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Ele disse, ela disse: Programados?

| Desfavor | | 64 comentários em Ele disse, ela disse: Programados?

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É notório o abismal nível intelectual da TV aberta brasileira. Sally e Somir concordam com isso. É notório também o abismal nível intelectual do brasileiro médio. Novamente, ambos concordam. Mas quando surge uma proposta (maluca) para resolver os dois problemas numa tacada só, os dois sintonizam canais bem diferentes… Os impopulares fazem mais do que só prover audiência.

Tema de hoje: Se a TV aberta fosse obrigada a exibir programação exclusivamente cultural, o nível intelectual do brasileiro melhoraria?

SOMIR

Sim. Não estou nem contando com a possibilidade disso um dia acontecer, mas apenas pelo exercício argumentativo não consigo acreditar que não teríamos um ganho considerável na bagagem cultural de quem se contenta assistindo novelas e reality shows. Acompanhem-me aqui: prever o que vai acontecer num caso complexo desses não é só pegar o que se entende do mundo agora e aplicar como se tudo fosse permanecer da mesma forma. A cada passo da previsão, você tem que ir levando em conta o que previu antes e tratar isso como seu novo “agora”. Eu sei, eu sei, complicado. Mas este texto vai ser basicamente um exemplo prático dessa ideia.

Acredito que funcionaria pelo que entendo do brasileiro agora e pelo o que provavelmente vai ser a nova realidade depois da hipótese levantada no enunciado da coluna de hoje. Natural desconfiar muito desse povo que vota no Lula, mas é um erro grave achar que permanência é uma palavra que se aplica à humanidade nessas e nas próximas gerações.

Agora a TV aberta é um meio de comunicação de massa para as massas. Pudera, tendo o aparelho para receber ela é totalmente grátis, o tempo todo. Muito cuidado com o argumento “que comam brioches” que pode estar pipocando na sua cabeça neste exato momento: TV à cabo, internet, cinema, teatro e similares não são sequer opções para milhões e milhões de brasileiros. Alternativa, então… Aposto que a maioria de vocês lendo este texto – assim como eu – reviram os olhos e bufam feito uma adolescente contrariada quando deparados com o prospecto de encarar a programação habitual desses canais, mas sejamos mais sábios do que acreditar que essa é a norma.

TV aberta é grátis, vem até a sua casa e ainda não exige qualquer forma de interação. Nenhuma das alternativas pode dizer o mesmo. TV aberta tem o menor investimento de todos os outros meios de comunicação, seja em dinheiro ou em esforço mental. Até o rádio, que poderia brigar em todos os outros quesitos, não tem mais a capacidade de encarar a TV aberta como alternativa estupeficante. Tem que se ocupar de alguma coisa ou imaginar com rádio… TV aberta não exige nem isso.

Uma das maiores ilusões que temos é que é SÓ a programação superficial da TV aberta é o que segura as pessoas na frente da telinha. Ajuda, é claro, mas é o hábito e a distribuição do material que realmente fazem esse mercado funcionar. A programação da TV é superficial e estúpida porque sem isso as pessoas parariam de comprar os produtos e eventualmente teriam ânimo para investir um pouco mais em seu lazer; é assim por lucro e perpetuação. A TV aberta emburrece porque esse é o negócio dela. O povo sentado no sofá está só fazendo alguma coisa… qualquer coisa para passar o tempo.

Se todos os canais de TV aberta resolvessem transmitir conteúdo cultural ao invés de bobagens, o hábito continuaria o mesmo. Mudar o hábito de uma grande parcela da população é uma tarefa praticamente impossível, não precisa nem ter conhecimentos sobre psicologia para perceber isso, basta conhecer um pouquinho de História. Os costumes de um povo demoram MUITO para mudar. E é nessa janela de oportunidade gerada pela inércia do hábito que eu acredito que o nível cultural do brasileiro melhoraria SIM se ao invés da novela tivesse que assistir um documentário.

A pessoa vai ficar na frente da TV. Já pararam para pensar porque um BBB da vida não toca o foda-se e mostra violência e sexo explícitos? O povo gosta disso, deveria triplicar a audiência, não? Claro que não. A história da TV aberta brasileira nos diz que dar muito do que o povo diz querer é receita de fracasso. Não é sobre o conteúdo, é sobre manter a facilidade de ter o hábito de ver TV. Programação cultural não é o suficiente para fazer alguém tirar a bunda do sofá, BBB sem edredons sim.

A nova realidade do brasileiro vendo TV seria essa. E o conteúdo cultural não precisa ser estragado, basta deixá-lo mais divertido. Ao invés da novela, uma série do tipo da Cosmos, por exemplo. O povão ia chiar bastante, mas… ia fazer o quê? Ler um livro? Conversar com a família? Nesse ponto não sou eu sendo o idealista. A pessoa acabaria encarando aquilo e aprendendo a gostar. E talvez até aprendesse que não estaria aprendendo por osmose nesse caso…

Vejam as pesquisas: o povo acha o BBB uma merda! (estou teimando nesse exemplo porque BBB é exemplar!) E ainda sim falam obsessivamente sobre o assunto. Imagina só se “estar por dentro” fosse comentar sobre o concerto da Filamôrnica de Berlim de ontem? Mesmo que fosse para reclamar… O assunto é outro. Se aparecesse uma Anita (o segundo T é supérfluo) da vida na TV, seria naquele hilário contexto de cultura popular, contida num documentário como “selvagem curioso”. A pegada seria outra, e o povão ia reagir de acordo.

Internet e TV à cabo não são meios de comunicação tão fáceis de se lidar como TV aberta. Internet exige interesses e interação… coisa que muita gente sequer tem. TV à cabo custa BEM mais caro e ainda oferece opções. BM não querer pensar e escolher, BM querer tudo mastigado. E mesmo que você ache que eles todos corram para esses meios, canais fechados (como canais pagos e sites) funcionam com outra mentalidade. Um canal esportivo não vai produzir uma novela! Conteúdo compartimentado. O povo não escolhe o que quer ver, escolher SE quer ver.

E se você acha que o povo da TV aberta invadiria a internet, esqueceu que eles JÁ o fizeram. E foram quase todos para o que há de mais similar: redes sociais. O chorume de Globo e Cia. já contamina o fluxo de informações da grande rede. O povão ficaria MENOS irritante se a TV aberta não transmitisse porcarias. Ou vai de #timebrontossauro por causa do documentário da noite passada ou vai ter que ser criativo. E sabemos que o BM tem alergia ao prospecto. E com o passar do tempo, provavelmente saberão cada vez mais sobre o que estão imitando. E vão se interessar pela Grande Explosão da mesma forma que se interessam pelo Grande Irmão. No começo só por ter algo a fazer, mas o importante é começar.

O nível cultura do brasileiro subiria sim. Pelos motivos errados, mas que seja… em algumas gerações estaríamos colhendo os bons frutos disso: redução de tempo em frente à TV e aumento de interesse em atividades e passatempos com mais exigência intelectual. Uma bola de neve do bem.

E só para completar, porque anda me enchendo o saco ler isso vez após vez: se você acha que essa opinião é otimista ou utópica, precisa revisar urgentemente o que entende como otimismo ou utopia. Você está se vendendo barato demais.

Para dizer que prefere achar que daria errado para continuar se sentindo especial, para pedir a definição do que seria programação cultural, ou mesmo para dizer que num mundo perfeito essa minha visão ofensiva para com a maioria da população de um país seria válida (ai…): somir@desfavor.com

SALLY

Se a TV fosse obrigada a transmitir apenas uma programação cultural, isso melhoraria o nível intelectual do brasileiro médio? Não.

Nos anos 80 acredito que surtisse efeito, pois a TV reinava praticamente sozinha como fonte de lazer e cultura. Hoje não. Hoje se a programação da TV deixar de ser atraente para o Brasileiro Médio ele vai beber de outras fontes, mesmo que para isso tenha que plugar um cabo HDMI na TV e usá-la como mero monitor para projetar o que ele está reproduzindo em um computador um tablet.

A falta de opção como forma de levar cultura ao povo não é viável, pois hoje não é mais possível falar em falta de opção. Até mesmo em um celular, pela módica quantia de R$9,90 por mês, é possível acessar a internet. Mulher pelada, sexo explícito, violência, fofoca, evasão de privacidade e todo o resto da receita de sucesso para ter audiência ao alcance de um clique. Ainda que não falemos especificamente de vídeos. Um Brasileiro Médio pode se divertir por horas com fotos ou com redes sociais.

A imposição de uma programação exclusivamente cultural geraria apenas uma consequência: a morte da TV. Todos migrariam para TV a cabo, ou, se ela também estivesse sujeita a essa norma, seria o fim da TV como fonte primária e rotineira de lazer. A verdade é que o Brasileiro Médio não quer cultura, quer mais do mesmo que está acostumado: humor baseado em bordão, notícia superficial, fofoca, mundo cão e putaria camuflada de novela ou seriado. E não vai ser à força, na marra, que esse gosto vai mudar.

Para gostar de uma programação cultural é necessário que a pessoa tenha sido de alguma forma estimulada a isso, coisa que nunca aconteceu com os Brasileiros Médios. É como pegar um adulto que nunca foi estimulado à leitura quando criança e dar um livro de literatura clássica para que ele leia. Não vai gostar, não tem instrumentos para apreciar. Vai ler gibi, Harry Potter, 50 Tons de Cinza e só. Talvez depois de muitos anos de aprendizado e estímulo um dia esta pessoa, se assim o desejar, seja capaz de apreciar uma obra de literatura, mas por imposição, de uma hora para a outra? Não creio. Se não tiver mais nada para ler, ela simplesmente não vai ler. O mesmo vale para a televisão.

Honestamente, eu penso que essa gente que cresceu sem estímulo intelectual algum, criados pela televisão, com pais ausentes o dia inteiro, jogados em creches e colégios tendo sua educação terceirizada, vendo novela o dia todo, não tem sinapses cerebrais para compreender nada que saia desse padrão. Precisaria de uma reeducação cultural longa, que o Brasileiro Médio não se prestaria a fazer, porque é imediatista e acomodado. Demandaria um aprendizado, uma adaptação. Se por coisas mais graves o brasileiro já não se mexe, imagina por uma mera orientação cultural…

Mais: se esse projeto utópico de veicular apenas programas culturais de alto nível fosse adiante, não duvido nada que surgisse um mercado paralelo, uma espécie de “tráfico”, uma TV ilegal com aquilo que o Brasileiro Médio gosta de ver. Porque no Brasil é assim, se surgir uma brecha para ganhar dinheiro, vem um esperto e supre a demanda. Teríamos uma “pirataria de TV”, uma “TV ilegal”, paralela, suprindo a demanda do Brasileiro Médio por porcaria. Mesmo que a coisa não descambasse para a ilegalidade, dariam um jeito de trazer de volta o que o Brasileiro Médio gosta. Talvez os teatros começassem a encenar capítulos de novela e cobrar para que o telespectador possa alimentar seu vício por clichês. Não importa a dinâmica, algo surgiria para suprir o vício em porcaria.

Se o Mc Donald’s passasse a vender apenas salada, as pessoas parariam de comer fast food por causa disso ou iriam para o Burger King e para o Bob’s? Alienação é um vício gente. Não esperem que uma pessoa acostumada por uma vida toda ao padrão de TV atual consiga digerir programas realmente educativos. Nem seus filhos, pois não terão sido intelectualmente estimulados para tal porque os pais são intelectualmente atrofiados. Criar filho não é só alimentá-los e pagar suas contas, a parte principal de criar um ser humano é estimulá-lo intelectualmente para que ele aprenda a raciocinar e absorver conhecimento. O que quero dizer é que não basta permitir o acesso a programas educativos e culturais se não foi dada uma mínima estrutura em casa e na escola para que a pessoa tenha a possibilidade de desfrutar deles.

Fato: o Brasileiro Médio se aborrece e se desinteressa rapidamente por qualquer programa que não tenha um grau de macaquice para prender sua atenção. Exemplo clássico: Jornal Nacional, que, declaradamente, alterna notícias mais profundas e sérias com o nascimento de um panda albino perneta fofinho do zoológio de Whatever. Não aguentam nem meia hora de notícias densas! É a tal mentalidade de “Homer Simpson” que o Bonner citou. E mesmo sendo chamados de “Homer Simpson”, as pessoas continuam a dar audiência para ele, não se sentiram ofendidas não. Talvez porque seja verdade.

Está enraizado o hábito de que o lazer televisivo consiste em apenas distrair seu cérebro sem qualquer aprendizado. É programação sem conteúdo, para não obrigar a pensar. Isso porque a capacidade de pensar do Brasileiro Médio é similar à de um canário. Por ter um ensino de merda (mesmo em escolas particulares, lamento informar) e um estímulo intelectual deficiente dentro de casa, eles não exercitaram sua capacidade de raciocínio e concentração. Os desdobramentos disso vocês já conhecem: não sabem dialogar, ficam apenas rebatendo, se ofendem com quem discorda deles, não percebem as próprias contradições, etc. “Efeito Rede Social”.

A impressão que tenho é que o Brasileiro Médio “gasta” toda sua capacidade de raciocínio e concentração no trabalho (mesmo que ele não seja um trabalho propriamente intelectual) e quando chega em casa o cérebro está dormente, em latência, apto apenas para ver novela e reality show. Isso não vai mudar apenas disponibilizando programação educativa e cultural, porque não há capacidade intelectual para nutrir algum interesse. Faltam ferramentas, falta cérebro. É preciso fazer uma “musculação” cerebral e reeducar esse povo, não apenas disponibilizar programação cultural e educativa.

Assim como o gordo que quer se manter magro não deve fazer apenas dieta, mas uma reeducação alimentar para a vida toda, o Brasileiro Médio também precisaria de uma reeducação cultural a longo prazo para poder se interessar e compreender uma programação cultural. Não se enganem, apenas disponibilizar é uma ilusão. É como dar um carro para quem não sabe dirigir ou dar um computador para um analfabeto: não adianta.

Para concordar com ambos e ambos te acharmos burro por não perceber a contradição, para se ofender por gostar da programação atual de TV ou ainda para fazer ativismo nos comentários por eu estar ofendendo os canários: sally@desfavor.com


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