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Somir Surtado: Je sais quoi.

| Somir | | 45 comentários em Somir Surtado: Je sais quoi.

sosur-jesaisquois

“Je ne sais quoi” é uma expressão francesa popularizada mundo afora como definição para aquele fator… diferente… que algumas pessoas tem tanto para ter sucesso no que fazem ou mesmo para angariar simpatia. Na tradução direta, “Jenêsequá” (ha!) nada mais é do que “Não sei o que”. Conseguimos definir que tem algo de especial na pessoa, mas é difícil apontar exatamente o que é. Pode ser desde o sorriso do Pilha enquanto é algemado pela polícia até mesmo a pose “messiânica” de Steve Jobs quando apresentava as criações alheias… São elementos difíceis de imitar pela dificuldade de definir o que ocorre ali. E por isso mesmo, péssimos exemplos.

E sim, eu sei que foi sacrilégio colocar Pilha e Jobs na mesma frase, admiramos o Pilha por aqui… Precisava de um exemplo bem abrangente. Quem não conhece o “folclore nacional” daqui não entenderia bem se falasse apenas do Mártir Transcendental da RID. Mas imaginemos ambos os casos com pessoas diferentes: Assim como a maioria das pessoas soariam malignas ou arrogantes se imitassem a expressão de Pilha diante da prisão, a maioria de nós pareceríamos completos imbecis – fraudes capitalistas – apresentando as porcarias que Jobs apresentava (como, aliás, é o que vem acontecendo). Tem gente nesse mundo que consegue subverter a reação alheia óbvia só por “estar lá”.

Oras, sorrir enquanto é preso é coisa de psico/sociopata e os produtos da Apple passam longe de merecer tanto confete assim. Tem coisa nessa vida que só dá certo na base do “je ne sais quoi”. E meu argumento aqui é apesar de ser um fator interessante no que configura o sucesso ou carisma, passa longe de ser o elemento definidor. Parece que temos cada vez mais pessoas fascinadas com a cereja do bolo ao invés do bolo propriamente dito. Querem colher os frutos do “não sei o que” sem saber “o que”.

E onde a natureza argentina de Sally exibe os problemas, a minha natureza mercenária enxerga as oportunidades. Na hora do vamos ver, o mundo ainda precisa de quem pensa, planeja, cria e executa… A massa de imbecis que consomem só para pertencer vai usar os serviços, obedecer as regras e comprar os produtos que são impostos por quem está prestando atenção no que está fazendo. Não é o Quem Indica que resolve problemas e dita padrões, é o Quociente de Inteligência.

Posso estar beirando ao pensamento conspiratório, mas não são os políticos e personalidade célebres que fazem as escolhas. Eles simplesmente hipnotizam a massa com seus “não sei o quês”. Tem gente muito bem preparada para mexer as cordas desses bonecos por trás do cenário. Gente que com boas e más intenções aprendeu a confiar em gente inteligente e focada para conseguir o que quer. Faça o que quiser, não vai ser um ex-BBB cheio de apoio popular que vai te formular um modelo econômico brilhantemente maligno como o em voga na maioria dos países desse mundo. Transformar valor em dívidas e pegar para si a administração delas? Quem inventou o sistema bancário moderno pode ter cagado boa parte do mundo, mas foi genial. Essa ideia só pode ser atribuída a alguém com algo na cabeça além de cultura popular geral.

Claro que eu estou dando um exemplo de brilhantismo usado para o mal, mas não nos esqueçamos de gênios que ajudaram a formular teorias e a desenvolver tecnologias que fazem da maioria do mundo hoje um lugar imensamente melhor de se viver do que há cem anos atrás. Lembrando que do começo do século passado pra cá nunca houve tanta evolução da humanidade em tão pouco tempo. Einstein, por exemplo, tinha um carisma muito acima da média de outros cientistas, mas ao mesmo tempo, apresentou na prática resultados muito acima de outros cientistas. “Não sei o que” serve muito bem como perfumaria, mas não vai tratar da limpeza de porcaria nenhuma.

Vivemos num mundo bem mais complicado do que parece na parte “prática”. Estruturas complexas nos fornecem desde alimentação até mesmo informação. Precisou de gente MUITO inteligente – geração após geração – para bolar um jeito de você pedir comida pela internet, por exemplo. E ainda precisamos de profissionais bem treinados e com o cérebro bem tratado para manter a estrutura. Porra, vocês tem noção de que seu computador está ligado porque tem quantidades avassaladoras de água girando uma turbina a provavelmente milhares de quilômetros de distância? Ter a informação não basta, precisa deixar ela realmente mudar sua perspectiva das coisas.

Babacas carismáticos, puxa-sacos profissionais, chefes imbecis… esse tipo de gente está infiltrada no sistema mas não é capaz de interagir com ele. Se sua contribuição para a humanidade foi lançar uma moda de corte de cabelo, você não tem interferência real no mundo. Chegar no topo da hierarquia de uma empresa sem saber o que fazer de verdade não faz de você nada além de um parasita. Uma hora o bicho se coça. Uma hora você vai ter que mostrar se é capaz de fazer diferença… e nessa hora o mundo depende de quem não está nesse barco da superficialidade.

É aí que a empresa fale, é aí que o governo cai, é aí que alguém precisa resolver. O problema é que muita gente capaz de fazer o necessário começa a acreditar que só existe o caminho do parasita. Que não existe reconhecimento para o esforço… oras, se você vai esperar reconhecimento de outros parasitas, deu azar! Eles estão ocupados demais fazendo só o que sabem/querem. Gente capacitada que vive de resolver problemas reais e que tem interesse em ir além do menor denominador comum não só reconhece valor como anseia por ele.

Faz tempo que se fala no Brasil sobre excesso de vagas de alta qualificação. Não tem inteligência emocional que dê conta de programar um sistema do zero. Não dá para projetar um avião só conhecendo as pessoas certas. E vou além, ninguém vai escrever um livro brilhante só porque tem um amigo numa editora… O mercado da mediocridade existe sim e é mais forte do que deveria, mas se formos analisar friamente ele não é mais do que um embuste criado para distrair as pessoas que não se encaixam no perfil de quem faz esse mundo funcionar.

Ninguém precisa escolher se vale a pena seguir um caminho intelectualmente honesto para o mundo precisar de quem dê conta de suas necessidades. A demanda existe, só que costuma estar disfarçada atrás de um mar de pessoas que não querem ou nem tiveram a oportunidade de preenchê-la. E por trás de toda esse necessidade de mão de obra qualificada, ainda tem a necessidade de gente que saiba decidir, que saiba usar seu poder para conseguir resultados concretos e dê a tão desejada direção para a massa seguir.

Quem não se sente parte desse perfil de bajuladores e conformistas não consegue viver da mesma dieta parasítica. Precisa de mais. Mais responsabilidade, mais poder, mais conhecimento, mais liberdade… Precisam ganhar a vida com o “sei o que”. Não vou ficar aqui definindo se é gostar de novela ou não te que faz entrar nessa categoria, até porque na verdade ela é facultativa e não garante nada sobre seu caráter. É a vontade de ir além do batido e do preguiçoso que deveria te dizer onde você se encaixa nesse mundo.

Sou muito avesso ao discurso “você consegue”, por isso não esperem nada do tipo. Estou apenas dizendo que tem lugar sim para quem não se rebaixa, mesmo que esse lugar não resulte diretamente em mais dinheiro. Quem entende mesmo dessa coisa de ditar os rumos do mundo sabe que entre poder e dinheiro, poder sempre é melhor. E quem já achou uma escapatória para essa confusão toda vai te dizer que acima disso só mesmo a liberdade de fazer e pensar o que quiser. Se o seu dinheiro está comprando carros e joias ao invés de poder e liberdade, ele vale tanto quanto uma Lamborghini numa estrada de paralelepípedos ou um diamante num assalto.

Como as pessoas medíocres tem objetivos medíocres, sobra espaço suficiente para quem entra no sistema não pela porta dos parasitas, mas pela de serviço. Nenhum demérito aqui, quem vai fazer alguma coisa de verdade tem muito mais valor. Os imbecis não vão conseguir manter seu status a não ser que ele venha de outros imbecis. E na hora do vamos ver, são as pessoas que se importam com seu próprio desenvolvimento e com ter uma função nessa jornada humana que vão dar conta do recado.

Talvez seja miopia causada por excesso de humildade ou excesso de convivência com os parasitas, mas muita gente capaz e bem preparada simplesmente não enxerga que opera em outro nível. Que a competição com os conformistas é uma distração desnecessária e que tem como dar a volta neles usando as ferramentas que desenvolveu durante a vida. Todo mundo deve conhecer o caso de alguém muito talentoso que acabou carregando nas costas gente incompetente a vida toda por não ter coragem ou mesmo visão de se posicionar acima delas. Gente que sabe fazer um trabalho como poucos e mesmo assim sustenta multinacional que caga e anda para ela…

Às vezes parece que elas acham que o lugar delas é com os parasitas. Inteligência costuma vir com o péssimo hábito de relativizar demais as próprias habilidades. Um pouco de arrogância vai bem! Abra uma empresa, faça um curso, fale o que pensa, pinte uma porra de quadro se é isso que você quer; se você não quer ser um parasita, não entre na disputa para saber qual deles fica mais gordo! Ou pelo menos não ache que está perdendo muita coisa por não participar desse jogo medíocre, bacana mesmo é ter poder ou liberdade de “coçar fora” um ou mais deles quando quiser.

O “não sei o que” não deveria ser objetivo, deveria ser um bônus. Quem sabe o que está fazendo sabe para onde vai. Tem outro mundo além desse, o mundo que importa.

P.S.: Como eu dificilmente vou poder responder comentários hoje, já digo que não, não é uma resposta ao texto da Sally e sim um texto inspirado no dela, tanto que muitas ideias batem.

Para dizer que é fácil falar (é… e?), para dizer que não concorda porque sua habilidade não encontra vagas (nenhuma pretensão de dizer que seria fácil, isso não é auto-ajuda), ou mesmo para dizer que eu só tenho ENVEJA do seu carrão (isso mesmo, só…): somir@desfavor.com


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