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Flertando com o desastre: FOMO

| Sally | | 133 comentários em Flertando com o desastre: FOMO

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Eu sei que já falei disso outras vezes, mas a situação continua se agravando e, enquanto a situação continuar se agravando, eu vou continuar falando, mesmo sabendo que em larga escala este texto não vai fazer a menor diferença. Bem, o Brasileiro Médio que se dane, dele nós já desistimos faz tempo. Mas vocês, ahhh vocês… Vocês podem refletir.

A sociedade está doente e a doença se chama Rede Social. Mais do que o já falado “uso incorreto”, acredito que agora estejamos diante de um uso compulsivo, uma forma bizarra de vício, uma dependência para a qual não há tratamento porque não se reconhece como uma dependência legítima. Uma parcela significativa da sociedade brasileira, que antes fazia uso de rede social por vaidade, vingança ou para fofoca, agora está viciada em redes sociais e não consegue sair delas mesmo se quiser.

Como todo viciado, estes viciados vão te dizer que param a hora que quiserem. Como todo viciado, estes viciados vão inventar um pretexto socialmente aceitável para continuar perpetrando seu vício. Dirão que usam para falar com os amigos, como se não houvesse outra forma de comunicação gratuita. Dirão que usam para fazer contatos de trabalho, como se não fizessem uso em seus horários de lazer. Dirão qualquer coisa, mas não abrirão mão de suas redes sociais, e passarão cada vez mais tempo nelas, tempo este que se retira do aprimoramento pessoal, da família, dos estudos e dos próprios amigos, para ser mal utilizado e obter nada ou quase nada em retorno.

A necessidade de estar sempre conectado, sempre checando redes sociais com medo de estar perdendo algo já tem até um nome: FOMO, do inglês, Fear of Missing Out (tradução desfavorável: medo de ficar por fora). No português, colocaram um nome bem estranho: Porforofobia, a fobia te “estar por fora”. Usarei o nome em inglês, que é muito mais digno. Pois bem, a pessoa que sofre de FOMO tem medo de que justamente quando ela esteja desconectada aconteça algo nas redes sociais e que ela fique por fora disso. Pessoas “normais” não teriam esse medo, mas as pessoas sugadas pelo mecanismo de funcionamento das redes sociais, onde parecer lindo, feliz e bem sucedido é o que mais importa, temem o “estar por fora”. Quem está por fora não é descolado, não é cool, não é admirado. Quem está por fora é um excluído.

Tal qual adolescentes, ou até mesmo crianças, essas pessoas precisam do olhar do outro para determinar seu valor. Por isso buscam nas redes sociais uma eterna aprovação ostentando uma vida muitas vezes falsa, em busca de uma admiração que determinará como a pessoa pode se sentir a respeito de si mesma. São pessoas que não sabem o seu valor por elas mesmas, precisam que a sociedade as enquadre em um status, em uma escala. Por isso, tal qual adolescentes, elas procuram sempre copiar o bando ao qual se sentem inseridas, em busca de aceitação. Imitam ou se espelham em alguns formadores de opinião daquele “bando”, sem nem ao menos refletir sobre o que estão fazendo e vão vivendo uma vida virtual que muitas vezes lhes toma mais tempo e energia do que a vida real. É essencial para elas estarem sempre presentes, sempre sendo vistas, sempre cientes de tudo.

Estabelecido este mecanismo perverso de funcionamento, as pessoas acometidas de FOMO sentem uma angustia enorme quando passam muito tempo desconectadas, pensando no que está acontecendo, no que está sendo dito, no que estão perdendo. Mais ou menos aquela sensação que a gente sentia na adolescência, quando nossos pais não nos deixavam ir a uma festinha de um colega, a um show ou a qualquer evento onde todo mundo ia. Sabíamos que iríamos ficar “por fora”, meio que excluídos ou até marginalizados e que isso interferiria no nosso status social perante o bando. Só que nós éramos adolescentes, criaturas bobas, imaturas e inseguras. Não se espera esse comportamento de um bando de adultos com profissão e família. Porém, infelizmente, está acontecendo.

Pessoas experimentam uma angústia terrível se ficam muito tempo desconectadas e isso tem desdobramentos cretinos, como por exemplo, acessarem redes sociais nos lugares mais inconvenientes, nas piores horas, sendo rudes com pessoas que mereciam sua total atenção ou até mesmo descuidando de sua própria segurança (sim, tem gente tão viciada que twitta enquanto dirige). Como sempre, na batalha entre o bom senso e o prazer, entre o vício e a razão, vence o pior dos lados. O ser humano é um fraco que sempre tendeu ao vício, à destruição. A situação se agrava porque, ao contrário de drogas, este vício é lícito, é socialmente aceito e se tolera que seja camuflado, que seja coberto por um manto de razões nobres: “estou trabalhando” ou “é rapidinho” ou “é a única forma que tenho de falar com meus amigos”. Um pacto perverso de uma maioria que se beneficia com ele.

E por falar em amigos, muito se fala neles, mas… quem será que são esses amigos de redes sociais? Na minha opinião, em sua maioria, são pessoas que alimentam mutuamente uma neurose por atenção e culto ao ego, estariam mais para troca de favores. Mas se escancarar que é troca de favores, perde o valor, tem que maquiar para que o ego se sinta elogiado. A pessoa te elogia porque você é “LIIIINDAAAAAAA!” e não porque espera um elogio seu de volta. Que porra de amigos são esses que a pessoa tem medo de perder contato se deletar suas redes sociais? No meu conceito de amizade isso não acontece. Será que essa amizade persistiria se o suposto amigo parasse de fazer a manutenção dessa massagem de ego, deixasse de alimentar as necessidades do bando ou até mesmo fosse de encontro a elas? Provavelmente não. São pessoas que elogiam as suas fotos em troca de que você elogie as delas, salvo honrosas exceções. E isso, para mim, passa bem longe do conceito de amizade.

Mas vamos lá, vamos supor que sejam realmente amigos, porque meu ponto aqui nem é criticar as amizades de redes sociais. Sobre o que se conversa com esses “amigos”? Dificilmente se fala sobre algum assunto, hoje em dia, as pessoas viraram assunto. Se fala sobre pessoas, SÓ sobre pessoas, o que é de uma mediocridade que dói. Não importa se é sobre si mesmo ou sobre um terceiro famoso ou não, quase sempre são assuntos desinteressantes: o que a pessoa comprou, o que a pessoa comeu, onde a pessoa está, com quem a pessoa está se relacionando, o que a pessoa está usando… Sério que tem gente com medo de ficar desconectada e perder ISSO? Que triste. QUE TRISTE.

Muitas vezes me perguntei porque tantas informações desnecessárias em redes sociais. Por muito tempo achei que era egocentrismo, mas hoje tenho algumas dúvidas. Uma massa full time conectada por medo de ficar por fora demanda informação nova constantemente, caso contrário, ficariam todos ali, em silêncio, esperando que algo relevante aconteça. A verdade é que o mundo segue no seu ritmo, não anda nem mais rápido, nem mais devagar só porque o ser humano está em surto, e coisas relevantes não acontecem minuto a minuto. Ninguém tem dezenas de notícias interessantes sobre o mundo ou sobre si mesmo para postar durante todo o dia. Resultado: na ânsia por estar sempre conectada, sempre sendo vista, sempre sendo lembrada, a pessoa abre mão do bom senso na escolha das informações que vai postar e começa a apelar. Posta o que comeu, posta se está com diarreia, posta se peidou, posta se peidou molhado e sujou a calças. Muita gente perdeu o filtro nessa ânsia de se fazer sempre presente. É por isso que meu veículo é o blog: UMA intervenção relevante por dia eu garanto, mais do que isso não.

Assim, estas pessoas são duplamente vítimas: não conseguem ficar desconectadas sem ler o que está acontecendo pois sentem essa imensa angústia de estarem por fora e não conseguem mais ter um pingo de privacidade e intimidade por estarem sempre se expondo para serem lembradas e vistas. Graças a esse círculo vicioso, vão, sem se dar conta, aos poucos, abrindo mão de tempo útil que poderia ser muito mais bem gasto. Começa com dez minutos na hora do almoço, que não faz mal nenhum, e quando a pessoa percebe, está na mesa de jantar ignorando a família que está presente à sua frente, usando uma rede social. Sei que são pessoas dignas de pena, cabeça fraca, sugadas por um mecanismo que escraviza gente com baixa autoestima que precisa de alimento para o ego e aceitação compulsivamente e que o certo seria ter pena. Mas eu não consigo mais sentir pena destas pessoas, alterno desgosto e raiva e tendo a me afastar. O problema é: sinto que vou acabar sozinha, porque estas pessoas aumentam a cada dia. Há quem me acuse de falta de jogo de cintura, de me adaptar aos “novos tempos”. Eu, como boa advogada que sou, primo pelo princípio do não retrocesso. Desculpa, mas eu não vou entrar nessa.

Em um mundo de loucos, quem é normal acaba internado com uma camisa de força. Fiz um teste nos últimos meses, vocês sabem, eu estou sempre fazendo dessas experiências antropológicas. Soltei nos mais diversos ambientes, dentro de um contexto coerente e não-forçado que a) eu não acredito em Deus e b) Eu não tenho nenhuma rede social e não pretendo ter. Durante muitos anos, aprendi que divulgar meu ateísmo era o que havia de mais bombástico e recriminável sobre a minha pessoa e o que mais me fechava portas. Pois bem, hoje lhes digo com bastante certeza ser contra redes sociais é um fator de exclusão e reprovação social muito mais forte do que não acreditar em Deus. Isso mesmo, um ateu que socializa no Twitter, Facebook e cia está muito mais inserido do que um católico que se recusa a abrir uma rede social. Surge um novo ateísmo: o ateísmo digital. Se você não acredita em redes sociais, deve ter algo muito errado com você. Ou você tem algo grave a esconder, ou você é autista ou simplesmente uma pessoa muito estranha. Você não é bem vindo no bando que hoje compõe a maior parte da sociedade brasileira. Até em entrevistas de trabalho isso depõe contra você.

A tristeza só aumenta quando constatamos que pessoas com as quais um dia tivemos afinidade foram sugadas por essa “religião” que se tornaram as redes sociais. Tal qual um vocalista de uma banda de rock que joga fora um enorme talento virando evangélico e parando de cantar (eu ainda sinto falta da banda Raimundos, não sei se deu para perceber), amigos que eu considerava cabeças pensantes estão se perdendo nessa imensidão de vazio que é o culto às redes sociais. Não os recrimino somente por terem redes sociais e sim em função do uso que fazem delas. Gente que passa o dia enfiada nesse buraco negro intelectual comentando NADA full time e graças a esse monopólio só sabe falar de Meme, de viral, vida alheia e outras coisas que não me interessam. Gente que, sem se dar conta, tira tempo de áreas importantes de sua vida, e investe, ainda que de forma bem fragmentada, em redes sociais, ou seja, em NADA. Gente que está perdendo seu poder de questionamento e, por consequência, deixando sua inteligência atrofiar.

É a clássica teoria do sapo na panela de água quente: se você joga um sapo em uma panela de água fervendo, ele pula e foge. Mas se você coloca ele em uma panela de água fria e vai aquecendo aos poucos, ele morre queimado sem sair. Se, no primeiro momento em que surgiu uma rede social, alguém convidasse uma dessas pessoas para entrar dizendo “Entra aqui, é para você ficar 8h por dia online”, provavelmente a pessoa teria recusado, dizendo que não tinha tempo para isso. Mas ela entrou planejando ficar 15 minutos, meia hora (o ser humano se engana e se auto-perdoa com uma facilidade absurda). Com o tempo, como todo vício, a coisa foi crescendo aos poucos e o “só mais meia horinha não vai fazer mal” toma a vida da pessoa, até ela chegar ao ridículo de checar redes sociais durante todo o seu dia.

Hoje, temos aos montes pessoas acometidas pelo FOMO, que nem ao menos devem ter noção de sua condição, para as quais não há diálogo possível, pois se lerem este texto vão me chamar de maluca, histérica, exagerada, mal amada ou qualquer coisa pessoal que desqualifique meus argumentos. Pessoas viciadas em redes sociais só falam sobre pessoas, não sabem argumentar em abstrato ou falar sobre situações: “deve ter sido chifrada em rede social por isso está com raiva”. Essa é a capacidade argumentativa. Pessoas que estão emburacadas em uma rotina viciante que não lhes acrescenta nada e não apenas não conseguem sair dela, como ainda nem tem consciência de que não conseguem sair dela. Mediocrização social em larga escala. Viciados que acham seu vício o máximo e não tem qualquer condição emocional de perceber o quanto ele pode ser nocivo, que desaprenderam quais coisas são realmente importantes na vida. Gente que não acorda até que seja tarde demais e perca algo realmente importante por causa do seu vício.

Se você acha que essa história de FOMO é besteira, eu te faço um convite: fique uma semana, apenas UMA SEMANA, sem acessar qualquer rede social. Nem o seu perfil, nem para ler, mesmo que não esteja logado. Simplesmente fique uma semana, apenas uma semana, sem abrir qualquer rede social. Caso você não sinta angústia, urgência em fazê-lo, sentimento de exclusão, ansiedade ou coisas do tipo, eu posso até acreditar que você não é um viciado. Mas não vale inventar desculpas para abrir, mesmo que seja rapidinho (“preciso ver um recado, é coisa do trabalho” e etc). Tem que ser uma semana completa sem acessar, seja como usuário, seja como espectador. Peço a quem fizer o teste que me conte o resultado nos comentários.

Admitir que existe um vício é meio caminho andado para solucionar o problema, há décadas que as principais instituições de tratamento para viciados pregam essa verdade. O mundo mudou, e, com novas dinâmicas de relacionamento, surgiram novos problemas. Viciado não é apenas aquele dependente de uma substância química qualquer, isso é conceito dos anos 80. Hoje podemos ter viciados comportamentais, que negam seu vício se apegando a esse conceito equivocado. Como todo viciado, geram dor e sofrimento a aqueles que os cercam. Não, eles não vendem os eletrodomésticos para comprar a droga, mas provocam dor igual, ou talvez pior, alienando sentimentos, canalizando sua atenção, seu querer, seu Eu para uma rede social, deixando de lado a família e amigos, dando a eles apenas “o que sobra”, seja em matéria de tempo, seja em matéria de disponibilidade emocional. Mesmo que fisicamente passem tempo com a família, emocionalmente sua disponibilidade não é a mesma.

Uma pai que empurra o balanço onde seu filho está sentado no parque mas por dentro está ansioso por abrir o Twitter e ver o que comentaram de alguma coisa que ele escreveu está emocionalmente indisponível. Um namorado que janta com a namorada enquanto cutuca um smartphone para ver o que estão falando em rede social, está emocionalmente indisponível. Graças a isso, pessoas estão parando de perceber pessoas. Um namorado que, talvez, se estivesse atento, perceberia a tristeza nos olhos da namorada e a inclinação dela em trocá-lo por outro mais atento que a está cortejando a qualquer momento. Uma mãe que, talvez, se estivesse mais atenta, perceberia que seu filho está metido em alguma encrenca que ele está procurando esconder mas dando sinais de que está em apuros. Em matéria de ser humano, nem tudo é dito, algumas coisas precisam ser percebidas. E só percebe quem está atento, quem está dedicando atenção total ao outro, investindo na pessoa, presente, interessado. Mas talvez saber o que está acontecendo no trânsito, ou com uma subcelebridade ou até o que estão falando dele mesmo seja mais importante. Uma pena.

Até agora, ainda é possível fugir destas pessoas, mesmo que para isso tenhamos que transitar em um grupo mais seleto (já comentei que amo vocês?). Mas, meu medo é que em breve esse vire o jeito padrão de funcionar da sociedade e, nesse caso, deixaremos de ser cabeças pensantes, para ser cabeças desfuncionais. Porque enquanto a coisa era apenas uma imbecilidade, havia esperanças. Poderia ser um modismo, uma coisa passageira, até que outra imbecilidade toma seu lugar. Mas, na minha opinião, deixou de ser uma imbecilidade e passou a ser um vício. E onde há vício e ser humano coexistindo, é preciso ter medo. O ser humano é falho, fraco e autodestrutivo, não existe criatura mais propensa ao vício do que o ser humano. Se minha hipótese se confirmar e estivermos mesmo diante de um vício, temo que seremos esmagados por uma maioria viciada negadora e esse modo de funcionar, de tocar vida virtual como prioridade, será a nova forma de funcionamento social.

Meu conselho é que se você conseguiu encontrar pessoas que, por um motivo ou por outro, não caíram nesse “vício” digital, nessa “religião” virtual, cuide muito bem delas, sejam elas amigas, namoradas, empregadores, empregados… não importa. Apenas elas poderão dar uma relação completa, saudável e presente, com a disponibilidade emocional que um ser humano com autoestima deseja. Ninguém merece uma pessoa que, nos poucos momentos em que está com você, puxa um smartfone para o que quer que seja. Desculpa, mas quando a pessoa é importante para mim, nem telefonema eu atendo em sua presença. Cuidem bem daqueles que não caíram nessa armadilha, nesse vício. Gente assim está em extinção. E se você anda priorizando redes sociais e anda incapaz de se desligar mesmo na presença de pessoas importantes para você, reflita antes que seja tarde.

Para me agradecer por te angustiar levantando um problema o qual você ainda não havia percebido, para tentar desqualificar meus argumentos fazendo parecer que se trata de algum trauma pessoal meu ou ainda para cuidar bem de mim: sally@desfavor.com


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