Skip to main content

Eu, desfavor: Telefonema importante.

| Sally | | 84 comentários em Eu, desfavor: Telefonema importante.

eudes_ligacao

Uma das coisas que eu mais admiro na vida é a habilidade de pegar um limão e fazer uma limonada. Façamos uma limonada. A coluna Eu, Desfavor é destinada exclusivamente a contar nossos fracassos. Porque na internet, as pessoas adoram contar vitórias, exaltar qualidades e narrar grandes feitos. A gente não. A gente vem aqui contar o que há de mais patético, vergonhoso e fracassado. Divirtam-se com minha total incapacidade de esperar por um telefonema importante.

Uma das coisas mais dolorosas mesmo para pessoas que não são tão ansiosas é esperar por um telefonema importante. Felizmente isso só me aconteceu duas ou três vezes na vida, pois me refiro a IMPORTANTE MESMO. Quando ele não tem data e muitas vezes nem certeza para acontecer, como lidar com esse período de espera? Não esperem uma resposta sensata de mim, porque eu não lido bem com isso. O máximo que posso fazer por vocês é contar minhas derrotas, o ridículo que passo, para talvez te entreter. Espero que minha derrota te divirta ou te console, caso você seja tão ansioso como eu. Muitas vezes me sinto um ET e penso que apenas eu passo por isso. Se for o seu caso, sorria, tem mais gente doida no mundo.

A partir do momento em que eu tomo ciência de que POSSO (atentem que não há certeza, a mera possibilidade já basta) receber um telefonema realmente importante o celular passa a ser parte integrante do meu corpo, do qual só é possível me separar mediante intervenção cirúrgica. Mas ficar chocando o celular o dia todo não basta, isso é apenas o começo. Além de tê-lo por perto, tem outras derivações igualmente bizarras, dentre elas ficar olhando a tela para ver se o sinal está pegando e ligar para mim mesma para ver se a operadora está funcionando. Como se quem vai fazer a ligação importante não fosse fazer uma segunda ou terceira tentativa caso não consiga de primeira! Claro que vai, mas minha mente é sádica, ela me tortura sempre cogitando o pior sob a desculpa de “estar preparada” caso o pior aconteça. Sofro duas vezes: antevendo o problema e quando o problema realmente se apresenta. Sensacional.

Para minha infelicidade, fui obrigada a ter dois celulares. Lembram do filme Edward Mãos de Tesoura? Pois é, quando eu estou esperando um telefonema realmente importante eu me transformo na patética Sally Mãos de Celular. Um em cada pata, para não correr o risco de que um deles toque e eu não ouça. Como se isso fosse possível, já que nessas ocasiões eu, contrariando as normas de boa convivência e bom gosto, coloco a campainha do celular em um volume que faria o Schumacher pular da cama. Mesmo assim, fica lá a palhaça com um celular em cada mão, e não tente tirá-los de mim, porque vai ser pior do que tirar comida de cachorro. E graças a essa medida preventiva de ficar conferindo o tempo todo se o celular está pegando, eu vou detonando a bateria dele ao longo do dia, o que também me obriga a andar com dois carregadores. Parabéns, palhaça.

Mesmo em momentos onde eles não podem estar tocando meu corpo, tem que estar por perto. Na hora do banho, por exemplo. Porque a Lei de Murphy existe, e além de existir ela me adora. Fato que se eu entrar no banho sem o celular, ele vai tocar. Daí eu levo o celular para pegar vapor d’água no banheiro e encurtar sua vida útil, mesmo sabendo que se ele estiver comigo não vai tocar. E não toca, o filho da puta me dá seu desprezo mudo, silencioso. E no fundo eu acho bem-feito, por me estressar tanto por causa de um telefonema, qualquer que seja. Nada pode ter tanta importância nas nossas vidas! Daí passo o tempo nessa autoflagelação emocional: sofro porque não toca e acho bem-feito estar sofrendo, porque sei que sou uma otária.

Eventualmente, um celular toca. Mas obviamente, não era a ligação que eu estava esperando. Não importa, há uma fração de segundos entre ouvir o toque e verificar no identificador de chamadas que não é a ligação esperada, e a taquicardia desse momento deve me fazer perder uns dez minutos de vida. Tenho um mini-AVC, fico tão nervosa que não consigo disfarçar meu emocional em frangalhos quando atendo a coitada da pessoa que me ligou na melhor das intenções. Mais: eu sou tão prejudicada mentalmente, que fico com raiva da pessoa que me ligou, por não ser a ligação que eu estava esperando. Quem aqui já me ligou, por favor não fique triste, não faço por mal, é porque eu sou doida mesmo. Depois passa. Mas pior mesmo é quando uma pessoa liga, me faz ter o mini-AVC e quando atendo ela me pergunta se eu recebi o telefonema que estava esperando. Putez dupla. Mas também passa.

Desligo, apelando para o palavrão mental. Claro, não sem antes exercer um grau alto de descontrole emocional e checar se, justamente no momento em que eu estava atendendo ao telefonema indesejado, o telefonema desejado por um acaso não entrou e foi para a caixa postal. ÓBVIO que isso não aconteceu, óbvio que as chances disso ter acontecido sãos as mesmas de comer caco de vidro e cagar bola de gude, mas pessoas surtadas não respondem à lógica e ao bom senso, então eu vou e confiro, às vezes mais de uma vez, se não tem uma chamada perdida. Se ao menos eu fosse ignorante suficiente para ter esse comportamento ridículo e me autoperdoar com pensamentos como “o coração fala mais alto”. Mas não, eu sei bem a imbecilidade que estou fazendo e ainda me sinto péssima por isso. Coração meu ovo inexistente, isso se chama falta de preparo emocional. Não tem desculpa para se portar assim, é ridículo e pronto. Sim, eu sou ridícula.

Quando estou nessa situação, sempre chega um determinado momento do dia, geralmente ao final do horário comercial, em que começa a bater a desesperança. Em casos extremos eu converso com objetos inanimados e fico pedindo para o celular tocar, como se isso pudesse trazer alguma coisa boa. O máximo que pode trazer é o SAMU, com uma camisa de força, para me tirar de circulação. E com razão, gente nesse estado não merece participar da sociedade. Depois que bate a desesperança e a certeza de que naquele dia o telefonema não vem mais, vem um momento de reflexão torturante sobre o porquê do telefone não ter tocado. Racionalmente eu sei que deve ter sido porque a pessoa não teve tempo de ligar, porque surgiu um imprevisto ou qualquer motivo normal e aceitável. Mas no momento de crise, eu começo a repassar mentalmente todos os possíveis erros que eu devo ter cometido para ser merecedora daquela ignorada telefônica. E quanto mais repasso, mais erros acho.

Depois de perceber diversos erros meus, muitos deles imaginários, começo a pensar em como eu poderia ter feito tudo diferente. Ou seja, além de me açoitar mentalmente pelos meus erros, eu também me condeno porque podia ter acertado mais/melhor. Compaixão zero comigo mesma. Mas como todo maluco, mudo de opinião em uma fração de segundos e de uma merdinha toda errada, como que em um rompante, passo a Ofendida. A transição se dá em segundos. Começo a pensar “Quer saber? Todo mundo erra, porque fazer isso comigo por um erro? Isso é cruel! Eu tenho qualidades também, eu mereço esse telefonema, quem essa pessoa pensa que é?” e por aí vai. Daí eu entro em um processo meio que de ficar com raiva de quem tinha que ligar e não ligou, eu levo para o pessoal, quando na verdade o mais provável é que a bateria do telefone tenha acabado ou simplesmente ainda não seja a hora de me ligar. Me ofendo mesmo. Mas também não dura muito, pois como eu disse, maluco muda de opinião em uma fração de segundos.

Depois de sentir vergonha dos meus erros imaginários e me injuriar por uma ofensa imaginária, começa a paranoia da pessoa ter tentado se comunicar comigo por SMS ou por Whatsapp. Isto porque ambos eventualmente entregam mensagens com atraso. Chega a fase do “E se…”. E SE a pessoa me mandou uma mensagem mais cedo, a mensagem não chegou e a pessoa se ofendeu e interpretou meu silêncio como uma negativa? Não, as pessoas não são loucas como eu, mas nesse momento eu não percebo isso, porque maluco nunca acha que está maluco. A hipótese, altamente improvável, me transtorna e eu decido que tenho que dormir com o celular o mais próximo possível do meu corpo porque a mensagem atrasada imaginária pode chegar a qualquer momento. Houve tempos mais sãos em que eu colocava celular debaixo do travesseiro (sim, ESSA é minha fase sã, pasmem), mas infelizmente já aconteceu do travesseiro abafar o som e eu não ouvir tocar. Daí nasce a necessidade de criar uma nova estratégia.

Meu sono é pesado. A bem da verdade, garantia, garantia mesmo, de que eu acordaria com um telefonema seria abrir as bandas e enfiar o telefone no meio fiofó. Mas teria que estar para tocar E para vibrar, porque só tocando, não sei não. Meu sono é realmente pesado… na parte da manhã. Na parte da noite, nesses períodos, sou acometida por uma maravilhosa insônia. Sabe o que é engraçado? Quando sofro dessa insônia ansiosa e depois de muito lutar consigo dormir, no meio da madrugada e logo depois chega uma mensagem.

Eu pulo da cama com taquicardia (novamente, mini-AVC) e quando abro leio um recado babaca da minha operadora me contando sobre uma sensacional promoção da qual posso participar. Faltam palavrões no mundo para expressar como me sinto nesse momento. Voltar a dormir nem pensar, pois a adrenalina vai a mil. E jogar joguinho no celular menos ainda, pois vai acabar com a bateria. Aliás, nesses períodos de espera de telefonema, acabou Candy Crush, acabou Hungry Shark, acabou toda a distração que eu poderia ter nas filas da vida: fila de banco, supermercado, enfim, qualquer uma delas fica sofrida, penosa e tediosa. Bem feito, quem mandou ser maluca!

E já que o telefonema não veio no horário comercial, que costuma ser o horário socialmente aceitável para se ligar, começo a obcecar com o e-mail. Vai que a pessoa não conseguiu ligar por um motivo qualquer mas decidiu me mandar um e-mail? Abro meu e-mail e de tempos em tempos confiro para ver se chegou algo novo. Claro que sempre chega tudo, menos o que eu quero. Começo a ficar com medo. Nem pela fonte alternativa a pessoa entrou em contato! Porra, a pessoa não gosta de mim mesmo, eu devo ser repulsiva, eu devo ter feito algo muito errado. O cu pisca, Senhoras e Senhores. Não passa um alfinete. Se eu comer carvão, cago diamante de tão apertada que fica a situação. Pronto, está detonada a crise. Nesse ponto eu não consigo mais disfarçar socialmente nem fingir que está tudo bem. Começo a tratar as pessoas que me cercam mal, porque há uma frustração enorme dentro de mim e o simples fato de existirem outras pessoas à minha volta me irrita.

O que nos leva a um desdobramento muito legal: quando as pessoas que me cercam percebem meu estado mental e tentam me ajudar. Porque maluco não gosta de ser ajudado. Maluco reage mal à ajuda, é bom que vocês tenham isso bem claro para se pouparem de problemas na vida. Chega a pessoa e diz, na melhor das intenções: “Relaxa, tenta se distrair”. Sério? Não tinha pensado nisso! Olha… ainda bem que eu não ando armada. Sobe uma raiva… A pessoa não tem culpa nenhuma, a pessoa está bem-intencionada, mas a ira brota. Aperto os olhos em sinal de fúria. É como se você chegasse para uma pessoa que está com o brioco todo arrebentado de hemorroidas e falasse “Tenta não cagar”. NÃO DÁ, CARALHO. SE DESSE NÃO ACHAM QUE EU FARIA? A pessoa acha o que, que não me passou pela cabeça relaxar e pensar em outra coisa? Não faço porque sou maluca e não consigo. Não tá na moda essa coisa de inclusão? Ninguém manda um paraplégico relaxar e andar, ninguém manda um cego relaxar e ver, então, porra, não mandem uma maluca relaxar e se distrair! NÃO DÁ.

Quando eu posso falar sobre o assunto com quem me cerca, fico monotemática perguntando porque merdas ainda não recebi o telefonema. É uma pergunta meramente retórica, nenhuma resposta vai me satisfazer. Nada vai me satisfazer. Apenas o maldito telefonema vai me satisfazer. Mas pior é quando se trata de um assunto mais reservado. Daí é um inferno pessoal e intransferível que apenas eu e meu amigo chocolate somos obrigados a lidar. Acumule banha! Porque vai que a ligação vem justamente quando estou na academia, com som alto e eu não escuto? Encho o rabo de chocolate e hiberno, academia nem pensar. Não basta estar ansiosa, porque não ficar baranga também? O chocolate + Leite da Cacau Show deveria me proporcionar um programa de milhagens, sério mesmo, eu devo ser responsável por uma boa fatia das vendas. Se tivesse milhagem eu estaria em Paris.

Quando a situação se estende, eu começo a barganhar com o universo e pensar nos sacrifícios pessoais que eu estaria disposta a fazer para conseguir o telefonema “em troca”. Evidentemente, o universo está cagando para mim, e se não for para o telefonema vir, ele não vai vir, mesmo que eu me imponha uma série de sacrifícios. Mas a pessoa surtada não tem esse discernimento. O próximo passo é alternar momentos de altos e baixos em um surto esquizofrênico ao longo do dia: por momentos repenso todo o contexto e tenho certeza de que vou receber o telefonema, afinal, está tudo muito bem encaminhado. Mas, novamente, em uma fração de segundos, sinto uma certeza absoluta de que o telefonema não vem e encontro dezenas de bons argumentos para me convencer de que o sonho acabou.

Nesses momentos de esquizofrenia, também tendo a achar sinais de que vou ou não vou receber o telefonema. Sinais completamente equivocados, que não existem, que são fruto na minha ansiedade somada à minha loucura temporária. Se tocou a música tal, que era a mesma música que tocou quando tive uma boa notícia no passado, isso quer dizer que vão me ligar. Claro que não, quer dizer que eu estou maluca e não sei mais discernir coerência de incoerência. Uma vez, estava em uma loja quando recebi um telefonema muito esperado e como queria receber este telefonema novamente, cogitei ir sem necessidade à mesma loja “para ver se o telefone toca lá novamente”. Joguem pedras, ninguém pode jogar mais pedras em mim do que eu mesma já jogo: maluca, descontrolada e sem preparo emocional. Em momentos de desespero eu viro uma pessoa patética.

O último degrau da dignidade é stalkear a pessoa que supostamente deveria telefonar. É vergonhoso. Procuro saber se a pessoa está viva, e se ela estiver, me ofendo. O raciocínio de gente louca é assim: se fulano está vivo, poderia muito bem ter me ligado. Como se o único impedimento legítimo para alguém não ligar fosse a morte. Pessoas sãs não fazem presunções nessas horas, pois graças à sanidade mental sabem que uma infinidade de motivos que nem sequer chegaram a ser cogitados podem ter impedido ou adiado o telefonema. Mas gente louca não. Principalmente se for louca e argentina, o que talvez seja um pleonasmo, pois tudo fica mais dramático. Penso logo em morte, em tragédia e, quando vejo que não há tragédia, em vez de ficar feliz pela pessoa, me ofendo porque ela não me ligou.

Depois sinto culpa por ter me ofendido. Coisa feia. Daí fico tentando imaginar porque uma pessoa que está viva não me ligou. Recomeça todo o ciclo novamente, até receber a porra do telefonema. E se ele vier com más notícias, pior ainda, pois vou ter que reviver o mau momento inúmeras vezes contando-as para todas as pessoas que eu paunocuzei no período de espera. Vontade de sumir do mundo.

Querido leitor, espero de coração que meu descompensamento emocional te console e faça você se sentir mentalmente saudável. Quando você fizer algo vexatório ou socialmente reprovável, pense: “Pelo menos eu não sou a Sally, pelo menos eu nunca cogitei enfiar o celular no meio fiofó”.

Para passar a me tratar com muito mais respeito agora que sabe quão louca eu sou, para nunca mais prometer levianamente que vai ligar a alguém e não cumprir ou ainda para confessar com muito pesar que se identificou em vários momentos do texto: sally@desfavor.com


Comments (84)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: