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Somir Surtado: Entubando a Lulu.

| Somir | | 59 comentários em Somir Surtado: Entubando a Lulu.

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A polêmica já era grande: Um aplicativo para que mulheres avaliassem os homens (que pegaram ou não) de forma anônima, tudo linkado com o perfil deles no Facebook, e além disso a “vingança” masculina já está a caminho. Com o inquérito aberto pelo já famoso analfabeto digital Ministério Público tupiniquim, ficou maior ainda. Claro que existem várias implicações éticas, morais e legais nessa história toda, mas eu quero me concentrar num ponto bem específico: Bem feito!

Tomara que toda essa horda de cretinos tão ávidos por evadir sua privacidade na internet tenha pesadelos e mais pesadelos com as consequências disso. Muito fácil pagar de quem não tem nada a esconder se você tem controle sobre a informação que vai exibir… Só que dessa vez não são as coisas que você quer contar ou as fotos que você quer que vejam, é juízo de valor alheio sem filtros. Seja lá a intenção de quem te julga.

A sanha por se mostrar vem com uma contraparte: O escrutínio alheio. Isso molda muitas das atitudes e opiniões de uma pessoa enquanto online, a pose e a conformidade são essenciais para minimizar a possibilidade de reações negativas de seus contatos presentes ou futuros. Gente medíocre já adora se concentrar apenas em pessoas, quando podem fazê-lo do conforto de sua casa ou com a praticidade de seu celular ou tablet, elas piram!

E como nada mais fácil do que criticar alguém por não se adequar ao bando, temos milhões e milhões de pessoas com personalidades duplas na internet: A persona online e real. A online adora repetir o comportamento do grupo e tende a se valorizar apenas pelos menores denominadores comuns humanos. Afinal, ninguém vai “ficar com inveja” do sábado à noite que você passou lendo um livro. Bacana é balada, bebida e bobagens.

Ao mesmo tempo que as pessoas ganham mais espaço para aparecer na internet, ficam mais parecidas entre si. Não somos – humanidade como um todo – criativos o suficiente para criar novos parâmetros de julgamento nesse processo de globalização virtual recente. Ficamos basicamente com os mesmos, agora expostos em pixels e hashtags.

Mas ainda havia o esconderijo da vida real. Um lugar onde não parecer virtualmente idêntico a todas as outras pessoas ainda era permitido. O horizonte não parece nada promissor para esse povo todo que pulou de cabeça na exposição virtual… Cada vez mais as pessoas estão conectadas, cada vez mais essas duas vidas se cruzam.

E quando o escrutínio público alcança o que acontece entre quatro paredes, a evasão de privacidade cobra seu preço novamente: Pose e conformidade. Gente que valoriza a preservação da própria intimidade vai continuar livre para se divertir da forma como achar melhor, aqueles que enchem a boca para falar que não tem nada a esconder, nem tanto…

Imagina! Imagina só um casal de duas pessoas que se abrem todas no Facebook tentando fazer sexo… Gozar? O importante é garantir a curtida! Melhor parar sua criatividade sexual no Halls preto, porque qualquer ideia ou sugestão mal aceita pela outra parte pode acabar como uma hashtag genérica depreciativa. Não estou me concentrando apenas nesses aplicativos “da moda”, estou falando de uma invasão cada vez maior sobre a privacidade das pessoas. Invasão aceita como a coisa mais normal do mundo.

Cagou? Agora senta em cima. Eu acho o máximo que comecem a pagar esse preço por estragarem boa parte da graça da internet. Não queria seus cornos estampados na tela de todo mundo? Agora segura a bronca. A internet vai entrar no seu quarto e te julgar com aquela (falta de) sabedoria peculiar das multidões.

Anos e anos de valorização sistemática do “quem diz” ao invés do “que diz” nos levam a esse ponto. Se um número considerável de pessoas disser uma coisa, passa como verdade. Divirtam-se lendo #pintopequeno ou #cheirodebacalhau ao lado de suas fotos e perfis online. E ninguém interessado o suficiente para saber a verdade. Eu vou estar aqui, anônimo, rindo muito enquanto vocês coçam a cabeça tentando entender onde tudo deu errado.

Ter que se controlar para passar a imagem mais popular o tempo todo é uma prisão sem grades na qual boa parte da humanidade parece ávida em habitar. Quando eu digo “BEM FEITO!” para esse povo todo entrando em parafuso por causa de resenhas sobre sua intimidade expostas na internet, na verdade espero que isso ensine uma lição. Vou esperar sentado, mas não custa torcer.

Domínio público das suas informações é isso mesmo, é a lei da conformidade aprisionando sua individualidade sob o pretexto de te conectar com mais pessoas. Não sei de onde saiu essa ideia de que é grandes coisas ter informações pessoais divulgadas para milhares de pessoas, mas ela já está tão solidificada na cabeça das pessoas que só mesmo um grande susto para colocá-la em xeque.

Já escrevi antes numa coluna dessas, mas não custa repetir: Jovens de países onde a cultura da internet chegou mais cedo estão cada vez mais ariscos ao conceito de redes sociais como o Facebook. Já começou a cair a ficha de que sua privacidade é um bem que se divide apenas com quem realmente interessa. Claro que ainda é uma gota num oceano de deslumbramento com a era da comunicação, mas nunca duvide do poder dos adolescentes de rejeitar as coisas que os adultos fazem. Não que isso vá retornar a internet aos seus gloriosos dias de anonimato quase que mandatório, mas tudo bem, vida que segue.

Você pode até achar que aplicativos como Lulu e Tubby vão causar ainda mais repulsa pelo conceito de anonimato na internet, mas não se esqueça que essa é uma experiência que contempla pedra e vidraça. De um lado tem quem é exposto, do outro tem quem sente o gostinho do falar o que quer sem se expor. E essa “proteção da fonte” é 99% do apelo. Se os comentários deixarem de ser anônimos, os aplicativos somem no dia seguinte.

Estou batendo nessa tecla há alguns anos já, mas começa a se confirmar a previsão de que a era das redes sociais também tem sua data de validade. Quanto mais gente apanhar por causa de excesso de exposição e mais gente perceber como é liberador não ter que se conformar para expor uma opinião, mais gente vai enxergar que não há nada cobrindo a bunda branca do rei.

Bem feito! Não tem nenhum inocente se fodendo nessa jogada toda. E talvez até recuperemos um pouco do tempo perdido com essa babaquice toda de excesso de exposição nas redes sociais. Agora com licença que eu vou pegar a pipoca… #sefodeai

Para dizer que eu só não ligo para esse aplicativo porque não como ninguém, para perguntar como eu me sentiria se fosse com alguém da minha família, ou mesmo para me pedir para passar a pipoca: somir@desfavor.com


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