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Flertando com o desastre: Somos todos macacos.

| Sally | | 161 comentários em Flertando com o desastre: Somos todos macacos.

Se você está ciente do episódio “Somos Todos Macacos” pule para o parágrafo seguinte. Se não, aqui vai um resumo: um jogador de futebol brasileiro chamado Daniel Alves, que joga no time espanhol Barcelona, jogava uma partida do Campeonato Espanhol. Quando foi bater um escanteio, torcedores do time rival atiraram uma banana em campo, em uma alusão racista. Daniel Alves calmamente pegou a banana, descascou, comeu e continuou jogando como se nada, sem se abalar. Simplesmente brilhante: não deu a menor importância a um gesto babaca. Porém todo o desprezo genial de Daniel Alves foi estragado por celebridades que usaram redes sociais para tirar fotos segurando bananas com os dizeres “Somos Todos Macacos”. Começou com Neymar e logo se espalhou.

Ao entupir redes sociais com fotos segurando bananas e legenda “Somos Todos Macacos”, as celebridades foram imediatamente copiadas por milhões de pessoas, que fizeram o mesmo. Com isso, um velho erro se repetiu: dar importância a algo que merece ser desprezado. Alimentaram algo que não merece holofote. Estragaram a atitude louvável de Daniel Alves, um desprezo chique, irônico, sutil porém cheio de conteúdo. Sinceramente, eu duvido muito que tenha sido com boa vontade, foi, como sempre, por motivos egoísticos.

Me pareceu um mix de vontade de aparecer (tá todo mundo lindo, maquiado, no seu melhor ângulo segurando a banana), somado à vontade de parecer bacana, legal, não-racista e para fechar, aquele maldito complexo de vira-lata sobre o qual a gente sempre fala: não conseguem ficar calados, ter uma postura superior. Dói demais, dói de verdade ser chamado de macaco, porque no fundo o racismo está dentro deles. Não admitem que alguém no mundo desmereça um brasileiro, apesar do brasileiro desmerecer diversos outros povos e etnias.

E não me refiro ao Jocleverson do Morro do Rato Molhado ou ao Marclêison cantor de funk ostentação. Luciano Huck e Angélica, branquinhos e loirinhos posaram com banana na mão e a legenda “Somos Todos Macacos”. Vários famosos o fizeram achando que estavam dando “apoio” a Daniel Alves. Não, muito pelo contrário, desmereceram uma atitude acertada que ele teve. Não sei de onde essa gente depreendeu que o fato de Daniel Alves pegar aquela banana e comer foi uma forma de bater no peito e se orgulhar de ser macaco. Foi um desprezo, foi um “vocês são tão desimportantes que nem vou dar bola”. Mas daí vem a nação twiteira e dá todo o ibope do mundo para esses babacas.

Eu fico me perguntando se as pessoas que planejaram atirar essa banana não ficaram especialmente orgulhosas de terem conseguido causar um escândalo, uma mobilização, um evento dessa magnitude. Se eu fizesse algo deliberadamente para incomodar, para criar polêmica e a coisa repercutisse por um país inteiro, eu me sentiria muito feliz e orgulhosa da minha competência. Quanto mais se repercute, mais se aumenta o tamanho do feito dessas pessoas. Se ficasse apenas no Daniel Alves comendo a banana, teria sido uma vergonha para eles, um fracasso, um vexame.

Fora o fato de que sair ostentando que “Somos Todos Macacos” não ajuda em nada a causa racista. Tem que decidir qual vai ser: vão ostentar somos todos macacos? Beleza. Então se eu chamar alguém de macaco na rua, nada de escândalo, nada de polícia, nada de processo, ok? Ou só são macacos no Twitter, como pretexto para divulgar mais uma foto sua, como pretexto para posar de bonzinhos? Por favor me informem, por uma questão de coerência, se somos todos macacos full time ou não.

Mais um detalhe: preconceito é sempre ruim, sempre nojento e sempre deve ser combatido. Mesmo quem não é negro postou que “Somos Todos Macacos”. Ok. Gostaria de saber porque quando o jogador Richarlyson foi hostilizado sucessivas vezes por ser gay todo mundo não postou “Somos Todos Gays”. Porque a defesa é seletiva? Porque o torcedor brasileiro e até mesmo apresentado da Globo via Twitter pode hostilizar jogadores de fora (precisa ver os adjetivos destinados aos jogadores argentinos…) mas fica indignado quando a torcida de fora hostiliza os brasileiros?

Para quem não sabe, o torcedor que jogou a banana foi identificado e BANIDO PARA SEMPRE dos estádios. Se isso ocorresse no Brasil, o que teria acontecido? NADA. Provavelmente na Copa do Mundo não vai ter jogador de outro país sendo hostilizado e não vai dar em nada. Porque brasileiro pode falar mal dos outros (argentino filho da puta, português burro, japonês pau pequeno), mas não se pode falar mal dele, porque aí é racismo, é ofensa grave, é motivo para processo, enquanto, esquizofrenicamente, se dizem macacos com orgulho em rede social.

Mas talvez a pior parte seja que ninguém PERCEBEU nada disso que estou falando. Porque se percebesse e discordasse, eu acharia lindo. Mas não, ninguém refletiu, ninguém formulou um juízo de valor. Brasileiros são macacos mesmo: macacos de imitação. Viram a primeira foto de um famoso segurando uma banana com a legenda “Somos Todos Macacos” e tiveram aquela epilepsia da fama, aquele comichão no ego: correram para tirar a sua também, afinal, foda-se a causa, se é socialmente bem visto a pessoa entrar sem refletir. O importante é ficar bem no seu grupo, por mais ridícula e contraditória que seja a campanha.

Isso ficou muito claro nas redes sociais. Pessoas que ostentavam a foto com banana e a legenda “Somos Todos Macacos” mais para frente, quando chamadas para debater, escreveram coisas como “Não sou racista, ATÉ tenho um amigo negro” ou “é um negro de alma branca”. Isso mostra quão vazias essas campanhas de rede social são. Contra o racismo? TODO MUNDO, até mesmo os racistas vão se dizer contra o racismo, porque hoje é socialmente inaceitável ser racista. Então, fica um discurso vazio. Melhor provar com atos, porque eu desconfio de quem fica ostentando, levantando bandeiras para “inglês ver”.

Alguém acha que vai se combater racismo tirando uma foto com uma banana e se denominando macaco? O que vai acontecer, e de fato está acontecendo, é virar motivo de chacota internacional. Espero que saibam que daqui para frente se forem chamados de macacos, perderam o direito de se ofender e reclamar. Infelizmente estenderam esse fardo para todos os brasileiros, mesmo aqueles que tem consciência do absurdo que é combater racismo se chamando de macaco e dando tamanha importância a uma babaquice que deveria ser desprezada com classe. Muito fácil se dizer macaco quando se é branquinho. Eu queria ver se a piada fosse com judeus, se tivessem jogado um cinzeiro em um jogador judeu, por exemplo, se Luciano Huck estaria postando uma frase reafirmando o Holocausto como suposta forma de combatê-lo.

Quem já foi chamado de macaco de forma agressiva, preconceituosa, maldosa e se ofendeu não deve achar a menor graça nessa história de “Somos Todos Macacos”. Aliás, com que direito falam por todos os brasileiros? Quem passou procuração para essa gente? Seria mais adequado dizer “EU sou um macaco”. Vai desculpar, eu não sou macaco, não acho que ninguém seja e não acho que racismo se combata reforçando esse tipo de afirmativa. Seria como assistir um obeso sendo chamado de “rolha de poço” e correr para tirar uma foto segurando uma rolha com a hashtag “Somos Todos Rolhas de Poço”. Não, gente, não! Não faz o menor sentido!

Muito medo disso que aconteceu, nem tanto pelo fato em si, mas como sintoma: os formadores de opinião em redes sociais são pessoas que querem apenas se vender, se promover, despreparadas, sem conhecimento sobre aquilo que falam e ainda assim falam com grandes certezas. Muitas nem ao menos percebem o desserviço que estão prestando. E o povo repete, feito um papagaio retardado, porque afinal, se Fulano falou, é legal. Se passou pelo aval do Fulano Famoso, pode repetir sem medo, porque vai ser bem visto.

É um tal de ator que nunca saiu do seu condomínio de luxo querer emular sensibilidade social defendendo coisas que o próprio pobre não quer (por exemplo, defendendo UPP como se fosse algo bom para a população – passe um dia em uma comunidade com UPP e veja o quanto piorou e o quanto a população NÃO QUER), é um tal de auto-promoção velada travestida de causa nobre, tem todo tipo de besteira. E ninguém reflete sobre.

Durante muito tempo se disse que a culpa da alienação e escolhas erradas do povo era da Globo. Bem, agora temos formadores de opinião mais poderosos do que a Globo: as redes sociais. E o brasileiro ainda continua um maria vai com as outras, seguindo os tipos mais idiotas disponíveis. O problema não é a Globo, é o povo. Enquanto tiver qualquer pseudo-ídolo para seguir do qual possa copiar uma opinião, esse povo bunda não vai se dar ao trabalho de pensar e questionar.

O que vale mais hoje não é O QUE é dito e sim QUEM disse. Se Fulano disse, deve ser bom, vamos repetir sem pensar. Se eu tivesse dito aqui, no Desfavor, uma semana atrás, que SOMOS TODOS MACACOS e esse texto fosse parar no Twitter, quantos milhões de xingamentos eu teria recebido? Muitos. Muitos mesmo. Mas se o Luciano Huck diz, todo mundo abraça a causa, acha uma iniciativa bacana e repete. Quando foi que paramos de analisar os argumentos, o mérito do que estava sendo dito e passamos a analistar apenas o interlocutor? É por essas e outras que uma pessoa que cometeu erros muito graves como o Lula continua em alta.

Talvez seja hora de parar de chamar brasileiro de macaco, acho injusto com os símios, que já se mostraram capazes de cognição e raciocínio. Talvez seja hora de começar a chamá-los de Papagaios, porque repetem tudo que escutam sem pensar. Papagaitos. Para merecerem ser chamados de macacos terão que apresentar um mínimo de inteligência, até lá, para mim, serão Papagaitos ou Amebitas. E continuarão sim sendo motivo de chacota internacional, os eternos HUES, pois rede social alastra em uma velocidade impressionante o cheiro da merda que essas pessoas falam.

Fechando com chave de merda, apareceu quem diga que na verdade esse gesto de comoção foi arquitetado por uma agência publicitária, salvo engano chamada “Loducca”, que teria confirmado uma parceria com Neymar para criar esse… slogan. Ou seja, todos os bonzinhos, não-racistas e bem aventurados estavam, na verdade, atuando em uma campanha publicitária, diga-se de passagem, muito da escrota: Neymar, Xuxa, Ivete Sangalo, Angélica, Luciano Huck e tantos outros podem ter trabalhado DE GRAÇA, sem cachê para essa “campanha”. Parabéns, além de sem discernimento, otários.

A Daniel Alves, meus parabéns pela atitude, e pela declaração dizendo que “tem que rir dessas pessoas”. A todo o resto que postou fotinho com banana se sentindo no direito de falar pelo país todo, recomendo um transplante de cérebro. E a quem ousar nos acusar de contradição, gostaria de lembrar que o que aconteceu com Daniel Alves não foi nada ligado a HUMOR, foi um ataque que em nada se relaciona com piada.

Enfim, é isso. Chegamos a um ponto onde um jogador de futebol teve uma atitude digna, acertada, inteligente, enquanto que os supostos intelectuais, estudados e cultos tiveram uma atitude vergonhosa que botou tudo a perder. O Brasil está realmente muito mal.

Adendo: Luciano Huck está vendendo por R$70,00 camisetas com banana e a maldita frase estampados. Camisetas que já estavam prontas. Foi jogada ensaiada mesmo: uma agência criou uma campanha com frase de efeito em conjunto com Huck e Neymar e Huck já tinha as camisetas prontinhas no estoque porque sabia que ia ter otário aderindo. Parabéns a todos os envolvidos, continuem dando ibope para esse babaca todo sábado.

Para dizer que somos todos antas, para dizer que agora que virou moda vai ser esperto e jogar uma banana envenenada para o Neymar comer ou ainda para sugerir que a FIFA espalhe cartazes de “não alimente os animais” nos estádios: sally@desfavor.com


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