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Ele disse, ela disse: A droga de casa.

| Desfavor | | 102 comentários em Ele disse, ela disse: A droga de casa.

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Gostando ou não delas, as drogas ilícitas se fazem muito presentes em nossa sociedade atual. Considerando a possibilidade de um filho (mesmo que teórico) demonstrar interesse em experimentar uma delas, Sally e Somir discordam sobre o melhor curso de ação dos pais… Os impopulares dividem sua dose de sabedoria.

Tema de hoje: Os pais devem deixar um filho experimentar drogas em casa?

SOMIR

Sim. E não é com muito orgulho que emito esta opinião. O ideal é criar um filho (no masculino para simplificar a escrita, mas vale para ambos os sexos) que não manifeste esse interesse em drogas ou que pelo menos consiga controlar a tentação. Mas ideal é ideal, realidade é realidade. Idealismo pode ser uma excelente linha-guia para atitudes e opiniões, mas quando ele anuvia sua percepção da vida as coisas começam a dar errado… rápido.

Não querer que o filho use drogas é um ideal extremamente válido. Achar que pode-se mudar os acontecimentos ao seu redor apenas querendo é irracionalidade. Se chegamos ao ponto onde fica clara e manifesta a vontade do filho de experimentar drogas, pode apostar que nenhuma quantidade de querer vai voltar o tempo e desfazer a complexa série de eventos que desencadeou ali.

Você que está lendo e quer opinar tem que aceitar a mesma carga que nós dois: A de que a vontade já existe e você já sabe dela. Ser contra ou a favor das drogas não faz desaparecer a necessidade de dar uma resposta para essa situação.

O que nos resta fazer? Lidar com o acontecido. E aí que entra a segunda instância do embate entre idealismo e realismo na minha argumentação: A diferença entre adestrar e ensinar. Adestrar é gerar uma consequência externa para uma ideia ou comportamento, ensinar é o árduo trabalho de dar base para decisões próprias. Já reclamaram algumas vezes que meus textos são confusos, então vou me fazer um pouco mais claro:

Quando você adestra um cachorro, por exemplo, você está basicamente dando duas opções para o bicho: A certa e a errada. Não de acordo com o que ele entende, mas de acordo com o que você espera dele. Se ele faz o truque, ganha a recompensa. Se ele não faz ou faz outro, não ganha. Não é o significado da ação, é simplesmente o que acontece depois dela. E claro, adestramento funciona!

O que fazemos com as crianças é basicamente adestramento. Enquanto não tiver muito material para trabalhar na cabecinha dela, o julgamento do adulto que sirva de base. Natural e compreensível, oras. A questão é que essas crianças crescem e começam a fazer seus próprios julgamentos de valor. Adolescência é basicamente essa transição entre esses parâmetros de comparação. Do externo para o interno.

E é aí que ensinar realmente tem sua função. O cachorro adestrado não vai presumir que um gesto pode significar a mesma coisa do que dizer “senta” a não ser que tenha sido explicitamente adestrado para tal. Adestrar funciona, mas só até certo ponto. O adolescente que quer usar drogas ou ignorou o adestramento prévio ou simplesmente não o aceita mais (grandes merdas dizer que drogas fazem mal se bebe que nem uma esponja na frente do filho…). E aí, adianta adestrar mais? Adianta repetir uma estratégia furada na esperança que ela magicamente funcione dessa vez?

Ensinar exige concessões. Não é mais o seu querer moldando a realidade… Vai ter que se virar para comunicar uma ideia de forma clara e se esforçar para que ela seja absorvida pelo seu filho de forma a fazer parte dele. Alguém que não quer que o filho use drogas pode achar absurdo deixá-lo fumar um baseado em casa, mas esse pode ser justamente o momento onde ele se sente seguro e respeitado o suficiente para deixar a habitual rebeldia adolescente de canto e escutar o que se diz para ele.

Mas claro que não vamos depender apenas de boa vontade. Ensinar também é não deixar ideias e opiniões se esconderem por trás de situações externas. Repreensão paterna gera culpa e desajuste, o que é uma ferramenta útil para adestrar, mas é uma merda para ensinar. A mente humana tem truques poderosos para resolver essas situações desagradáveis: ao invés de encarar a escolha que fez sob a luz de suas consequências em geral, vai bloquear as negativas e glorificar as positivas.

Filho de peixe que acha que querer alguma coisa resolve tende a ser um peixinho que se contenta em querer que seus problemas não existam. E aí usar drogas é rebeldia, originalidade e afirmação de individualidade! Tudo o que um pai responsável não quer enfiado na cabeça do filho. Drogas tem seus efeitos positivos! Drogas deixam pessoas felizes! Se for forçar o filho a enxergar tudo branco ou preto, ele vai ver o lado das sensações incríveis que as drogas proporcionam ANTES de ver as merdas que elas fazem com sua vida. Se o filho está pedindo essa experiência (mesmo que de forma indireta) é porque precisa aprender.

Quer aprender algo perigoso como a sensação de usar uma droga? Aprende no conforto e na segurança de casa. Até porque os pais tem a oportunidade de controlar melhor qual das tantas drogas existentes terá a preferência. Entre fumar um baseado e uma pedra tem MUITO chão. Experiências controladas rendem os resultados mais confiáveis. Se esse filho aprender que drogas são muito boas mas cobram um preço caríssimo, grandes chances de entender essa parte tão complicada da vida.

Quem adestra não ensina. E quem não aprende não consegue colocar as coisas em perspectiva ou mesmo pensar em consequências futuras. A vida é mais do obedecer comandos para receber recompensas ou evitar punições! Ou entende logo que tem que fazer escolhas inteligentes com base para isso ou vai viver a vida toda sob ameaça constante de erros e frustrações virtualmente aleatórias. Cidadão não vai saber nem onde as coisas ficaram cagadas. Adestramento gera o querer, ensinamento é poder.

O ideal é que a criação dê conta de limar essa curiosidade sobre as drogas e preparar a pessoa para saber por que deve continuar longe delas. Mas se não funcionar o ideal, é essencial não fazer vistas grossas e lidar com a situação de forma mais racional possível.

Não é isso o que você quer ensinar?

Para dizer que só acha maconha algo bacana e nem precisava desse argumento chato todo, para reclamar que eu financio o tráfico, ou mesmo para dizer que deixaria seu filho ler meu texto em casa: somir@desfavor.com

SALLY

Muita gente faz esse discurso de “se um dia meu filho quiser experimentar drogas eu vou permitir que ele o faça dentro de casa, assim PELO MENOS ele o faz em segurança”. Discordo, mas provavelmente não pelos motivos que vocês estão pensando. Além das drogas em si, acho que isso passa uma mensagem de esculhambação e ensina o filho a virar um brasileiro médio.

Não me interessa se você fuma maconha e não vê o menor problema nisso. Não me interessa se você usa drogas, nunca se viciou e tem a plena convicção de que elas não são tão vilãs como dizem. Não me interessa nenhuma opinião, porque o argumento que vou expor é concreto, objetivo, e independe de qualquer opinião: no Brasil, até o presente momento, o uso de drogas configura CRIME. Goste você ou não disso, concorde você ou não com isso, o uso de drogas configura CRIME. C-R-I-M-E.

Como é que eu espero ser uma mãe decente se coloco a minha casa à disposição para a prática de um crime? Que exemplo estou dando se me mostro disposta a ser conivente com a prática de um crime? “Mas não é um crime grave”. Lamento te informar, mas só existe a categoria “É CRIME” e a categoria “NÃO É CRIME”, essa arrogância do brasileiro médio de escolher os crimes que acha aceitáveis praticar é de uma escrotidão que me enoja. Brasileiro médio decide com qual lei ele concorda, qual lei ele pretende cumprir. NUNCA desejaria passar esse pensamento escroto para um filho.

“Mas se não fizer isso, ele vai experimentar na rua e vai ser pior”. Por favor, criem direito seus filhos! Eu nunca experimentei drogas nem dentro nem fora de casa! Parece que não existe essa opção: a de criar um filho sabendo impor limites e ele não usar drogas nem dentro nem fora de casa. Ele VAI experimentar fora de casa? Necessariamente? Então você errou. Você tem medo de que ele experimente fora de casa? Não é abrindo as portas de casa para drogas que isso se soluciona. Qual é o próximo passo? Dizer que se quiser estuprar alguém, que o faça dentro de casa? Ou, se quiser matar alguém, que o faça dentro de casa? Meus queridos, são todos igualmente crimes, foda-se o que cada um de vocês pensa na sua escala íntima de valores. Se é crime, não pode fazer. Na hora de cobrar do Governo todo mundo é cidadão exemplar, né?

Não vou transigir com a lei: não pode usar drogas em lugar nenhum. Não vou ceder por medo do que vá acontecer se eu não ceder: se usar na rua e eu souber, está muito, mas muito fodido na minha mão. Mas que porra é esse de presumir que, de um jeito ou de outro, seu filho vai acabar usando drogas? Muitos jovens não usam drogas, sabiam disso? Se quiser fazer uma imbecilidade que destrói sua saúde, sua família e ainda por cima é crime, NÃO CONTE COM O MEU APOIO. Muito menos com a mensagem errada de autorizar o cometimento de um crime mas não o de outros. Isso é coisa de esquizofrênico. Dois pesos, duas medidas.

Se você não quer que seu filho use drogas, abrir as portas da sua casa para elas não parece a opção mais inteligente. Isso é coisa de pais apavorados, inseguros. Que tal começando, em primeiro lugar, a dar o exemplo? Fica enchendo os cornos de cachaça na frente dos filhos? Fuma? Toma remédios para dormir? Pois é, não são bons exemplos. Também é importante dar o exemplo mostrando que respeita as leis e que não se acha acima delas, não se acha apto a escolher qual lei vai respeitar e qual não. Pequenas atitudes como estacionar onde não pode, subornar um guarda, dirigir depois de beber e coisas do tipo ensinam a seus filhos que é possível escolher quais leis pretende cumprir. Para finalizar, que tal ser um pai presente, atento aos filhos, com moral (no sentido de seus filhos te respeitarem) e fornecer informação, em vez de disponibilizar sua casa para a prática de um crime?

Tudo isso ninguém quer fazer, porque dá trabalho. Ninguém quer ser correto para dar o exemplo, ninguém quer dedicar o tempo que precisa a um filho para conquistar seu respeito nem estar atento para suas necessidades e fases da vida. Mais fácil abrir a casa para o uso de drogas, como se quem continuasse a usar o fizesse apenas por contestação, e não por vício. “Vem, filhão, fuma aqui uma pedrinha de crack. Pronto, agora, como ele fez dentro de casa, nunca mais vai fazer novamente”.

O mais curioso é que pessoas que adotam essa ideologia de que “proibir = incentivar” costumam fazê-lo seletivamente, apenas no caso das drogas. Um exemplo típico? Pai que deixa filha experimentar droga dentro de casa, mas fazer sexo com o namorado não.Tem aos montes, e é de uma hipocrisia que me entristece. Pergunta rápida: você permitiria que seu filho cometesse outros crimes dentro da sua casa só para que ele não os cometa na rua? Não, né? O certo é tentar ensinar a todo custo que aquilo não se faz e ponto final.

Se você confia na criação que deu ao seu filho, não precisa abrir sua casa para que ele use drogas. Se for para acontecer dele ficar viciado, ele vai ficar, experimentando em casa ou na rua. Não gera nada de bom abrir as portas de casa para o uso de drogas, muito pelo contrário, passa uma mensagem errada e cretina para o seu filho. Se um filho meu me diz que quer experimentar drogas eu vou dizer que é CRIME e explicar os motivos, os riscos e o quanto ele estará fodido na minha mão caso eu venha a saber que ele o fez. E tem como saber, existem testes caseiros à venda. Um pouco de temor dos pais é muito saudável.

Podem me recriminar, mas nesse ponto eu sou Old School, essa coisa de pais amigões é uma furada pós-moderna, pais não tem que ser amigo, tem que ser PAI e essa função envolve coisas chatas, proibições e ordens que aborrecem o filho. Sim, muitas vezes, para evitar que seu filho se foda, tem que impor proibições, mesmo que ele deixe de fazer aquilo apenas por medo, um dia ele vai te agradecer. Adolescentes são uma raça idiota sem discernimento, quem dá poder de escolha irrestrito para adolescente vai pagar muito caro por isso. Não se trata adolescente como adulto, não se trata adolescente de igual para igual. Adolescente, bêbado e maluco não tem direito a livre arbítrio quando se trata de uma decisão importante.

Eu sinceramente não acredito que proibindo se esteja majorando as chances de um adolescente usar drogas. Conheço muita gente que nunca usou porque foi efetivamente proibida de usar e tinha medo da reação dos pais. Não se coíbe o uso de drogas com permissividade e sim dando o exemplo, tendo pulso firme e impondo respeito e com muita informação. Não que permitir que o filho experimente a droga em casa vá fazer dele um viciado, mas certamente passa uma mensagem errada e certamente não desencoraja o uso de drogas. E você ainda corre o risco do seu filho querer experimentar algo muito pesado, tipo crack (porque adolescentes nunca escolhem o mais fácil, o mais agradável, NUNCA) ou outras drogas que podem viciar com uma única experiência. Daí o que você vai fazer? Permitir? Ou negar e expor sua hipocrisia dizendo que algumas drogas você permite e outras não? E se negar, dentro desse pensamento, não encorajará a usar fora de casa?

Olha, mesmo ignorando tudo que eu disse antes, ponha a mão na consciência e me diga se acha justo sustentar um marmanjo(a), bancar uma casa, se matar de trabalhar para dar do bom e do melhor para o seu filho para no final das contas a casa virar um local onde ele quer fazer uso de droga? Francamente, minha gente, é ridículo demais. “Não pode” tem que ser uma opção válida. Pai que acha que seu “não pode” vira incentivo para fazer é frouxo e não soube educar seu filho, impor respeito. No dia em que eu abrir minha casa para filho meu usar drogas por medo dele fazer na rua, podem me internar. Eu não tenho medo, quem tem que ter medo de mim é meu filho. Aliás, na minha opinião, um filho bem criado que conhece e respeita os limites da casa, dos pais e da lei, nem sequer tem coragem de propor uma merda dessa para os pais.

Para repetir a ladainha do “ainda bem que você não tem filhos porque seria uma péssima mãe”, para dizer que sua filha fazer sexo é mais grave do que seu filho usar drogas ou ainda para dizer que concordou com o Somir por tantos anos que ainda vai demorar um tempo para romper com essa barreira e ter coragem de repensar o que eu disse no meu texto: sally@desfavor.com


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