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Flertando com o desastre: Calor.

| Sally | | 206 comentários em Flertando com o desastre: Calor.

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Faz calor. Faz muito calor. Não é novidade nenhuma que esteja um calor infernal nesta época do ano no Brasil, mas, como sempre, esse calor insalubre me irrita. Calor extremo é uma merda sem igual, é aquela velha conversa, você pode se proteger do frio, se agasalhar, tomar uma bebida quente, etc, mas do calor não tem como se preservar, mesmo que você fique pelado, o calor continua. Só o ar-condicionado salva. E, a menor que você ganhe muito bem, não dá para ficar com o ar-condicionado ligado o dia todo. Conclusão: meses de sofrimento, meses de indignidade, meses de mal-estar.

Uma rápida observação: muita gente no Brasil reclama de barriga cheia do calor. Baianos, por exemplo, chiam sem motivo: 35° com umidade relativa do ar baixa e ventinho fresco é algo perfeitamente tolerável, eu posso dizer, eu morei lá. Eu escrevo este texto é para os infelizes que estão em locais com temperatura e umidade relativa do ar altos, como por exemplo, Rio de Janeiro e Manaus, onde essa desgraça fica em torno de 70%. Calor em clima seco é ruim, mas nem se compara a calor em clima úmido. Se você acha que sabe o que é calor, experimenta passar calor com umidade relativa do ar a 70%. Calor de verdade, Meus Queridos, tem um marcador bem delimitado, um tira-teima emblemático, um marco inconfundível: no calor de verdade você sente seu cu suar.

Tudo fica difícil no calor, até piscar é um esforço. Você tem que passar o dia todo sujo, porque para mim, quem está empapado de suor, está sujo. Dez minutos depois de sair do banho a pessoa já está suando. No caminho do trabalho a pessoa já está toda desfeita. Coitada da mulher que tem que trabalha maquiada, chega ao trabalho parecendo um panda, com duas bolas pretas em volta dos olhos, ou pior, chega tão borrada que um colega olha e pergunta “Why so serious?”. Se a pessoa tiver pernas grossas, as coxas roçam uma na outra provocando assaduras. Aliás, dependendo do tempo de exposição ao calor podem surgir assaduras em locais menos nobres do que as coxas. Assaduras, brotoejas e todo tipo de pereba, porque micoses e cia adoram um calor. Quem tem que trabalhar o dia todo com sapato fechado periga chegar em casa e encontrar um champignon nascendo no dedão quando tira o sapato.

E os odores? Todos se acentuam no calor: chulé, cecê, cheiro de saco… tudo fica mais forte. Parece que o corpo azeda! E não é apenas o corpo que azeda… Calor faz a comida estragar na velocidade da luz, o que nos obriga a tomar cuidado redobrado com o que comemos e onde comemos. Ainda assim, o risco de uma bela dor de barriga é constante, pois mesmo que a comida seja preparada com cuidado, nunca sabemos como esses alimentos foram armazenados e transportados até chegarem à nossa casa ou ao restaurante. Ou você come apenas Cheetos o dia todo ou pensa com carinho em abolir parte de baixo de cor clara na sua roupa. Até os peidos fedem mais no verão.

E por falar em roupa… as pessoas não conseguem se vestir bem no calor. E mesmo que sejam obrigadas a isso, como os pobres advogados sufocados em ternos, continuam indignos, suados, com pizza de suor debaixo do braço, descabelados, molhados. Falando em descabelados, o calor gera uma indignidade capilar: cabelo melado, oleoso ou com frizz são constantes nas altas temperaturas. O mix de suor com oleosidade obriga seres humanos higiênicos a lavar os cabelos todos os dias e, para nós, mulheres, surge o Paradoxo do Secador. Você toma banho, sai com o corpo e o cabelo limpos. Se dormir com o cabelo molhado, Amiga Calcinha, você sabe que no dia seguinte o cabelo acorda uma merda, todo marcado, numa vibe Maria Bethânia, sem contar que faz mal. Porém se você secar com secador, quando acaba de secar, suou tanto que precisa de outro banho. Se a mãe natureza fosse sábia, faria com que todos os cabelos caíssem no verão e só voltassem a crescer quando a temperatura caísse abaixo dos 20°. Nem sobrancelha eu queria no verão!

Onde faz calor, onde faz realmente calor, nem a chuva é um consolo. Primeiro porque chove e não refresca porra nenhuma, muito pelo contrário, fica mais abafado, segundo porque ainda por cima tem que fechar as janelas, já que as rajadas de vento tropical levam a chuva toda para dentro da casa molhando eletrônicos e eletrodomésticos. Daí a pessoa fica com a janela fechada, com um abafado maior ainda, sentindo o cu suar. Não há existência digna, não há felicidade em meio a um calor desses. Se você usa óculos, foi premiado com um bônus extra: sentir seu óculos embaçando no calor, que felicidade!

Quem não sabe o que é calor de verdade, pode até sugerir que se tome um banho para refrescar nesses momentos críticos. Pois é, o problema é que você abre a torneira de água fria e a água sai quente. Os canos, que muitas vezes são de metal, esquentam com o calor e consequentemente esquentam a água. O concreto das construções também esquenta durante o dia e esse calor perdura na parte da noite, emanando das paredes da sua casa. Parece que tem uma lareira do outro lado da parede, muitas vezes nem mesmo um ar-condicionado consegue resfriar um cômodo que tomou sol o dia todo. E nem vou falar do calor que emana das calçadas e do asfalto.

O que é entrar em um carro em um dia de calor? Se o carro ficou ao sol, pode se preparar para sentir o cu suar hardcore, porque vai demorar para que o ar-condicionado dê conta do recado. Muitas vezes não se pode nem pegar no volante ou sentar no banco, se este for de couro. Surge o dilema: o carro vai resfriar mais rápido se estiver em movimento, porém para isso você vai ter que se esturricar lá dentro amargando uns longos minutos de fornalha. Por mais que você entre e faça cosplay de judeu em Auschwitz, por mais que você queime a bunda e queime as mãos no volante para lograr um resfriamento mais célere, quando o carro finalmente resfriar seu layout será deplorável. E se, por um azar, no seu percurso o sol bater de frente no seu carro, não vai ter ar que dê jeito. E não quero nem começar a falar de desafortunados como eu, que andam de transporte público. Roçar e ser roçado por estranhos já seria suficientemente nojento, por estranhos suados é intolerável.

Além das já citadas perebas, temos os animais que entram em frenesi no verão. Bichos que se hospedam na gente, como piolhos que pulam da cabeça de uma criança para a nossa com a maior facilidade do mundo, parasitas intestinais e amebas que dançam valsa na suposta água mineral que você comprou, achando que era mineral, mas na verdade era um ponche de privada, uma garrafa plástica que o popular encheu no banheiro de casa e te vendeu na maior cara de pau no meio daquele engarrafamento. Tem também os animais que não nos habitam, mas igualmente no incomodam. Comecemos pelo mosquito. No calor os mosquitos parecem entrar no cio, surtar. Há mosquitos por todos os lados e no Rio de Janeiro, eles podem ser do tamanho de andorinhas! Não vou me espantar se um dia me deparar com um mosquito chegando em bicicleta. Mas a pergunta que não quer calar é: por que merdas ele vem zumbir nos nossos ouvidos? Quer me picar? Ok, vá em frente, me pique, mas porra, não fique zumbindo no meu ouvido quando eu estou dormindo!

Daí vem outra categoria de bichos que brotam do nada no verão: aqueles que nos causam nojo. Eles não nos habitam e tecnicamente não nos fazem mal, mas geram asco. Baratas, lagartixas, ratos, morcegos e cia se fazem presentes em temperaturas altas e nem sempre existe uma presença humana destemida o bastante para dar cabo deles. A solução mais “boa, bonita e barata” é colocar uma bela tela de metal nas janelas e vedações de borracha na parte de baixo das portas, impedindo que estas pestes entrem. Mas, ainda assim, sempre se corre o risco de dar de cara com um desses, e como a Lei de Murphy não falha, vai ser bem no meio da madrugada, quando você estiver indo ao banheiro. Você vai ver o bicho, ter aquele mini-AVC que apenas os fóbicos sabem como é e depois não vai mais conseguir dormir, passando as mãos nas costas em um surto de “ela está em mim”, com o corpo inundado pela adrenalina. Ah sim, no dia seguinte a esses eventos sempre tem uma reunião importante no trabalho.

Há quem diga que no verão existe o privilégio de ir à praia. Bem, supondo que a pessoa more em um local com praia, nem sempre é um prazer. Aliás, quase nunca. No verão as praias ficam abarrotadas, o que gera uma série de desdobramentos nefastos: trânsito para chegar, trânsito para ir embora, a difícil arte da convivência com todo tipo de pessoa nas proximidades, incluindo aí aqueles que ouvem música hedionda em alto e bom som, crianças que correm e te cobrem de areia e porcos de toda a espécie. Se a praia não estiver imprópria, talvez você escape de uma insolação e consiga dar um mergulho, caso contrário, vai ter que ficar se melando de protetor solar, (porque aparentemente estamos bem debaixo do buraco da camada de Ozônio) e vendo os grãos de areia colando em você, tal qual bife à milanesa. Será que realmente compensa?

Tem também quem argumente que piscina é uma opção divertida. Só se você for rico e tiver a sua casa, com a sua piscina e não precisar cuidar dela. Porque piscinas comunitárias são um convite à urina alheia. Não, não são só as crianças que mijam na piscina e aquela lenda urbana da substância que se coloca na água deixando-a rosa quando uma pessoa mija já foi desmentida empiricamente por mijões desavergonhados, de modo a que atualmente nada freia a bexiga alheia. Além disso piscinas costumam estar sempre cheias de crianças berrando e de uns tempos para cá vem acontecendo acidentes preocupantes em ralos, coisas de deixar Chuck Palahniuk com inveja (obrigada, Deja, mais uma vez, por ter me feito ler aquela coisa chamada Guts).

Até os animais de estimação sofrem com o calor. Seu cão te olha com cara de “Filho da puta, porque você não mora na Europa” e o gato se mexe tão pouco que de tempos em tempos você chega a cutucar para ver se está realmente vivo. Se os animais forem peludos a coisa é pior ainda: o cão vira peso de porta e o gato peso de papel, não se mexem para nada o dia todo. Tenha certeza que o cu do seu pet também está suando e ele não está nada feliz com isso. E o cheirinho dos bichos no calor? Xixi de gato vira gás Sarin e ao se aproximar do cachorro você tem a sensação de estar se aproximando da jaula do elefante do zoológico. Quem tem bichos mais exóticos periga ser obrigado a deixar um ar-condicionado ligado ou ver o bicho morrer, como aconteceu com um colega meu que teve a brilhante ideia de criar Chinchilas no Rio de Janeiro.

O que se faz em dias de calor extremo, esse calor nocivo que provoca a sudorese anal? Pessoas civilizadas tendem a exigir ar-condicionado para frequentar os lugares, o que acaba por arrastar uma massa de pessoas ao infernal shopping center, mais ainda por se tratar de período de férias escolares. Você vai ao shopping, lotado, apenas para parasitar o ar-condicionado deles. Se estiver mal de grana, senta e toma um café e fica lendo, teclando ou jogando joguinho de celular por seis horas seguidas. Se estiver muito mal de dinheiro, nem isso, fica rodando ou sentado nos banquinhos comunitários esperando o sol se por, para quem sabe assim, conseguir sair na rua sem ter a sensação de que enfiaram um maçarico do seu rabo. O problema é que todo mundo parece ter a mesma ideia brilhante que você: os shoppings ficam abarrotados e o suplício para chegar neles muitas vezes não faz valer a pena a viagem.

E a antipatia que o calor provoca? Como dizer a alguém que você não vai passar um final de semana na casa de praia da pessoa porque não tem ar-condicionado no quarto e você não vai conseguir dormir com o mix de cu suando, mosquitos e demais animais que possam aparecer em decorrência do bafo quente? Não pode, soa antipático, soa elitista. E nem precisa ser viagem, eu já deixei de dormir na casa de pessoas apenas por uma noite porque não havia ar-condicionado. Feio, muito feio, não me orgulho disso, mas porra, eu odeio sentir meu cu suar. Se você fala a verdade, é quase que certo da pessoa se ofender. Se você mente, fica escravo da mentira e precisa inventar uma mentira nova a cada convite. Pessoas, por caridade, se vocês não tem ar-condicionado não convidem seres humanos para dormirem na sua casa quando fizer um calor de 50°, quanto mais gente, mais quente fica. Melhor que cada um fique na sua casa, ainda que ambos estejam sem ar-condicionado.

Nesse exato momento existe algum pobre (não necessariamente de dinheiro, pobre de espírito mesmo) pensando que ar-condicionado é luxo, é frescura, é dondoquice e dizendo que na sua casa não tem ar mas tem ventilador. Dá licença que agora eu vou soltar um parágrafo de fúria. Onde que ventilador refresca alguma merda quando a temperatura está acima dos 40°? O ventilador joga AR QUENTE em você, é como se você estivesse no inferno com o diabo dando baforadas na sua cara! Chamem de elitista, joguem pedras, ventilador não adianta porra nenhuma em dias de calor intenso, quem gasta dinheiro com ventilador é demente. Muito menos se for aquela porra de ventilador de teto. Gente, o que é aquilo? Primeiro que ninguém que compra chama uma pessoa competente para instalar, ou instalam eles mesmos ou chamam um quebra-galho tipo um porteiro do naipe do Navalha. Daí o troço roda E balança ao mesmo tempo e ninguém parece se incomodar com isso! Uma hora essa merda vai cair, porque quem instalou provavelmente não o fez direito. E o ventinho bosta que joga? Aquilo não refresca NADA, NA-DA, não vale o risco da queda futura e certa. Recado para quem comprou ventilador: enfia hélice por hélice do ventilador na tarraqueta, que é um desaforo dizer que o quarto fica “fresquinho” quando liga o ventilador!

Ok, tópico delicado. O que é fazer sexo em um calor escaldante? Gente, é no mínimo de mau gosto. Pessoas que normalmente ficariam suadas ficam empapadas, não há desodorante que aguente. Você abraça a pessoa e os corpos fazem uma espécie de vácuo, tipo uma ventosa, colados pelo calor. Isso quando esse vácuo não cria um constrangedor som que se assemelha a um micro-peido. Sexo um evento que normalmente já eleva a temperatura corporal, imagina como não fica um ser humano quando se presta a isso em um dia de calor infernal? Tem que ser estilo maratonista, com uma pessoa ao lado da cama distribuindo isotônico aos participantes ao longo do ato, se não alguém vai desmaiar ou desidratar! E o cu lá, suando… suaaando… Por favor, não dá para fazer NADA com o cu suando, nem mesmo coisas que requerem zero esforço, tipo jogar Candy Crush ou ler um Siago Tomir. O mesmo princípio vale para atividades físicas não sexuais. Muita gente diz que no inverno sente preguiça de malhar e eu os acho loucos. Preguiça de malhar é no verão escaldante, onde qualquer esforço físico fica maior. Malhar no inverso é uma delícia, no verão é um inferno.

Não sei se é meu DNA portenho gritando “Você não está no seu habitat natural, você não está preparada para isso, volte para a neve ou você vai morrer!” ou se mais gente se sente assim no verão, o fato é que eu odeio essa estação dos infernos. Quero dizer, a estação não tem culpa, a culpa é do calor úmido de 50°, porque um verão NORMAL não chega a isso. O fato é que passo mal, sofro com pressão baixa, desmaio na rua e acabo voltando para casa depois de passar pelo colo de uns quatro ou cinco negões que me carregam e me desovam na minha portaria. Fico mole, cansada, indisposta e mal-humorada. A impressão que tenho é que o brasileiro (ou talvez o carioca) seja movido a energia solar: quando sai o sol eles ficam todos contentes, ativos, cheios de energia, enquanto eu automaticamente me entoco.

E, como sempre, o Brasil quanto mais perto da Argentina, mais civilizado fica: quanto mais você desce, mais as pessoas sofrem e odeiam o calor. Mas quanto mais se sobe, mais bonito acham. Aff… chega de endeusar essa estação de sofrimento e desconforto, só mesmo um bando de portugueses para colocar a capital do Brasil na porra inabitável que é o Rio de Janeiro. Chega de cantar em prosa e verso “Riiio quarenta graaaaux” como se fosse um puta privilégio morar em um caldeirão do diabo onde tem essa temperatura! Calor acima de 40° é bizarro, é incapacitante e se fossemos pessoas civilizadas o Rio de Janeiro estaria intacto, repleto de Mata Atlântica, porque saberíamos que é um lugar no qual é inviável ficar residência.

Foda-se o verão, foda-se a gente bronzeada mostrando seu valor, eu só quero que essa estação infernal acabe para que meu cuzinho volte a ficar como deve estar: seco.

Para recriminar os palavrões desnecessários e descobrir que foram recursos propositais, para ecoar seu grito de liberdade e reclamar você também do verão ou ainda para dizer que eu sinto muito calor porque sou obesa: sally@desfavor.com


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