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Publiciotários: Pérola negra.

| Somir | | 80 comentários em Publiciotários: Pérola negra.

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A revista americana People fez mais uma de suas edições inúteis sobre algo relativamente desimportante como beleza. E ainda naquele estúpido formato de lista. Revista de fofoca falando de celebridades de forma palatável para os descerebrados que formam seu público alvo… Próximo! Opa… peraí, quem ganhou dessa vez foi uma mulher negra? Nhé, continua sendo a mesma merda fútil de sempre. E esse foi o resumo do meu texto. Pode comentar agora fingindo que leu.

E só para explicar que o título da coluna não é mero chavão: Pérola negra é toda pérola que não é… branca. Não importa a cor, se for diferente de branca, é negra. E antes da “industrialização” do mercado de pérolas, as pérolas negras eram incrivelmente raras. As ostras que produziam as pérolas brancas raramente geravam uma de cor diferente, e as que sempre produziam pérolas coloridas dificilmente geravam pérolas para começo de conversa.

Como de costume numa sociedade baseada em oferta e demanda, raridade valoriza praticamente qualquer coisa. Como também de costume, a capacidade elevada de produção acaba derrubando o preço (e a China se torna a maior produtora). Pérolas negras ainda mantém um certo status nos dias atuais, mas nada próximo da fama de outrora. No fundo no fundo todas as pérolas são mais ou menos a mesma coisa com pequenas variações na hora da produção.

O mercado da aspiração não anda muito longe do das pérolas. Durante muito tempo o padrão de beleza foi majoritariamente branco, com algumas pérolas negras surgindo de tempos em tempos. E exatamente da mesma forma que as pérolas, bastava não ser branca para entrar em outra categoria. As pérolas negras humanas acabavam caindo na categoria de “beleza exótica”. É branca e bonita? Tem beleza. Não é branca e é bonita? Tem beleza exótica!

Considerando a prevalência de brancos em relação a outras etnias nesse mundo, exótico mesmo é ter pele de porcelana e olhos azulados. Mas o mercado realmente lucrativo por décadas e décadas era o de pessoas que se identificavam fisicamente com seus expoentes de beleza, as pérolas brancas. Exótico é quem paga menos.

Evoluímos. Não o suficiente para alcançar justiça social, mas pelo menos para dar um pouco mais de atenção às perolas de outras cores. E se tem uma coisa que a indústria do entretenimento/publicidade (SPOILER: São a mesma indústria: a indústria da aspiração) sabe fazer com maestria é aproveitar ideias lucrativas. Tem mais dinheiro nas mãos de não-brancos, estava na hora de desenvolver melhor a produção de outras cores de pérolas.

E no mundinho fantástico da indústria da aspiração, seguramente isolado do mundo real, esses novos produtos entraram de vez no catálogo. A raridade das pérolas negras começa a diminuir, dia após dia. Mas muitos de nós ainda não entendemos as implicações disso. Ou sequer que isso está acontecendo. Assim como se produzia modelos de beleza brancos, começa-se a produzir na mesma escala industrial modelos de beleza “exótica”.

Sei que as vezes meus caminhos até o argumento central podem ficar confusos, por isso lembre-se do primeiro parágrafo para saber aonde eu quero chegar. É muito bom que mulheres como Lupita Nyong’o, negra da gema (afro-alguma coisa todo mundo é… se quiserem outro termo que não “negro” ou “negra” que sugiram algo mais lógico), ganhem tanto destaque como modelos de beleza. No texto onde fui chamado de racista para baixo sobre minha preferência por mulheres brancas, eu também disse que uma das maiores sacanagens que a indústria da aspiração fez foi convencer gerações e gerações de homens e mulheres que eles eram naturalmente menos atraentes se não fossem brancos.

Ótimo, Lupita estampou a capa da revista e ganhou o prêmio imaginário de mulher mais atraente do mundo. Provavelmente vai fazer bem para a auto-estima de várias meninas e mulheres negras pelo mundo afora. Honestamente, eu sou um dos que acha que ela é mesmo muito bonita, mesmo toda cagada e estourada como está no filme que a lançou ao estrelato. Não, sério. Vou concluir o texto da forma que vou concluir mesmo não achando que foi favor algum colocá-la na lista. Na verdade foda-se se você acha que ela é bonita ou não, é uma lista imbecil de uma revista de fofoca! Se eu não dou a mínima para o que escrevem na Caras, não vai ser a People que vai merecer essa atenção.

Vi vários comentários imbecis relativizando a escolha dela como vencedora. Oras, até mesmo em tempo de exclusividade de pérolas brancas não havia consenso. Se por questões evolutivas acabamos concordando o suficiente na escolha do que configura uma pessoa bonita, elencá-las passa longe de ser uma ciência. Concursos de Miss e coisas do tipo são basicamente um uni-duni-tê glorificado. Tem que escolher alguém para ficar em primeiro, mesmo que na vida real não exista nenhuma grande diferença.

Lupita ganhou a eleição por ser uma pérola negra natural. E isso não é tão forçação de barra como muitos estão dizendo: tem que escolher alguém. Num universo de escolhas repetitivas, é sempre um alento conseguir apontar ALGUMA coisa diferente na hora de tomar a decisão. Eu também votaria nela… acho bonita e é uma escolha fácil. Se vai por alguém em evidência, que ponha alguém que vai aproveitar melhor os louros da vitória.

Mas não podemos esquecer de uma coisa: no mercado da aspiração o valor é puramente especulativo. É um mundo de fantasia focado em vender imagens e ideias idealizadas do que deveríamos querer consumir. As vitórias sociais ali não costumam ter grande impacto na vida real. A publicidade já integrou a sociedade numa grande família de comercial de margarina há alguns anos. O mundo não segue a mesma lógica.

Uma mulher negra que não lembra as feições de uma branca ganhando o título de mulher mais bonita só te leva até certo ponto. Reconhecimento de uma das áreas mais fúteis de todas as atividades humanas tem a profundidade ideológica de um pires. Até porque é muito mais barato para quem gerencia esse mercado encomendar suas pérolas negras de fábricas do que sair procurando por elas na natureza. Boa parte das últimas celebridades brancas de grande destaque na indústria do entretenimento foram feitas em laboratório, desde a infância em tubos de ensaio midiático; calculadamente alheias ao funcionamento da vida aqui fora para nossa diversão.

Mercado para pérolas negras tem. O que vocês acham que vai acontecer? Integração ou industrialização? Quando o assunto é fofoca e celebridade, a humanidade só perde. Boa sorte para a Lupita, nada contra ela… ela nem pediu para ganhar o prêmio. Mas o acontecido tem que ter a gravidade que merece: basicamente nenhuma. Gente cuja aspiração é sair numa capa de revista como celebridade mais bonita do mundo não faria nenhuma diferença para o mundo para começo de conversa.

Se fosse uma pessoa negra ganhando o Nobel, aí sim as coisas mudariam de figura. Isso é inclusão. Os 15 que já ganharam a honraria (14 porque o do Obama foi por não ser o Bush e só isso mesmo) fizeram diferença no mundo real. Que o mundo acolha suas pérolas de todas as cores que vierem sem preconceito, mas que se separe MUITO BEM uma indústria vazia como a da aspiração de outras áreas realmente importantes para o desenvolvimento da humanidade.

A questão racial levantada no prêmio de Lupita é tão artificial quanto Hollywood. Se formos prestar mais atenção, o sucesso dela veio de interpretar uma escrava… nesse mundinho dão com uma mão para tirar com a outra. Você pode até achar que ela nem bonita é, mas foda-se: é o tipo de eleição que não vale porra nenhuma e muda muito pouco a vida de algumas pessoas. É só mais um assunto para vender mídia.

Vale o texto então? Oras, não sou esquizofrênico o suficiente para chegar neste parágrafo e concluir que não. Mas se você ainda carece de um motivo, uma das coisas mais importantes de se entender sobre a indústria da aspiração (a que te convence que você precisa ter para ser) é que ela nunca está te dizendo por vontade própria algo que te ensine a gostar mais de si mesmo. Nunca. Não é nem uma maldade de vilão de filme, é que isso não vende. Quem está feliz com o que tem não consome.

Duvide de tudo o que “desce” deles para você. Acharam o mercado da vaidade das pérolas negras e vão cair matando nisso, cada vez mais. Precisa-se de modelos de beleza das mais variadas etnias para incentivar a insegurança desse universo cada vez maiores de clientes potenciais. Se por um lado incentiva auto-estima de pessoas que se identificam com a aparência dessas celebridades, por outro cria um padrão no qual se encaixar.

O ataque à beleza natural de homens e mulheres não brancos era feito por amadores estúpidos e danos colaterais da indústria da beleza para brancos até pouco tempo atrás. Temam, e temam muito, porque agora chegaram os profissionais. Não existe ponto sem nó nesse mercado. Ressaltar a futilidade galopante até mesmo no caso de Lupita não é fazer pouco de suas conquistas, é deixar bem clara a irrelevância intelectual de tudo o que a People e Hollywood em geral representam. É um embuste porque quem fez a escolha é um embuste, e não pela moça que acabou premiada.

E eu sei que muita gente vai querer opinar também sobre a beleza de Lupita, mas por favor comecem qualquer comentário do tipo com “eu sei que é irrelevante, mas…”. Não porque eu quero ser chato e elitista, mas porque eu não quero que os terroristas vençam…

Para dizer que ainda me acha racista por aquele texto, para dizer que ainda sim achou o texto inútil, ou mesmo para ser a Sally e me xingar até a quinta geração porque queria que esse fosse o Desfavor da Semana: somir@desfavor.com


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