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Des Cult: Dexter (final).

| Sally | | 53 comentários em Des Cult: Dexter (final).

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Se você ainda não assistiu ao final da série “Dexter”, não leia este texto, pois contem spoilers. Alias, faça um favor a si mesmo: não leia o texto e não assista à última temporada, muito menos ao final, quem sabe assim você guarda boas recordações do seriado. Mais um exemplo da Escola Lost de Finais Cagados.

Dexter Morgan é um psicopata, isso sempre foi dito de forma muito clara no seriado, cuja proposta é ser o mais realista possível. A ajuda de uma equipe multidisciplinar na elaboração do roteiro não me deixa mentir: técnicos forenses e uma vasta equipe se encarregam de que os fatos narrados sejam os mais verossímeis possíveis. Existia essa preocupação e o compromisso com a verdade. Pois é, nessa última temporada estas pessoas devem ter sido demitiras e a assessoria deve ter ficado por conta da Tia do Cafezinho, porque erros grotescos e incoerentes foram cometidos. Para começo de conversa, em uma vibe meio “Pinóquio”, o menino de madeira que queria ser de carne e osso, Dexter vai sendo “humanizado” em um processo que se sabe ser impossível para psicopatas. Psicopatas são incapazes de certos sentimentos e nada pode mudar isso.

O mais nojento não é alguém mentir descaradamente dizendo que um psicopata pode começar a sentir culpa, remorso e outras mazelas inerentes às pessoas comuns. O mais nojento é atribuir isso ao amor, uma coisa meio “o amor muda, o amor transforma, o amor supera barreiras”. Sério mesmo, coisa de novela da Globo! Dexter merecia mais. Mesmo que esse romantismo vomitável fosse possível, esqueceram de algo essencial: um psicopata não ama nada além dele mesmo, logo, partiram de uma premissa errada.

Mas quem se importa? É isso que o povo quer ver! Através do amor que sente por Deb, Harrison e Hanna Dexter começa a, gradativamente, apresentar sentimentos “humanos”. Porra! Isso não acontece! E outra, quem acompanha um seriado estrelado por um psicopata e o ama, como era o caso de “Dexter” quer tudo menos ver seu objeto de afeição transformado em um Zé Ruela qualquer. A graça do Dexter e o fascínio que ele exercia era justamente essa ausência de sentimentos “humanos” e a forma como ele lidava com isso! Precisava tirar isso dele e transformá-lo em um Zé Buceta comum?

Infelizmente, tal qual Homem de Lata, Dexter parece ter adquirido um coração. O amor transforma – pausa para vomitar. Nunca vi uma mensagem tão errada sendo transmitida de forma tão cafona em toda minha vida, nem mesmo no desenho Capitão Planeta. Mas parece que além de adquirir do nada sentimentos “humanos”, Dexter também ficou burro. “O amor cega”, uma pessoa mais romântica poderá dizer. Só que não, pois em vários eventos dissociados de uma resposta imediatista ao amor Dexter faz cagadas dignas do Alicate, assim como os roteiristas. Parece que deram uma caneta a uma menina de 12 anos para que ela escreva o final. Até mesmo os personagens (eu sei que é no feminino, mas não gosto) secundários sofreram respingos da terrível avalanche de merda romântica desta última temporada.

Só para citar um exemplo (todos não caberiam aqui), Deb e Queen voltaram a ficar juntos do nada. Queen é um merda sem precedentes que faz o Alicate parecer uma pessoa ponderada e Deb nunca gostou verdadeiramente dele. Quando estavam se relacionando, diga-se de passagem, faz tempo, ela estava sempre com um pé fora. Quando ele a pediu em casamento ela aproveitou a deixa para dar um fora nele, em uma pegada “nunca gostei muito de você mesmo”. Mas do nada, eles voltaram. Porque Deb, a super-certinha, não tolerava coisas que o Dexter fazia, mesmo com o respaldo de uma doença para “explicar” mas, mesmo sendo tão certinha, ela pode tolerar toda a corrupção e filhadaputagem do Queen (Queen também mata gente, ok?). Ficou parecendo que faltou personagem para juntar com ela e colocaram o Queen como tapa-buraco. Aparentemente Deb achou legal ficar com um cara de caráter duvidoso do qual nunca gostou e que estava namorando a filha do seu chefe. Oi?

Mas voltemos ao Dexter, que é a principal decepção. Se queriam vender essa humanização progressiva do personagem, deveriam ter sido mais coerentes. Porque Dexter era melhor pai quando não era humanizado. Quanto mais se humaniza, mais Dexter caga no pau com o filho, Harry. Deixar o filho ir embora com Hanna não parece coisa que um Dexter humanizado faria. Deixar vivo um assassino que sabe que irá atrás de sua família também não. Matar o mesmo assassino com uma caneta na frente das câmeras dentro de um distrito policial muito menos. Se eu quisesse ver um homem branco de classe média fazendo merda assistiria “Two and a half man”. Acabaram com o glamour do Dexter sem descontruir o personagem de uma forma inteligente, apenas estupraram a linha de roteiro do seriado com guinadas inverossímeis e contraditórias.

Nem mesmo a parte técnica se salvou. Dexter entra em um hospital, vai até o quarto da irmã, que está em coma, ligada a aparelhos e DESLIGA os aparelhos até que seu coração pare. Não somente ninguém aparece, como ele ainda sai pela porta do hospital com o corpo da Deb enrolado em um lençol sem ser abordado por ninguém. Dá tristeza, sabe? Dá tristeza de ver como estupraram um seriado que era tecnicamente perfeito, com um roteiro bem amarrado. Nunca que isso poderia acontecer, mesmo com uma ameaça de tempestade, furacão, tornado ou asteroide colidindo com a terra.

Até em hospital público do Rio de Janeiro quando um paciente que está no CTI perde os batimentos cardíacos alguém vem ver (mesmo que demore qualquer 15 minutos) e não dá para retirar um corpo do hospital nessa tranquilidade ainda mais se for de uma policial. Não contente, ele saiu com o corpo dela e fez um belo passeio, indo até seu barco, sem ser interceptado no caminho por ninguém. Deb morreu e ninguém ficou sabendo, ninguém quis ver o corpo, ficou tudo por isso mesmo.

Questões maiores também foram estupradas. Todo mundo sempre soube que era questão de tempo até Dexter ser pego, ser descoberto e ter que fugir (ou ser preso). Mas não. Os roteiristas acham que você pode cometer crimes semanais por décadas sem nunca ser pego, isso em um seriado que prega a veracidade no roteiro. Um Dexter, mesmo “humanizado”, mesmo deixando de ser aquela máquina mortífera que aprendemos a amar, saiu invicto. Não faz sentido, pois quando se ganha em humanização se perde em frieza e planejamento e o desfecho “normal” seria que um sujeito que não é mais uma máquina mortífera fosse pego. Mas não, ele é humano, ele ama, ele sente remorso, mas ele também sai invicto. Uma pena, a prisão teria sido um final mais digno. Aliás, até ter entrado para o Bonde dos Federados e acabar cantando “Ah Leleke leke leke” teria sido mais digno.

Não teve nada de novo neste último episódio, é mais do mesmo, é um mecanismo requentado: Dexter percebe que sua vida de serial killer respinga nas pessoas que ama e acaba perdendo um ente querido (Rita Feelings) por causa do seu estilo de vida. Dexter percebe que é perigoso para as pessoas que o cercam e entra em crise (novidade!). Evolução zero dos conflitos ligados ao personagem, com o plus de uma humanização forçada, em tese impossível, abrupta e mal explicada.

Só que a versão humanizada do Dexter se contradiz em um roteiro mal amarrado. Quando desiste de matar Saxon, Dexter deixa claro que já sentiu muito prazer matando, mas isso havia mudado, que tudo que ele queria naquele momento era estar em outro lugar, com Hanna e Harry. Vejamos: Dexter não sente mais prazer e/ou necessidade de matar. Dexter sente prazer em estar com a família. Qual seria a conclusão lógica disso? Parar de matar e ficar com a família, recomeçar uma vida nova. Mas não, em uma distorção sem propósito, Dexter concluí que ele arruína a vida de que os cerca por uma espécie de karma místico inquebrável e decide de afastar da família, sem perceber que essa ruína sempre adveio de sua necessidade de matar e que quando esta fosse suprimida, poderia levar uma vida normal. Mas vida normal para que, quando ele pode ser uma vítima que se auto sacrifica em nome do amor? Ser vítima é muito mais legal, né? Pausa para vomitar novamente.

Extinta essa necessidade de matar, não haveria necessidade de ser afastar de Hanna e Harrison, até porque estariam recomeçando a vida em outro país, dificilmente algum respingo do passado os afetaria. Aliás, que beleza de humanizada que deram nele, hein? Abandonar o filho com uma assassina! Que caralho e humanização é essa que a pessoa deixa o filho crescer sem pai? Simplesmente não se sustenta, pois o fator que causava danos aos que o cercavam deixou de existir. Coerência zero. Por sinal, será que nos EUA uma pessoa estranha que não tem parentesco com uma criança pode viajar com ela de avião? Creio que não. No entanto, fica decidido que Hanna vai levar Harry em cima da hora, sem qualquer problema. Será que Dexter andava com uma procuração no bolso? Bem, em um mundo onde um paciente monitorado tem uma parada cardíaca dentro do hospital e ninguém aparece para ver, crianças devem poder viajar sem autorização dos pais.

Hanna também foi contaminada pelo amontoado de mentiras incoerentes: mesmo procurada pela polícia com o rosto em todos os jornais e noticiários, ela consegue se hospedar em hotel e até embarcar em um ônibus com Harry sem ser reconhecida. Daí o Zé Buceta do Elway decide ir sozinho atrás de uma assassina procurada pela polícia e entra no ônibus e a intimida. Hanna, com Harry a seu lado, puxa uma seringa com tranquilizante e crava na perna de Elway na frente de todos os passageiros, o deixa desacordado e sai sem levantar suspeitas. Ninguém viu, ninguém percebeu, você pode seringar os outros à vontade no transporte público de Miami. Aparentemente quando ocorre uma tempestade em Miami todos os moradores ficam cegos e surdos. E sim, Hanna embarcou com Harry sem qualquer documentação. Facinho sequestrar crianças em Miami.

Para coroar, Dexter leva o corpo da irmã para seu barco e a joga no mar, porque né, qual é a contradição em dar à irmão que ele ama tanto o mesmo destino que ele deu a todas as vítimas que desprezava? O Dexter supostamente humanizado tirou o direito de todos os amigos e do namorado de organizarem um funeral, velarem o corpo e terem um lugar para visitar e homenagear a Deb. Super humanizado. Daí ele leva o barco em direção à tempestade e sabe-se lá como (nadando?) se salva e volta à terra firme, deixando que todos pensem que ele morreu. Porque nada mais humanizado do que fazer o amor da sua vida e o seu filho chorarem sua morte de forma desnecessária. Eu até entenderia ele simular uma morte se estivesse sendo perseguido por um assassino que pudesse matar sua família, neste caso, o teria feito para proteger aqueles que ama. Mas da forma gratuita como foi feito, ficou parecendo vitimização, sofrimento glorificado.

Depois de simular a própria morte, ele reaparece de forma não explicada em um subemprego (ao que parece, lenhador), no meio do mato sem qualquer outra informação. Um Dexter cosplay de Wolverine olha para o horizonte com um olhar vazio e o seriado acaba. Os produtores disseram que foi um final “aberto”. Desculpa, mas isso aí é um final ARROMBADO. Um Dexter que não reconhecíamos mais termina em uma situação desconhecida, sem que se saiba absolutamente nada sobre ele. Tive a impressão que o desfecho apontava para aquela coisa babaca de auto sacrifício e auto piedade, uma vibe “eu faço mal a todos então vou me sacrificar em nome do bem da humanidade”. Nojento, muito nojento. Dexter é Jesus Cristo Reloaded, ele se sacrifica pelo bem dos outros.

Não faz muito tempo eu li uma entrevista de Michael C. Hall, o ator que interpreta o Dexter, dizendo que o final era ótimo. Ele disse que quando leu o roteiro teve aquela sensação que você tem quando um livro termina exatamente da forma que tem que terminar. Fez uma propaganda danada do final, dizendo que não poderia ser melhor. Acho que o câncer derreteu o cérebro dele. Tá de parabéns, em uma tacada só perdi o respeito pelo personagem e pelo ator.

A sensação que fica é o roteirista morreu lá pela quarta, quinta temporada mas esconderam esse fato para poder continuar lucrando e chamaram a Glória Perez para escrever o que faltava. Muito triste.

Para recamar, apesar dos avisos, dos spoilers, para dizer que está com o cu na mão de ver o final de Breakin Bad ou ainda para apontar outras palhaçadas e contradições: sally@desfavor.com


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