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Ele disse, ela disse: Pra cima de mim?

| Desfavor | | 64 comentários em Ele disse, ela disse: Pra cima de mim?

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Passamos uma considerável parte de nossa vida trabalhando e convivendo com nossos companheiros de trabalho. Não é de se surpreender que flertes dos mais variados graus de intensidade aconteçam nesses ambientes. Sally e Somir discordam sobre a ética de uma pessoa comprometida quando as cantadas e os gracejos de um superior fazem hora extra. Os impopulares estão convidados a fazer seus relatórios.

Tema de hoje: É incorreto com seu parceiro permanecer em um trabalho onde o(a) chefe flerta com você?

SOMIR

Não. Com certeza não é o ideal, mas… porra, temos que aceitar alguns percalços nessa vida. A vida a dois com certeza não vai ser um lance do tipo Lagoa Azul sem interferência externa alguma. Tem muito mais gente nesse mundo. Muitas delas sem noção. Não é por isso que você vai ficar trancado dentro de casa para sempre, não é mesmo?

Se for jogar tudo para o alto cada vez que outra pessoa influencia negativamente a sua vida, você não vai ter mais paz. Pior: Você dá para essas pessoas incômodas um poder gigantesco… o poder de controlar suas decisões e influenciar seus planos e sonhos. Sei que parece papinho de auto-ajuda do naipe de “não deixe os Envejosos te atrasarem”, mas há uma pérola de sabedoria (provavelmente involuntária) por aí. A de que se você não cuidar do seu rumo, alguém vai fazê-lo por você.

E é justamente aqui que firmo meu ponto. Não é um discurso fazendo pouco de ciúmes, é sobre não deixar os terroristas vencerem. Não é incorreto permanecer num trabalho do qual você gosta ou pode tirar suficiente proveito para subir na vida. Tudo aqui é questão de foco: Se você valoriza o flerte desse(a) chefe o suficiente para gerar desconforto no seu relacionamento, você de certa forma o valida.

Aquela pessoa cretina que dá em cima de você subitamente ganha o poder de te controlar num nível muito mais severo e íntimo do que a relação de trabalho. Imagine só: Um flerte que te força a se afastar do seu trabalho, função ou filial! Não estamos falando de evitar uma sessão de cinema ou uma sorveteria no final de semana, estamos discutindo aqui mexer no seu ganha pão, naquilo que te permite se manter (suficientemente) independente nesse mundo!

Quando todo mundo se esconde e começa a desconfiar até da própria sombra que os terroristas vencem. Não tem nada de incorreto em não conceder vitória para quem está tentando te atrapalhar na vida. E se afastar do trabalho por causa disso é conceder vitória para o inimigo sim. O chefe que flerta sem freios independentemente da rejeição está tentando te deixar tão sem saída ao ponto de você considerar ceder para não perder seu lugar naquele ambiente de trabalho.

E como estamos falando aqui de gente que NÃO vai ceder, até porque seria uma bobagem escrever o texto considerando que o flerte teria sucesso, não? É uma questão ética. O problema é deixar gente sem desconfiômetro abusar de você por causa da sua ética, sem demarcar um ponto claro a partir de onde você não vai ser explorado, a própria ética começa a parecer mais fraqueza do que fortaleza. E é tudo o que esse grande e nobre conceito não merece.

Vai entregar de bandeja para estranho abusados a decisão sobre seu futuro profissional? Existem formas de se confrontar esse(a) chefe e conseguir que ele(a) que seja obrigado(a) a se afastar! Processar por assédio sexual, moral… Enfiar uma porrada bem dada… Você não tentou de tudo até que ou você ou seu(sua) chefe sem noção acabem demitidos. E se tiver que acabar com você perdendo, que seja. Você caiu lutando.

O parceiro na relação amorosa com certeza é uma parte importante de sua vida, e tem muita gente bacana aí que vale muito a pena. Mas beijo não enche barriga. Existem mais aspectos da vida para complementar essa parte e te fazer uma pessoa mais segura, estável e feliz. Não se abre mão de seu emprego para evitar flertes que não serão correspondidos. Existem mil motivos para mandar seu chefe à merda e pedir as contas, mas normalmente esperamos até a cabeça esfriar um pouco para decidir se vale a pena ou não.

Imagino que venha um argumento feminista por aí dizendo que eu só digo isso porque me imagino sendo inapropriadamente cortejado por uma chefe e que jamais diria o mesmo se fosse um chefe babão dando em cima da minha namorada. Veja bem, não nego que o grau de putez seria bem diferente, não é nem um pouco agradável quando mexem no que você considera exclusividade sua, mas… como a própria Sally diz muito bem: Ciúme é ciúme, desconfiança é desconfiança. Favor não misturar.

Considerando ambos os lados dessa moeda, não é como se o assediado tenha procurado por isso ou esteja dando qualquer abertura. É uma pessoa babaca sendo babaca e gerando consequências negativas para quem está ao seu redor. É uma merda, mas isso vai acontecer inúmeras vezes durante a vida, algumas nem vão ter a ver com flerte. A partir do momento em que você relaciona sua vida com a de outra pessoa, todos os outros relacionamentos (em geral) dela acabam respingando em você.

Faz parte do jogo. Se você não é ciumento, fica até fácil decidir para que lado pender nessa discussão. Se você é, tente entender as coisas por uma perspectiva mais ampla do que a simples tentativa de um(a) estranho(a) de mexer com sua(seu) parceira(o). Tem uma relação de poder e controle aí também, e pelo menos para mim é extremamente importante fazer com que a outra pessoa não se sinta indefesa ou perdida ao seu lado. Se ela quer bater o pé e segurar um emprego que julga importante SEM criar presunção de desconfiança, não é incorreto. Pode ser frustrante ou até enraivecedor por vezes, mas tem algo maior em disputa: Às vezes você tem que ficar no corner incentivando e orientando ao invés de lutar.

E se tudo mais der errado, se o clima for insuportável para quem está sendo vítima desses flertes não solicitados, aí sim… Mas sem fazer do parceiro um ponto fraco e sem dar poder demais para quem não merece.

Para me chamar de corno manso, para dizer que por eu ser homem você vai ignorar toda a parte lógica e coerente com todos meus discursos nos últimos anos e me chamar de mentiroso, ou mesmo para dizer que incorreto mesmo é postar essa coluna na Terça: somir@desfavor.com

SALLY

É incorreto com seu parceiro permanecer em um trabalho onde o(a) chefe FLERTA com você?

Sim, é muito incorreto. Traição não é apenas contato físico, beijar outra boca, fazer sexo com outra pessoa. É questão de postura. Consentir que alguém fique dando em cima de você é uma forma de traição na minha opinião. Você pode até dizer que existem formas de cortar, de deixar claro que nunca terá nada com o(a) chefe em questão, mas eu já vi pessoas que mesmo após todos os cortes do mundo continuam flertando, pessoas para as quais a única solução para se livrar do flerte é se afastar. Ainda mais quando há uma relação de subordinação.

Estou dizendo que a pessoa tem que necessariamente pedir demissão? Não. Existem uma série de providências que podem ser tomadas. A pessoa pode pedir transferência para outro setor ou para outra filial do local onde trabalha, pode falar com um superior e pedir a transferência do chefe assediador, pode ingressar com uma ação judicial, pode até mesmo dar um jeito de assustar ou ameaçar o chefe. É tudo questão de criatividade. Pedir demissão é último recurso. O que eu estou dizendo aqui é que a pessoa deve se afastar de um chefe que flerta rotineiramente por respeito a seu parceiro.

Uma coisa que eu sempre defendi em matéria de relacionamento é que não parecer corno é quase tão importante quanto não ser corno. A partir do momento em que seu parceiro parece corno aos olhos de terceiros ele vira corno, mesmo que você não o tenha traído fisicamente. A falta de respeito existe quando se consente um flerte, ainda que a pessoa não o retribua. Consentir, permitir, tolerar um flerte é desrespeitar, é ser desleal e é trair. Nada como se colocar no lugar do outro para compreender esta afirmativa: é muito fácil pensar com a cabeça de quem está sendo assediado, se coloque por um instante na situação inversa e pense se você gostaria disso.

Vai ter quem diga que não há problemas, desde que você conte ao parceiro. Se o parceiro se incomodar, claro que há problemas! Aliás, os problemas ficam maiores ainda, pois agora ele está sabendo e está sofrendo com isso, imaginando que tipo de flerte estará acontecendo cada vez que seu par vai trabalhar. É cruel sujeitar uma pessoa a isso. Ciúmes não se resume ao medo de ser “trocado” por outro, o simples fato de saber que tem alguém rotineiramente flertando com a pessoa amada incomoda, mesmo que se tenha a certeza de que você nunca será trocado. É questão de respeito. Quem flerta com uma pessoa comprometida falta com o respeito com seu parceiro e quem consente que se falte com o respeito com seu parceiro também é desrespeitoso.

E pior ainda quem tolera esse tipo de comportamento, porque, em última instância, quem flerta não deve nada ao parceiro do seu objeto de desejo, na maior parte das vezes sequer se conhecem. Mas quem consente o flerte deve fidelidade, lealdade e companheirismo. Tolerar flertes rotineiros é colocar uma relação saudável em uma panela de pressão e esperar ela explodir. É colocar o trabalho (que nem grandes merdas é, se não a pessoa estaria no comando e não subordinada) na frente do respeito que deve à suposta pessoa mais importante da sua vida. Simplesmente não me entra na cabeça.

Vai ter quem tente fazer parecer que se incomodar com o flerte diário de um superior hierárquico à pessoa amada é infantilidade ou insegurança. Não acho, continuo achando uma questão de respeito. Se tudo for tentado e o flerte não parar (tem gente que desconhece qualquer tipo de trava ou limite), a única solução digna é se afastar. Aliás, a meu ver, a questão independe até mesmo de parceiro, porque eu não conseguiria trabalhar, solteira ou comprometida, com um elemento que insiste em flertar comigo mesmo depois de eu ter externado minha vontade de que ele pare. A falta de respeito é com a pessoa que recebe o flerte também. Seu emprego vale seu respeito e sua dignidade? Para ficar empregado você negocia respeito e dignidade? E mesmo que o faça, você deve ter a consciência de que isso é um equívoco, certo?

É ilusão achar que alguém vai encarar essa situação numa boa. “O chefe da minha mulher vive chamando ela de gostosa, assobiando quando ela passa, pedindo um beijo para ela, chamando ela para jantar, mas eu não ligo, sou bem resolvido”. Não existe isso. É um desrespeito com ambos os lados do casal. Pedir para alguém compreender isso é pedir demais. Pedir demais magoa, seja pela falta de preocupação com os sentimentos alheios, seja pela falta de bom senso que mina a imagem do outro. Em relacionamentos comuns, monogâmicos, exigir que o parceiro aceite um troço desses é ser cara de pau. Se a pessoa por um acaso espontaneamente disser que não se incomoda é uma coisa, mas ter a obrigação de aturar isso porque “eu não posso abrir mão do meu emprego” é outra.

“Mas eu não me importaria”. Não sei se você está sabendo, mas felizmente o mundo não é composto por clones seus. As pessoas pensam diferente umas das outras e se por um acaso isso incomodar a pessoa que está ao seu lado, é total falta de respeito sujeita-la a este sofrimento. Mexa-se, seja criativo, dê seu jeito de se retirar dessa situação, ainda que o único jeito seja fazer com que seu chefe seja demitido ou você pedir demissão. É impressionante como a decisão mais fácil sempre é não se mexer e sujeitar o outro a um sofrimento! O mundo está repleto de egoístas! Vou repetir pela milésima vez algo que venho dizendo desde sempre aqui: o fato de não compreender ou de não concordar não te autoriza a sujeitar a outra pessoa a sofrimento.

A pior parte é que quase todos que dirão não ver nenhum problema na situação proposta caso eles sejam os assediados, certamente veriam problema se seus pares trabalhassem com chefes assediadores. “Eu posso, a outra pessoa não pode”. Dois pesos e duas medidas, hipocrisia. Não tem problema algum, até que acontece com elas esta mesma situação só que de forma inversa. Aí tem todo o problema do mundo e surgem os argumentos mais bizarros para justificar, coisas como “mas eu sou homem!”. Lamentável.

Tolerar que um chefe, uma colega de rede social, um padeiro, uma vizinha, um porteiro, uma colega, um amigo ou qualquer outra pessoa dê em cima de você rotineiramente é uma canalhice se isso causar algum dano emocional ao seu parceiro. Quem falou que relacionamento é fácil? Quem opta por estar em um relacionamento eventualmente tem que fazer alguns sacrifícios e um deles implica em se afastar de gente que flerta com você. Não quer ter esse tipo de amarra? Não entre em um relacionamento monogâmico!

Para parabenizar o Somir pela paciência em namorar tanto tempo comigo, para dizer que agora entende porque não estamos mais juntos ou ainda para me parabenizar pela paciência em namorar tanto tempo com o Somir: sally@desfavor.com


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