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Flertando com o desastre: Comprar briga.

| Sally | | 50 comentários em Flertando com o desastre: Comprar briga.

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Não sei precisar exatamente quando foi que virou algo socialmente aceitável não se comprometer. Mas sempre pode piorar e, de uns anos para cá, virou também uma coisa bonita, diplomática, não se meter na briga alheia, ainda que esse alheio seja um parente próximo, um cônjuge ou um melhor amigo. É uma vibe meio diplomática ao extremo, uma omissão babaca e cuzona que vem sendo não apenas perpetrada, como também glorificada. Vai desculpar esse povo mais “evoluído”, mas mexeu com quem eu amo, eu me meto. Eu me meto pra caralho, eu me meto puta da vida, mais puta do que se tivessem sacaneado a mim mesma. E acho uma tremenda bosta quem não o faz.

Atentem que isso não quer dizer sair se metendo em tudo quanto é briga de conhecido. Isso quer dizer que quando alguém faz algo que realmente afeta uma pessoa amada você se posiciona de forma bem clara, não necessariamente brigando, mas deixando bem claro de que lado você está e revidando caso a pessoa amada seja atacada ou ameaçada de ataque. Não é qualquer desavença, não é qualquer pessoa. É uma situação muito especial onde eu entendo haver um “dever moral de agir”, onde acho inaceitável a indiferença, pois acaba se confundindo com indiferença à pessoa que você ama, seja lá o amor que for: de amigo, de irmão, etc.

“Não foi comigo, não vou me meter”, “Comigo ele(a) não fez nada, portanto não vou me meter” ou qualquer outra frase similar me provocam asco quando vindas de uma pessoa que deveria amar a vítima. Aliás, se eu ganhasse um real para cada vez que ouvi isso… Tudo bem que sair comprando briga dos outros e fazendo inimigos não é inteligente, mas porra, quando é com uma pessoa muito próxima ou muito querida, assistir a sacanagem em berço esplêndido é de uma paumolescência que não tem limites. Se causaram mágoa ou dor em uma pessoa próxima e querida, então, puta que me pariu, É COMIGO SIM! No dia em que as dores de uma pessoa próxima e querida não doerem em mim, favor me levar para um veterinário e pedir para me “colocar para dormir”, porque eu perdi a minha essência ou tive morte cerebral.

Gente que ainda sente as dores alheias e compra brigas alheias é uma espécie em extinção. Nesse mundinho nojento de aparências e networking as pessoas vivem com o cu na mão de se indispor com alguém e tentam pintar que tomar as dores de um amigo, um marido ou um irmão é infantilidade, imaturidade ou falta de traquejo social. O bacana é se omitir, o bacana é fazer o político e dizer “Espero que você entenda, eu não vou me meter”. Eu não entendo, juro que não entendo e juro que isso é uma das atitudes que mais mágoa me causa. Prefiro um tapa na cara do que alguém com quem eu contava cuspindo uma frase dessa na minha cara. É quase como dizer “Gosto muito de você, mas não o suficiente para me indispor com outra pessoa, se vira aí”. Vai tomar no cu! Até animais de quatro patas se indispõe entre eles para defender sua fêmea, seu filhote ou um membro do seu bando!

Soa como um misto de covardia com comodismo. Ninguém quer sair da sua zona de conforto, ninguém quer se meter em um conflito. “Não gosto de brigar”, um idiota comentará. E eu gosto? É o mesmo tipo de pessoa que não te visita no hospital quando você está entre a vida e a morte dizendo que “não gosto de hospitais”. Porque a vida consiste basicamente em fazer coisas que a gente gosta, né? Depois eu, que me meto e compro as brigas dos outros é que sou imatura! Olha, muitas vezes você pode não gostar de ter que brigar e se indispor, mas a pergunta é: do que você gosta menos, de brigar uma briga dos outros ou de ser um babaca, omisso, cuzão, bosta de amigo/namorado/marido/pai/filho ou o que quer que seja? Eu gosto menos de ver quem eu amo sendo injustiçado, levando um desaforo para casa ou sujeitado a um sofrimento desmerecido, então, dá licença, mas eu brigo pra caralho com quem sacaneia uma pessoa querida. E não acho isso feio, muito pelo contrário, acho feio não querer se comprometer.

“Essa briga não é minha”. Olha, a partir do momento que de alguma forma afeta uma pessoa que você AME (e pessoas normais costumam contar nos dedos das mãos quantas pessoas amam), a briga deveria ser sua também. A dor do outro deveria doer em você e você deveria não suportar ver o outro sujeito a um sofrimento não merecido. Mas as pessoas buscam os caminhos mais tortos para não ter que se comprometer, até mesmo transformar a vítima em culpado: “Você procurou por isso” ou “Você também não é fácil”. É quase como se uma mulher fosse estuprada, chegasse em casa aos prantos e o marido covarde falasse: “Também, olha a roupa com a qual você saiu”. Em resumo, por mais que a pessoa tenha concorrido de alguma forma para aquilo, quem ama não tolera calado que a pessoa amada seja exposta a agressões de qualquer tipo, principalmente quando fica claro que a agressão doeu.

Eu compro briga mesmo quando acho que minhas pessoas amadas não tem razão, e sim, eu acho isso lindo. Depois, em off, eu converso com a pessoa e digo que acho que ela está errada, explicando meus argumentos. Mas na hora que o pau quebra, eu fico do lado de amigo meu e se atacarem eu ataco de volta. Não é pelo argumento em si, é pela amizade. As pessoas não parecem compreender este raciocínio: a briga não parte da discussão que a originou e sim do seu grau de envolvimento com a pessoa que está sendo atacada. Uma relação de amizade pressupõe uma defesa em caso de ataque, depois se discute o mérito da questão. E quando um dos meus está sendo atacado, por argumento algum do mundo eu vou peidar e ficar em cima do muro, porque esse, na minha opinião, é um dos maiores vexames que o ser humano pode protagonizar em matéria de relacionamentos, qualquer que sejam eles.

“Mas Sally, se sua melhor amiga matasse uma pessoa covardemente e fosse presa, você ia ficar do lado dela?”. Nem tentem distorcer minhas palavras. Não estou dizendo que sou a favor de crime ou injustiça, e prender um assassino nem de longe configura um “ataque” à pessoa, e sim uma resposta previsível a um ato praticado. O que quero dizer é que independente de concordar ou não com o mérito da polêmica que gerou a agressão, uma agressão a um ente querido DÓI EM MIM, considerando-a justa ou não, porque com ou sem razão, a dor que a pessoa sente ao ser atacada é REAL. Causou dor em alguém que eu amo? Sai da frente porque vira alvo meu!

“Mas eu gosto da outra pessoa também e ela não me fez nada”. Repito: quem causa dor, mágoa e sofrimento em uma pessoa que você AMA te fez alguma coisa SIM. Eu desgosto profundamente de namorados de amigas minhas e nem por isso saio atacando-os, pois sei que o ataque doeria nelas também. Então, quem te gosta e te respeita não ataca pessoas que você ama, já que isso implicaria em um ataque a você. E quem o faz está sujeito a ver você se emputecendo e atacando de volta, coberto de razão. Outra: gostar da pessoa que atacou quem você ama não te exime da responsabilidade de se posicionar. Já cortei relações com várias pessoas que eu gostava por causa disso. Que porra é essa? A pessoa só se envolve para defender quem ama quando isso não implicar em sacrifícios? Onde está a lealdade, minha gente? Essa coisa de não querer ficar mal com ninguém merece que a pessoa acabe mal com todos os envolvidos.

O mais curioso é que estas pessoas “Não Me Meto” se contradizem em seus próprios atos. Dizem que não gostam de brigar, mas frequentemente são vistas barraqueando em rede social. Dizem que não gostam de fazer inimigos mas dia sim, dia também, são vistas falando mal de alguém. São daquele tipo que se der um tabefe na cara de alguém se posicionam rapidamente, por causa da obrigação social que a agressão física gera de repúdio (bonzinho é quem sempre repudia agressão física de imediato) mas agressão verbal, que muitas vezes pode ser ainda pior do que a física, dizem que não querem se meter. Só se metem quando a omissão vai cobri-los de merda e não quando a omissão magoa o ente amado. Parabéns, viu? Quem se comporta assim é um bosta e deveria rever seus conceitos.

Egoístas, é isso que são. “Mas eu não espero que ninguém se meta nas minhas brigas”. Primeiro que eu não acredito muito nessa frase, pois justamente quem se omite é quem fica mais puto quando toma uma omissão de volta, segundo que se você é uma pessoa sem senso de amizade, isso não alivia sua barra. Se você não se importa de estar cercado de pessoas escrotas, isso não impede que as pessoas não queiram um escroto que não se compromete como amigo. Não é uma questão de reciprocidade: “se eu não pedir então não preciso dar”, é uma questão de caráter, de não conseguir colocar a cabeça no travesseiro e dormir em paz virando as costas para alguém que você ama quando esta pessoa precisou de você.

“Fulana sabe muito bem se defender sozinha”. E por acaso alguém falou em tomar partido com base na pessoa ser uma incompetente que não sabe se defender? Não, né? Tomar partido está relacionado a lealdade, a ética, a amor e deveria ser algo INEVITÁVEL, de tanto que a dor do outro dói em você. Deveria ser um acesso de fúria similar ao que você sentiria se alguém desse um tapa na cara desta pessoa, porque provocar dor e sofrimento na pessoa amada tem que revoltar quem a ama a ponto de tomar uma atitude. Tomar partido não deveria ser uma escolha pensada, calculando os danos diplomáticos e sim fruto de uma revolta, de uma putez que só quem ama compreende: aquela raiva de “me sacaneie mas não sacaneie a pessoa que eu amo”. Infelizmente isso está se perdendo, as pessoas estão anestesiadas e aprendendo a não se importar com quem amam, porque né, vai que perdem o emprego, perdem dinheiro, perdem uma oportunidade? A vida é feita de escolhas.

É a total inversão de valores. As relações pessoais passando a valer menos do que as relações sociais. Pessoas suportam com indiferença um ente amado sendo agredido, sendo magoado, sem intervir, por privilegiar uma política babaca de boa vizinhança. Aquela mediocridade de “não sei se um dia vou precisar dessa pessoa”. Olha, se utilizar de uma pessoa que causou algum dano a um ente querido seu na minha terra se chama falta de vergonha na cara. A única dor que dói na pessoa é aquela infligida a ela mesma, enquanto isso não acontecer, nenhum posicionamento será tomado. Chega até a ser burrice, pois se uma pessoa é filha da puta de sacanear feio um amigo seu, são grandes as chances de que um dia faça o mesmo com você. Cadê a peneira social?

Não tem. Não tem porque estamos no ápice da era do interesse social, quanto mais pessoas no nosso círculo melhor, mesmo que elas sejam lixo. Importa a quantidade de contatos, não a qualidade. Mas olha, a história é um movimento pendular. Acredito que hoje estejamos no fundo do posso da lambeção de cu alheia em troca de prestígio e favores sociais, o que indica uma mudança de rumos para o lado oposto. Desejo eu que em breve isso se reverta e todos os babacas que aprenderam a “funcionar” desse jeito omisso e covarde sejam execrados socialmente. Porque se tem uma coisa boa dentro do mar de bosta da globalização e abuso de recursos virtuais é essa: as mudanças sociais acontecem na velocidade da luz. Espero estar viva para ver uma época onde numero de amigos em rede social vale merda, onde não se comprometer custe a sua honra e onde relações pessoais se sobreponham a relações sociais.

Se você faz o tipo omisso, que não se mete porque não foi com você, porque você não concorda, ou sei lá porque motivo, ignorando que o sofrimento que a pessoa sente é real independente da sua opinião, só queria que você tivesse a dimensão da mágoa que causa nas pessoas. Sim, é mais seguro ser assim, é mais diplomático e pode evitar muita confusão, porém se paga um preço: quem é seu amigo de verdade, quem é leal, fiel e presente, vai acabar se afastando de você, mais cedo ou mais tarde, por causa da mágoa que sua omissão gera. E perder bons amigos não é uma coisa inteligente a se fazer. Melhor um bom amigo do que cem contatos superficiais ou filhos da puta. Talvez eu esteja sendo romântica, é que eu sou do tempo em que amigos valiam mais do que contatos, mas é assim que vejo a situação.

O egoísmo, muito praticado nos dias de hoje, costuma ser traiçoeiro. Se, em um primeiro momento, ele gera diversos benefícios aparentes, a longo prazo o egoísmo te fode, e muito. Por isso eu sempre digo que egoísmo é recurso de preservação dos burros, gente que vê meio palmo à frente do seu nariz e só consegue vislumbrar os benefícios imediatos. A longo prazo, a conta do egoísmo chega, e ela é cara, viu? Reflita sobre a forma como você conduz sua vida, suas amizades, seu valores. E se você conhece algum filho da puta que te virou as costas e não se comprometeu quando as circunstâncias o exigiram, manda este texto para ele, mesmo que seja de forma anônima.

“Eu sou assim, quem você pensa que é para me julgar?”. Quem eu penso que sou? A dona disso aqui, escrevo aqui o que eu quero. Não gostou? Não leia. Você é assim? Sagrado direito seu de ser assim. E sagrado direito meu de te achar um babaca. Dá licença?

Para desmerecer meus argumentos com base em alguma acusação pessoal, para se ofender e levar para o pessoal algo que uma completa desconhecida escreveu ou ainda para enviar este texto para uma pessoa babaca que mereça: sally@desfavor.com


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