Skip to main content

Desfavor Convidado: Vinhos

| Desfavor | | 11 comentários em Desfavor Convidado: Vinhos

descon-vinhos01

Desfavor Convidado é a coluna onde os impopulares ganham voz aqui na República Impopular. Se você quiser também ter seu texto publicado por aqui, basta enviar para desfavor@desfavor.com.
O Somir se reserva ao direito de implicar com os textos e não publicá-los. Sally promete interceder por vocês.

Desfavor Convidado: Ge explica: vinhos

Vinhos… ahh vinhos! Essa bebida majestosamente diabólica e mágica que me faz ter delírios ao ouvir o glov glov glov da garrafa enquanto vejo suas lágrimas escorrerem lentamente pelo corpo da taça provocando suspiros ao anoitecer…

Ok, poesia à parte, hoje pretendo falar sobre vinhos. Já falei sobre whiskyes aqui no desfavor e agora é a vez dos vinhos. Da mesma forma que no outro texto, pretendo fazer algo um tanto didático no estilo desfavor explica. A título de esclarecimento, já vou logo avisando que não sou enófilo (é enófilo porra! Enólogo é quem trabalha na vinícola!) profissional, muito embora já tenha participado de alguns cursos e workshops de alta gastronomia por aí. Mas confesso que minha maior fonte de conhecimento mesmo foi minha avó que me ensinou desde cedo todos os podres da alta gastronomia italiana e francesa. Portanto, o que escreverei aqui é baseado em minhas próprias experiências, ok?

1) Intro básica

Pois bem, sobre a história dessa bebida: do mesmo modo que no texto sobre whiskyes, não vou me ater à ela com detalhes, afinal, seriam páginas e páginas! Mas existem várias obras sobre isso por aí, dentre elas de autoria de Rod Phillips (uma breve história do vinho), Jean-François Bazin (l’histoire du vin), e Roger Dion (l’histoire de la vigne et du vin en france). Sabe-se que essa bebida existe há pelo menos 3000 a.C. Na Grécia antiga, havia Dionísio, o deus do vinho. No império romano teve lá grande importância econômica. Na idade média, com a predominância da igreja católica, o vinho era o símbolo do sangue de cristo. E na era “moderna” o vinho carrega lá toda uma conotação arquetipada de bebida luxuosa, de sedução, amor, paixão, etc.

Quanto ao processo de produção do vinho: bom, grosso modo, vinho nada mais é que suco de uva fermentado e com álcool! Mas adentrando nos detalhes, temos: primeiro o processo de colheita das uvas. Há épocas específicas para a colheita, bem como procedimentos específicos, e alguns obedecem até mesmo um cronograma relacionado às fases da lua! Depois as uvas são amassadas (antigamente isso era feito com os pés, hoje é tudo mecanizado!) pra retirar o suco literalmente, depois esse suco vai para um tanque fechado, sem contato com o ar, onde são adicionadas as leveduras e bactérias para a fermentação. As mais comuns são a Saccharomyces cerevisiae, a S. chevalieri e a S. oviformis. Bom, e o que elas fazem? Basicamente, o serviço delas é transformar o açúcar natural existente na fruta em álcool. Elas ficam lá boiando no suco de uva se alimentando da frutose e sacarose naturalmente presentes na uva, e retiram o oxigênio da bebida oxidando-a. Essa é a parte mais perigosa, pois qualquer errinho pode transformar o vinho em vinagre ou coisa pior. Em um segundo momento, o gás carbônico e dióxido de carbono vão sendo liberado lentamente para a atmosfera restando, ao final do processo, o vinho alcoólico. Mas até aqui, o vinho propriamente dito não está totalmente pronto. Após o processo de fermentação ainda é necessário filtrá-lo para retirar as impurezas que nele ficam, e depois armazená-los em barris e só depois ser engarrafado.

Quase da mesma forma que o whisky, o que influencia no sabor da bebida é: o tipo de uva, o nível de açúcar presente na bebida, o nível de acidez, a qualidade dos terroirs e dos taninos, o tipo de barril utilizado para envelhecimento (que pode ser de carvalho, cedro, eucalipto, sândalo, castanho…) e o tempo em que ele fica envelhecendo. Ta, e o que é Terroir e tanino? O primeiro termo grosso modo, é o “conjunto” de fatores de uma determinada região que influenciam no cultivo das uvas, tais como: qualidade do solo, altitude, relevo, temperatura da região, quantidade e regularidade da luz solar, incidência de chuva, vento e umidade. Todo esse mimimi diferencia nos variados sabores dos vinhos que se tem por aí. Exemplo bem básico: existe a uvas chardonnay e pinot noir que é cultivada em vários lugares. Os terroirs da região da Borgonha na frança (que cultivam chardonnays e pinot noirs) têm características bem distintas dos terroirs da região de Bordeaux ou de Piemonte na Italia, por exemplo. Da mesma forma que um pinot noir argentino será bem diferente de um pinot noir francês, e por aí vai.

Já o termo “tanino” se refere à um polifenol de origem vegetal. Grosso modo: é um componente que está presente nas cascas e semente das uvas. Sabe aquele gostinho de aveludado, seco e áspero ou mesmo de banana que não está madura que fica na boca, depois de tomar um vinho tinto seco? Pois é, esse é o tanino agindo. E quando se fala em “taninos macios”, quer dizer que esse gosto de asperidade é bem equilibrado em relação à acidez do vinho, não é muito agressivo de forma a tornar o sabor desagradável. Vinhos produzidos pelas uvas tannat, nebbiolo, cabernet sauvignon, tempranillo e moltepulciano são os mais “ataninados” possíveis. Já um pinot noir, barbera, merlot ou gamay são menos “ataninados”.

Vinho quanto mais velho melhor? Depende! Depende da variedade de uva, da qualidade dos taninos e do sabor que se quer alcançar. Vamos dizer, metaforicamente, que o vinho tenha lá sua infância, juventude, maturidade, alcança a velhice e morre. Via de regra, o ponto perfeito seria a maturidade, o auge em que há o equilíbrio perfeito entre os taninos e o buquê de aromas adquirido com o tempo. Vinhos mais jovens, brancos (salvo exceção dos vinhos brancos especiais da região da Bourgogne) como os vinhos verdes, sauvignon blanc, e valpolicellas devem ser consumidos rápidos (pode-se armazena-los por no máximo 3 anos!), pois o que realmente importa neles é o frescor e o aroma de frutas frescas, e o armazenamento faz perder esses elementos com o tempo, e o vinho acaba ficando literalmente “sem graça”. Já alguns tintos do sul da França, cabernet saugvinon latinos, malbecs, pinot noirs e tempranillos ganham complexidade no sabor se armazenados por alguns 5 anos, no máximo. Agora, há realmente vinhos como os Bordeaux, os “grand reserve” e “assemblage” que realmente, quanto mais velhos mais ricos, complexos e encorpados ficam. E por falar em armazenamento, como armazenar corretamente seu vinho em casa? De preferência em uma adega cliamtizada! Vinhos com rolha sintética podem ser armazenados em pé, já os de rolha normal (de cortiça) devem ser armazenados deitados de forma que o vinho mantenha contato com a rolha e não resseque-a com o tempo. Além do mais, a rolha e o vinho praticam lá certas “trocas químicas” com o tempo, ajudando na maturação do mesmo. Luz direta sobre a garrafa e variação de temperatura também podem ser prejudiciais ao vinho.

2) Classificação dos vinhos

Existem várias! Vamos a elas:

– Quanto à cor: podem ser tinto, mezzo tinto, branco ou rosé. Mas é claro que existem cores e cores por aí, desde aquele roxo escuro até o vermelho sangue passando pelo rosa claro ao amarelo escuro.

– Quanto ao teor de açúcar: podem ser seco (0 a 5g/l), demi-sec (5 a 20g/l), e suave ou doce (acima de 20g/l).

– Quanto à classe/graduação alcoólica: podem ser de mesa (entre 10 e 14%), leves (entre 7 a 9.9%), frisante (7 a 14% levemente gaseificados), espumante (entre 10 e 13%, alta presença de anidrido carbônico), licoroso (entre 14 e 18%, geralmente recebem caramelo ganhando um tom de licor mesmo!), e fortificados (entre 15 a 18%, são assim chamados pois misturam uma parte de alguma bebida destilada, geralmente conhaque!).

Em Portugal existe ainda o vinho verde, que não é necessariamente verde, produzido unicamente na região noroeste do país.

Além dessas existem também as classes finos ou nobres, que são vinhos produzidos apenas de uvas viníferas, os especiais que são mistos de uvas viníferas, uvas hibridas e americanas, e os vinhos comuns produzidos predominantemente com uvas híbridas e americanas. E que negócio é esse de uva vinífera e híbrida? A primeira refere-se às variedades da espécie Vitis Vinifera, são as ditas uvas “puras” mesmo. Já as híbridas são espécies provenientes do cruzamento de duas ou mais espécies. Um exemplo é a uva pinotage que é resultado de um cruzamento entre a pinot noir e a Cinsaut hermitage que são variedades da Vitis Vinifera.

3) Como apreciar e qual taça usar

Apreciar vinho é uma arte, e consiste em um ritual. Para praticar tal ritual é necessário ter o “instrumento” correto em mãos a fim de que o processo seja realmente profícuo. Alguns dirão que é frescura, mas uma taça errada faz uma baita diferença na hora de apreciar um vinho. E, para cada vinho diferente, uma taça diferente: a começar pelos tintos, estes precisam de espaço para poder “respirar”. A partir do momento em que você serve ele, é necessário que haja a evolução do aroma a começar pelo interior da taça; tão logo esse tipo de vinho deve ser servido em uma taça com haste longa e bojo largo (vide figura abaixo), a chamada “taça bourgogne”, ou bojo pequeno, a chamada “taça bordeaux”. Já os vinhos brancos, para equilibrar doçura e acidez, é necessário que haja um bojo mais estreito, não tão largo, e uma boca não tão fechada como o da taça bordeaux. Por fim, os espumantes devem ser servidos em taças compridas e de bojo pequeno, a fim de preservar não só o aroma, mas também a “espuma” da bebida.

descon-vinhos02

E quanto à apreciação propriamente dita: comece pela cor! Incline um pouco a taça contra algo claro e tente reparar na cor. É claro a ponto de poder ver do outro lado? Ou escuro e concentrado? Brilhante? Brumoso? Cor rubi, roxo escuro, rosado, amarelo escuro, dourado, ou cor de tijolo? Vinhos tintos secos e encorpados como o cabernet sauvignon costumam ter coloração roxa escura bem concentrada, já os merlots e carmenère costumam ter coloração mais avermelhada. Vinhos brancos, mais jovens tem tons mais pálidos, enquanto os mais maduros tem cor dourada.

Partindo para a próxima etapa da apreciação, cheire o vinho! Sinta o aroma da bebida! Que cheiro consegue lembrar além das uvas? framboesa? Amora? Limão, gengibre, baunilha? Um cheiro acre? Azedo? Oxidado? Fresco? Vinhos como o Gewurztraminer podem ter cheiro de gengibre, já os sauvignon blanc e riesling costumam ter um leve cheirinho “citron”, enquanto alguns merlots e malbecs costumam ter aromas que lembram frutas vermelhas.

Por fim, coloque um gole de vinho na boca e deixe que ele lhe ocupe todo o interior. Não coloque embaixo da língua como o whisky, ao contrário, deixe que ele “passeie” por toda parte superior da língua. O que você consegue perceber? É seco e áspero, ligeiramente seco, levemente doce? É rude e intenso ou é equilibrado? Consegue sentir o sabor dos cheiros que tu identificou anteriormente? Após alguns segundos, engula o vinho lentamente. Ainda ficou o gostinho de vinho na boca? Por pouco ou muito tempo? Esse gostinho pós engulo é chamado retrogosto, e via de regra, quanto mais longo, melhor o vinho. Ficou um gosto amargo e de secura na boca? Possivelmente o vinho é ácido e com bons taninos. Ficou um gostinho de doçura na ponta da língua? Possivelmente o vinho é doce e suave.

Enfim, provem, sintam, se entreguem e não tenham medo dessa entrega! É uma experiência quase poética, orgástica!

4) Tipos de uvas e cada região e sabor

Ahh… são várias! São tantas que confesso que as vezes até eu me perco! E por mais que tu tenhas provado já um monte de vinhos, sempre tem algum novo a ser provado. Mas vamos lá:

– Itália: as principais uvas tintas desse país são: agliniaco, barbera, corvina, dolcetto, lambrusco, montepulciano, nebbiolo, primitivo, e sangiovese. Uvas lambrusco são famosas por produzirem bons frisantes. Uvas barbera produzem os exelentes vinhos barbera d’asti e o barbera d’alba. Tem notas de ameixa, cerejas e frutas vermelhas e acidez moderada. Já as uvas montepulciano estão presentes no vinho moltepulciano d’abruzzo ou mesmo no Nobile di Toscana. Esses já tem notas de amora e um fundinho levemente abaunilhado, são ligeiramente encorpados e equilibrados. Já uvas corvina, sangiovese e nebbiolo produzem vinhos tops como o barolo ou barbaresco ou mesmo o Chianti e Brunello de montalcino. São vinhos mais encorpados, chiques e caros. Confesso que particularmente, para beber avulsamente adoro os barolos e barbarescos. São vinhos que carregam todo o ardor e charme italiano. Me lembram algo quente, sofisticado, rústico. Já as principais uvas brancas da italia são: cortese, garganera, moscato, prosecco, vernaccia e verdicchio. Uvas cortese e garganera estão presentes nos famosos vinhos Gavi e Soave. Tem acidez equilibrada e trazem notas de lima. Uvas moscato e prosecco são de baixa acidez e levemente doces, produzem bons espumantes ou mesmo o famoso greco di tufo. Já uvas vernaccia e verdicchio produzem vinhos que levam o mesmo nome, são vinhos mais jovens e encorpados com aroma fresco e notas florais, porém retrogosto muito fraco. Eu particularmente adoro os verdacchio, embora também não abra mão dos sauvignon blanc e o pinot blanc. Mas sinceramente viu? nenhum vinho branco ganha dos chardonnays franceses e Riesling alemães.

– França: A França possui uma variedade imensa de uvas que ultrapassa vários outros países. A começar na região de Bordeaux, contendo os vinhos mais famosos e campeões de safra temos as uvas tintas merlot, cabernet sauvignon, cabernet franc e petit verdot. Já as uvas brancas são as Sémillon, Sauvignon blanc e muscadelle. Na região de Borgonha estão presentes as uvas tintas pinot noir e gamay, e as uvas brancas Chardonnay e aligoté. A região de Aláscia tem as uvas pinot noir, pinot gris, Riesling, Pinot Blanc, Muscat, e Gewurztraminer. Já no vale do rhône existem as brancas Viognier, Roussane, marsanne, Grenache blanc, e clairette; as tintas são as syrah, grenache, mourvèdre, e cinsaut. Na região de Provence estão as tintas Mourvèdre, grenache, cinsaut, syrah, e cabernet sauvignon; e as brancas mais comuns são as rolle e clairette. Já na região de Languedoc-Roussilon estão presentes além das grenache, syrah, mouvèdre, as Carignan, merlots, marsanne, Roussane, e maccabeu. Por fim, nas regiões de Cahors e Madiran estão presentes a maioria dos malbeces franceses e merlots bem como algumas tannat, cabernet franc e cabernet sauvignon. Confesso que depois dos famosos de Bordeaux, os que realmente ganharam minha admiração são os da região de Provence e Languedoc-Roussilon. Se comparado aos vinhos italianos que carregam lá um tom chique e sofisticado, os vinhos franceses são delicados, alguns suaves, e a maioria muito bem equilibrados.

– Espanha: Vinhos espanhóis costumam ser um tanto mais intensos que os italianos e franceses. Intensos tanto no sabor quanto na gradação alcoólica, eles sempre surpreendem os paladares. A uva símbolo da espanha, a mais comum em todo o país é a tempranillo, embora estejam também compondo o mosaico as uvas cabernet sauvignon, merlot, carignan, Garnacha nas regiões do norte do país; Monastrel, Graciano, Mazuelo, mencía nas regiões centrais, e nas regiões sul as cariñena e Garnacha Negra. Alguns vinhos como o toro loco (que particularmente muito aprecio) possuem misturas de duas uvas como tempranillo e cabernet sauvignon, resultando em taninos macios e um sabor um tanto frutado fresco no começo, e com retrogosto intenso e provocante. Outros vinhos como os artazuri e señorío de sarría também são surpreendentes e com aromas intensos.

– Portugal: Depois de França e Itália, outro país que tem uma variedade imensa de uvas é Portugal. Claro que não vou citar todas que conheço aqui, mas as principais tintas são: touriga nacional, baga, gastelão, trincadeira, alfrocheiro, alcoa, molar, pedral e patorra. Já as principais brancas são: alvarinho, loureiro, arinto, encruzado, bical, fernão pires, moscatel e malvasia. Dentre os vinhos mais famosos – para além do vinho verde – estão os vinhos do porto, alentejo e madeira. O diferencial desses vinhos está no seguinte: no caso do vinho do porto, o clima propício da região de Douro, bem como as massas de ar vindas do oceano atlântico, aliado ao relevo levemente escarpado da região conferem um toque especial no produto final. Outra característica é que esses vinhos costumam ser encorpados e doces! Via de regra, vinhos mais encorpados costumam ser secos. Dentre os do porto existem três tipos: o branco, que são jovens e levemente frutados, porém com fundo leve; o ruby, assim chamado por possuírem uma cor avermelhada que se assemelha ao rubi, tem sabor também frutado intenso, porém com baixa acidez, e o porto tawny, que tem uma cor mais âmbar e sabor frutado seco com fundo mais intenso lembrando algo meio nozes e amêndoas. Além desses, há também categorias especiais como o LBV (late bottled vintage), o vintage e o tawnie envelhecido. O primeiro é o mesmo que o ruby, com a diferença que esse provém de uma única colheita, e passa por envelhecimento em madeiras especiais num período de quatro a seis anos, conferindo grande evolução de sabor e aromas. O segundo é uma verdadeira preciosidade, feito com uvas selecionadissimas e envelhecido por no máximo dois anos em madeira de carvalho. Já o terceiro, é o mesmo que o tawny só que envelhecido por muitos anos, coisa de 20 anos para mais! Os sabores também são diferenciados, lembram especiarias, mel, canela, chocolate, madeira queimada. Já para o vinho madeira, o diferencial dele está no fato dele ser um vinho fortificado, extremamente aromático bem como ser envelhecido em madeiras especiais, além da posição geográfica propícia na ilha da madeira. Diria que este está quase para um bordeaux francês por ser extremamente encorpado, complexo, rico em sabor, acidez equilibrada e final bem longo.

– Alemanha: Esses são um dos que sou menos familiarizado, isto é, não conheço com tanta profundidade como os vinhos italianos e franceses. Mas, do pouco que conheço, não posso deixar de reconhecer a qualidade deles. Via de regra, a Alemanha é a terra do vinho branco. Isso porque o solo, a umidade e o frio são propícios ao cultivo de uvas brancas. É claro que existem algumas uvas tintas por lá como a Dornfelder ou a Spätburgunder, muito parecidas com a pinot noir e que produzem tintos de corpo médio e acidez equilibrada. Mas se comparado à outras regiões, os vinhos tintos alemães perdem feio – a não ser pelo potencial aromático – pois não são complexos e robustos ou possuem taninos excepcionais como os franceses. Mas voltando às brancas, essas são a elite do país. Lá se produz desde o mais ácido até o mais doce vinho branco. Se a tempranillo é a uva símbolo da Espanha, a riesling fica por conta de levar tal título à Alemanha. Essa uva é tão interessante que é capaz de produzir vinhos tanto leves e aromáticos como o Dr. L. Riesling Qualistatswein 06, quanto vinhos complexos com acidez alta como os Urziger Riesling Kabinett 78 e Erdener Treppchen Riesling Aulese 06. Mas, para além dessas, compõem o cenário as uvas müller-thurgau, a pinot gris, a kerner, a silvaner, e a scheurebe. Dentre os vinhos que ganha minha admiração – além dos já citados – está o Dr. L. Kabinnet blue slate. Ele é meio-seco, levemente encorpado, com final longo e um fundo mineral e amadeirado. Vai muito bem com frutos do mar e peixes.

– Argentina: Olha, devo dizer… na condição de apreciador, não há cabernet sauvignon melhor que o argentino! Alguns críticos dizem que ele é seco demais, áspero demais, eu tenho lá minhas discordâncias. Ele pode não ser extremamente equilibrado como os vinhos franceses ou italianos, mas em nível de complexidade de sabor, a meu ver, está entre os melhores!

Mas ok, chega de puxasaquismo barato pelas terras da Sally e vamos às uvas desse país. Nas variedades das tintas temos as uvas malbec, merlot, caberne franc, carmenère, syrah, pinot noir, petit verdot, pinot meunier, tannat, maestri, carignan, tempranillo, sangiovese e pasmem, até o lambrusco! Muito embora o legítimo lambrusco seja italiano. Já para as brancas temos: chardonnay (bem diferente do chardonnay europeu!), chenin blanc, torrontés, verdelho, sauvignon blanc, semillón, moscato bianco, pinot blanc (muito bem equilibrado), prosecco e petit manseng. Muita gente lembra dos malbecs que são realmente muito bons depois dos cabernets sauvignons, bem equilibrados, encorpados, intensos e com final longo. Mas Argentina não é só malbec! Os vinhos “largage syrah” e o “Finca La Anita Semillon” produzido na região de Mendoza, ganham meu conceito por terem uma acidez equilibrada, corpo médio, taninos macios e fundo longo. Outros vinhos excelentes são os “las moras black label malbec”, o “las perdices tinamu”, e o “felino de Cobos Merlot”. Como apreciador diria que entre as uvas cabernet, malbec, merlot, carmenère e pinot noit, as cultivadas aqui na américa são melhores do que as da Europa viu? Mesmo que os espanhois sejam intensos, e os franceses delicados, os vinhos da américa parecem que possuem melhor magnitude quando o assunto é complexidade de sabores e aromas.

– Chile: Depois dos famosos argentinos, outros que ganham destaque no cenário internacional são os vinhos chilenos. O diferencial deles está de novo relacionado à geografia do local, já que as principais regiões produtoras estão concentradas em uma região mediterrânea ao lado da cordilheira dos Andes e do oceano pacífico. Ou seja: região não muito quente, com pouca chuva e baixa umidade o que traz um clima diferenciado ao cultivo das uvas. Entre as variedades das tintas estão as de sempre: malbec, merlot, carmenere, syrah, cabernet sauvignon, pinot noir, e cabernet franc. E entre as brancas temos as chardonnay, sauvignon blanc, moscatel de Alexandria, riesling, viognier, e gewürztraminer. Mas a uva representativa do país mesmo é a carmenère. Dentre os que ganham minha admiração estão os “concha y toro amélia”, “matetic EQ coastal”, “arboleda”, o calina merlot, e o Santa Helena. Os concha y toro tem excelentes merlots e carmeneres muito bem equilibrados, acidez moderada e boa maciez. Já os Santa Helena possuem um syrah maravilhoso, quente, aveludado e que evolui para um gostinho de especiarias e levemente tostado no final. Dentre os brancos, um que muito me surpreendeu até hoje foi o “falernia viognier” por ter um corpo médio não muito aveludado, com um toque de mel e damascos evoluindo pra um fundo levemente acarvalhado, mas nada muito pesado.

– Uruguai: Dentre os vinhos da américa, não menos importante estão também os uruguaios. A queridinha do país é a uva tannat que realmente produzem vinhos excelentes como o don pascual, o viñedo de los vientos ou o narbona. Diferentemente dos argentinos ou chilenos, esses são vinhos com finais longuissimos, levemente ácidos, levemente encorpados e com sabores intensos de frutas negras maduras e especiarias. Pensem em um vinho que começa leve, fresco, um sabor de ameixa bem evidente no começo e evolui lentamente para algo encorpado que lembra canela e o final é bem longo, aveludado e amadeirado. Eis o que um bom tannat “don pascual” pode fazer com você. Mas assim como Argentina não é só malbec, Uruguai também não é só tannat. Outras uvas também estão presentes no pequeno território desse país como as torrontés, sauvignon blanc, albaiño, cabernet sauvignon, pinotage e pinot noir. Confesso que à exceção dos tannat, nenhum outro meu surpreendeu até hoje, sendo que os pinotage que andei provando por aí achei-os um tanto desequilibrados em acidez e taninos não tão macios.

– Austrália: Vinhos australianos até pouco tempo atrás eram menosprezados. Mas a coisa tem mudado e entre as uvas mais representativas estão a sémillon para os brancos e a syrah para os tintos. Mas também estão presentes para compor o cenário as uvas merlot, grenache, mouvèdre, pinot noir, chardonnay, riesling, gewurztraminer e sauvignon blanc. Dentre os vinhos que me conquistaram até hoje foram o “Hardys shiraz”, o “hardyz nottage hill” e o “victoria park cabernet sauvignon/shiraz”. Esse último é bem curioso, já que é uma mistura de duas uvas. Pensem em um vinho cor rubi intenso com sabor que já começa explosivo, aveludado, acidez média e vai se tornando levemente acre revelando lentamente os tons de groselha e ameixas enquanto os taninos macios e arredondados completam o serviço deixando um fundo fresco levemente amanteigado meio amêndoas?

– Nova Zelândia: Esses também são bem intrigantes. A começar pela geografia do país, que contempla uma floresta densa, montanhas cobertas de neve, e até mesmo um litoral espetacular, há que se considerar verdadeiros microclimas diversos no cultivo das uvas de lá. Entre as tintas encontramos a merlot, cabernet sauvignon, syrah, e até mesmo a viognier. Mas é a pinot noir a queridinha responsável por colocar o país nos rankings mudiais. E realmente, dos que já provei até hoje, um “saint clair vicar’s choice” e um “trinity hill hawkes bay” são surpreendentes: são maduros, envolventes, quentes, e com aromas frutados que lembram frutas vermelhas, morango, cereja, e com um toque levemente terroso e ambarado com final bem longo e intenso. Quase um vinho espanhol, se é que me é lícito fazer essa comparação. Já para os vinhos brancos, fica a cargo da sauvignon blanc cumprir o serviço de queridinha do país, muito embora eu confesse que há sauvignons melhores por aí viu?

– África do Sul: Confesso que conheci esses vinhos há pouco tempo. Sabem como é, iniciei essa caminhada toda através dos vinhos franceses e italianos primeiro então… Mas desde que conheci me surpreendi e fiquei intrigado com alguns sabores bem peculiares. O diferencial aqui está de novo ligado à geografia local: solo relativamente diverso de outras áreas do planeta, verões agradáveis e ventos vindos do oceano atlântico trazem particularidades bem interessantes aos vinhos de lá. Dentre as uvas brancas estão as chardonnay, chenin blanc, sémillon, colombrad, muscat de frontignan, muscat de alexandria, pinot gris e viognier. Já as tintas são a shiraz, mouvedre, merlot e a mais representativa: a pinotage. Dentre os vinhos que me chamaram atenção foram o “Klein Constantina KC cabernet merlot”, e o “pulpit rock chenin blanc”. Esse último bem interessante: pensem em um vinho branco com acidez singela, bem encorpado, porém com aromas florais e toques cítricos? Experiência bem diferente tentar mesclar florais e cítricos na mesma bebida. Outros como o “ken forrester” começam bem equilibrados em acidez e com taninos macios e leves e evoluem para um tom de frutas frescas, maçã verde, pera, e finalizam secos e ásperos quase amadeirados.

– Brasil: Então… chegamos ao nosso país! Me perguntando aqui quais palavras utilizar para falar desses vinhos mas ok, vamos lá: são vinhos até bons sim, um pouco desequilibrados na acidez e no fundo não muito longo, mas “dão para o gasto.” Dentre as variedades existem os pinot noirs, gammays e merlots, e até mesmo cabernet sauvignon, mas confesso, conquanto apreciador, nada me surpreendeu até hoje. As principais vinícolas se encontram ao sul do país. Eu mesmo já visitei uma vinícola em Bento Gonçalves e em Garibaldi no RS, e outra em Urussunga em SC. Lá também são feitos alguns espumantes, e uma marca representativa no mercado é a Miolo e a Salton.

5) Harmonização com gastronomia

Muita gente acha isso complicado, ou antes, vê dificuldade onde não tem. O que na verdade é bem simples: via de regra, vinhos rosés e frisantes para entradas, saladas e petiscos; vinhos tintos para carnes vermelhas e massas, e brancos para carnes brancas e frutos do mar. Licorosos para as sobremesas. Outra regrinha a ser levada em conta é a regra dos contrastes: ácido x básico. Vinhos tintos costumam ser ácidos, já os brancos mais básicos. Vinhos doces costumam ser básicos, e os secos, ácidos.

Exemplo: digamos que você tenha um macarrão ao molho vermelho. Macarrão é massa, vai pedir um tinto. Mas molho vermelho é ácido, portanto, para harmonizar o ideal seria um vinho básicizado: tinto e doce. No sentido contrário, se você tivesse um vinho ácido e seco, o contraste não seria muito legal! Ficaria aquele gosto pesado na boca levado pela secura, a ponto de você começar a salivar pra valer e sentir a necessidade de algo doce depois. Pegando o mesmo exemplo, só que dessa vez com um molho branco: macarrão você já sabe que vai pedir tinto, só que como esse molho é básico, o ideal seria um tinto ácido, ou seja: mais seco. A maioria das massas vai bem com vinhos tintos: calzone, canelone, focaccia, macarrão, pizza… Aqui a coisa depende mais do que a massa acompanha.

Aumentando um pouco a complexidade, outra regrinha interessante é a do atenuar X aguçar. Digamos que você tenha um pato assado. Via de regra, você vai escolher um vinho branco, certo? Mas digamos que você tenha também um molho de damascos e maracujá, ou talvez especiarias e uma salada de folhas com rúcula e alface. Lembrando que o prato principal é uma carne branca, mas que no conjunto todo está incluído molhos e folhas, então você pode ter dois (ou até mais) caminhos: se você pretende atenuar o sabor das especiarias ou do molho, vá de vinho tinto meio seco ou seco (cabernet sauvignon, merlot) com fundo acarvalhado/amadeirado ou terroso e aveludado e taninos macios. Tais taninos realçam o sabor de especiarias, da canela, do gengibre, por exemplo. Já se você deseja aguçar o sabor da salada de folhas, vá de vinho branco, preferencialmente os com fundo abaunilhado (chardonnay), e taninos mais ásperos. Tais taninos dão um contraste bem legal ao sabor das folhas. Aspargos e ervilhas também ganham um toque especial com vinhos que possuem o retrogosto longo e intenso e um fundo floral. Já vinhos que possuem o fundo frutado vão bem com molhos e carnes grelhadas. Enfim, tudo depende do “concerto” em que você deseja ser o maestro.

Para além de contrastes, vinhos também podem ser uma boa pedida na hora de flambar ou marinar carnes e frutos do mar. Tintos encorpados vão bem com carnes grelhadas, e tintos leves ou brancos vão bem com frutos do mar. Vinhos também combinam com chocolate: experimentem um vinho branco (riesling) com chocolate meio amargo ou um tinto seco (cabernet sauvignon) com chocolate ao leite, é surpreendente! Vinhos licorosos, brancos doces, espumantes, frisantes e fortificados costumam ir bem com sobremesas que levam chocolate, queijos e frutas, café, doce de leite, bem como coisas trufadas, mousses, tortas e alfajores.

5.1) Harmonização de queijos e vinhos

Apesar de haver uma variedade infinita de queijos por aí, a regra básica aqui é: quanto mais leve, mais mole e cremoso for o queijo: mais acidez deve conter o vinho. Quanto mais duros, densos e com cascas: vinhos mais tânicos, complexos e encorpados. Aqui a prioridade é a soma e não o contraste. Isto é: o sabor de um vinho jamais pode se sobrepor ao sabor de um queijo e vice-versa. Segue o esquema:

– Para queijos frescos ou de pasta mole tipo frescal, muçarela, ricota, requeijão, o ideal seriam vinhos brancos e suaves ou tintos jovens e leves como um verdicchio ou chardonnay.

– Para queijos maturados e de massa mole como o brie, camambert e coulommiers o mais adequado seriam vinhos brancos maduros ou tintos jovens encorpados como um cabernet sauvignon argentino ou Riesling alemão.

– Queijos de massa filada tipo provolone já pedem tintos maduros e um pouco envelhecidos. Um nebiollo cai bem aqui.

– Para queijos de média maturação tipo queijo prato ou cheddar os mais adequados são os tintos leves e frutados como um merlot ou carmenère.

– Queijos maturados de massa semidura e cozida, como emmental, gouda, reino, prato, saint-paulin, tilsit, ou azuis como o roquefort, gorgonzola, stilton e danablue, o ideal seriam tintos maduros robustos como o nebbiolo, o pinot noir, ou brancos doces ou mesmo os vinhos fortificados. Vinhos frisantes, lambrusco, barbera ou sauvignon blanc aromático também vão bem com queijos azuis.

– Para os queijos de pasta dura e maturação longa como o provolone ou parmigiano, o ideal seriam ou espumantes secos, ou grandes vinhos tintos maduros como um barolo ou nebbiolo.

– Por fim, queijos maduros de massa dura como o parmesão e o pecorino pedem também tintos maduros como um malbec, tempranillo e até mesmo um moscatel cai bem aqui.

Bom impopulares, é isso! Espero que tenham gostado de mais um texto do tipo, e que tenha sido no mínimo esclarecedor sobre o universo particular dessa bebida tão magnífica.

Ge


Comments (11)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: