei… se você acha que eu tenho cara de cosmotérica, precisa conhecer os meus pais!
HEITOR: O nome é muito bonito.
LUA: Obrigada! Me diz uma coisa, Heitor… você parece um candidato mais… sério… do que a maioria dos… de nós. Por que você quer ir para Ozon?
HEITOR: O pagamento é bom, vai ter uma cabine de manutenção fisiológica… Parece um bom negócio.
LUA: Vinte anos?
HEITOR: Vinte anos aqui, vinte anos lá… aposto que daria no mesmo.
LUA: E namorada, amigos, família?
HEITOR: Não tenho namorada…
LUA: Isso foi uma indireta?
HEITOR: Não… não…
LUA: Hahaha… estou brincando. Mas e família e amigos?
HEITOR: Tenho certeza que eles podem viver sem mim. Não seria novidade para eles mesmo.
LUA: Você é um desafio para o meu bom-humor, Heitor.
HEITOR: E o time só aumenta…
LUA: Hahaha! Eu quero descobrir os segredos de Ozon. Saber o que a Tempestade guarda!
HEITOR: Uma estrela moribunda, gelo e plutônio?
LUA: Não! A Tempestade está lá por um motivo… meus pais acreditavam nisso. Cresci ouvindo falar de Ozon. De como tudo aquilo já esteve cheio de vida. Dizem que são lendas… mas quem não ama lendas? Eu sei que não tenho muita chance de conseguir, mas…
HEITOR: Todo mundo tem chance. Por isso estão entrevistando os candidatos.
LUA: Eu sou um pouco mais esperta do que isso… mas agradeço o voto de confiança.
HEITOR: Não acho que eu vá ser escolhido, para ser honesto.
LUA: Não vejo porque não. Pouca gente quer ir para lá de verdade.
HEITOR: Pajear máquinas por duas décadas não parece mesmo o tipo de trabalho que atrairia tantos candidatos…
LUA: Mas nos atraiu. Essas máquinas todas só existem porque nós existimos. Somos o que dá propósito para elas. Não importa o que elas nos digam…
HEITOR: Como assim?
LUA: Olha…

Lua aponta para cima, chamando a atenção de Heitor. Um moderníssimo sentinela anti-gravitacional vem rasgando os céus por sobre a multidão. Recebido com gritos e assovios por uma plateia entusiasmada, o compacto autômato em forma de disco desacelera repentinamente sobre Heitor e Lua.

LUA: Acharam você.
HEITOR: O quê?
SENTINELA: Zordo, Heitor. Zordo, Heitor. Favor me seguir.
HEITOR: Mas…
LUA: Vai logo! Os candidatos com chance de verdade não ficam nessa fila. Essa coisa voadora já veio buscar outros antes.
HEITOR: E você?
LUA: Eu já fiz o que tinha que fazer aqui. Boa sorte!

Lua dá um demorado beijo na bochecha de Heitor, enxotando-o com as mãos logo a seguir. Heitor olha para ela por alguns segundos, e segue lentamente até o sentinela. A máquina começa a se mover, Heitor em seu encalço. Antes de adentrar o enorme saguão do edifício, Heitor volta-se para onde estava Lua. Nem sinal dela.

As horas seguintes são recheadas de checagens, análises psicológicas, físicas e provas de conhecimento mnemônico orgânico. As cores em profusão na multidão lá foram condensam-se em tons de cinza dentro das inúmeras salas de espera, consultórios e escritórios pontuando os interiores da sede da Hyacintho. Heitor segue até tarde da noite, avançando com sobras pelo processo seletivo. Com diversos cursos específicos e conhecimentos relacionados com o trabalho no currículo, Heitor parecia ter sido feito para o trabalho. A insegurança inicial parecia infundada agora.

A confirmação de sua seleção vem com um aperto de mão de uma executiva cujo nome mal se lembraria mais tarde, fruto misto de empolgação e ansiedade com o que viria pela frente. Ele seguiria o processo de treinamento pelo próximo ano, e logo após, juntar-se-ia a um seleto grupo de gerentes da mais inóspita operação humana no universo conhecido.

Enviado para casa para uma merecida noite de sono, Heitor gasta várias dessas horas de descanso arrumando seus parcos pertences numa modesta cabine habitacional que provavelmente nunca mais veria. Coração palpitante, rolava pela cama, sonhando ainda acordado com tudo o que faria nos próximos meses de treinamento e anos de missão.

Antes do corpo finalmente sucumbir ao cansaço, Lua toma de assalto seus pensamentos. Os expressivos olhos verdes, o sorriso contagiante… Heitor não tinha mais espaço em sua vida para arroubos de romantismo; mas mesmo desconsiderada sua beleza, ainda sim havia algo nela que parecia não o deixar.

LUA: Heitor?

Heitor abre os olhos assustado e se encolhe na cama. As luzes do cômodo acendem-se automaticamente com o movimento brusco. Heitor continuava sozinho ali, apesar da voz de Lua ter soado extremamente real. Enquanto ainda tenta fazer algum senso do acontecido, a mesma voz suave de outrora parece sussurrar em seus ouvidos.

LUA: Eu vou esperar por você do outro lado.

Sem ter um corpo presente para atribuir a voz, Heitor paralisa-se. Fecha os olhos com força e começa a repetir para si mesmo que estava apenas tendo uma crise de estresse. O silêncio ao seu redor parece corroborar com a ideia. Juntando coragem para retomar a visão, percebe os primeiros raios da alvorada atravessando a janela de sua cabine. Várias horas deveriam ter se passado, atribuindo credibilidade à possibilidade de ter sido apenas um sonho estranho. Mesmo cansado, Heitor levanta-se e começa a se preparar para sair, seu primeiro compromisso na jornada até Ozon seria em poucas horas, o começo do treinamento já na estação espacial Eeva Primer.

Depois de um preguiçoso banho e um improvisado café-da-manhã, Heitor finalmente se vestira. A vantagem de ter tão poucas possessões era a facilidade de carregar tudo em uma pequena mala, a qual segura firmemente enquanto encara a porta. Estava na hora. Um suspiro antecede a liberação da trava.

Um flash de luz branca sucede. Alguns segundos depois, o estrondo. O rugido abafado transforma-se em trepidar. A janela explode em milhões de pedaços, fruto de uma onda de choque que faz o chão sob seus pés estremecer. Arremessado contra uma das paredes que já começa a trincar, Heitor perde a consciência antes mesmo do pânico se instaurar.

As pernas mandam sinais para o cérebro. Dor. O ar polui seus pulmões com detritos em suspensão, a pele quente e sensível como se tivesse acabado de passar tempo demais sob o Hel. Heitor tosse violentamente, toda sua existência ressurgindo num espasmo dolorido. O cheiro de queimado instaura-se em sua mente antes mesmo do céu acinzentado chamar a atenção de seus olhos. A audição comprometida por um zumbido intermitente. Ao redor, escombros. Escombros até onde a vista alcança.

A dor exige atenção iminente. Por sobre suas pernas, um pesado bloco de concreto reforçado. Instintivamente, berra por socorro. Seguidas e seguidas vezes, tentando em vão mover o pedregulho que o prende. Quando finalmente começa a escutar a própria voz, percebe que não é a única. Outras vozes em desespero e lamento preenchem o ar. Vultos no limite de sua visão o faz notar sentinelas cruzando os céus.

Acenando para uma delas, percebe que se trata de um modelo antiquado, parecido com os que vira em museus militares. A peça histórica parece fazer seu papel, estabilizando seu vôo por sobre a cabeça de Heitor, como se marcasse a posição. Suas pernas já começavam a ficar dormentes quando finalmente ouve algo reconfortante.

VOZ MASCULINA: SOBREVIVENTE!
HEITOR: AQUI! SOCORRO! SOCORRO!

Impossibilitado de se movimentar, Heitor tem de esperar até o dono da voz entrar em seu campo de visão. Vestindo um uniforme claramente militar adornado por uma cruz vermelha no peito, o homem está segurando um rifle. Rifle que logo deixa de lado para atender Heitor.

HOMEM: Calma, amigo. A ajuda chegou! EEEI! CICATRIZ! DOZE! VENHAM ME AJUDAR!

Continua na parte 10

Para dizer que é muita coisa para ninguém ler, para dizer que a história não avança, ou mesmo para dizer que isso está com cara de ter final cagado: somir@desfavor.com


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