Ele disse, ela disse: Pagando para ver.
| Desfavor | Ele disse, Ela disse | 13 comentários em Ele disse, ela disse: Pagando para ver.
Com cada vez mais gente migrando para o setor de serviços, o dilema desta coluna também vai se tornando mais e mais relevante. Quando um cliente faz questão de um serviço que o prestador acha uma má ideia, o que fazer? Sally e Somir discordam, e os impopulares podem se servir nessa discussão.
Tema de hoje: Sem outra opção, vale a pena prestar um serviço que você acredita não ser bom para o cliente?
SOMIR
Sim. O cliente está pagando para você fazer alguma coisa que você se comprometeu a fazer para quem pagasse! Não estamos falando de fazer um advogado operar um coração ou de um pintor tendo que projetar um motor… A pessoa tem uma profissão e está exercendo-a. Simples assim.
Não estou defendendo um ponto de vista puramente mercenário do tipo “o cliente que se foda”, estou apenas dizendo que a partir do momento onde suas opções de convencimento esgotam, ou você se vira para resolver da melhor forma possível ou perde o cliente (e todas as indicações que possam vir dele futuramente). Bobagem ficar dando murro em ponta de faca: Querem te pagar para você fazer algo, que paguem! Ainda mais se você for um bom profissional: Melhor que façam algo arriscado com alguém capaz e íntegro do que com um aventureiro qualquer.
Talvez essa divisão de opiniões entre Sally e eu hoje tenha muito a ver com os ramos de trabalho aos quais nos dedicamos: Quando se tem um conjunto de regras muito específico e penalidades severas para quem não as obedece, deve fazer mais sentido mesmo proteger o “seu” não dando trela para cliente sem noção. Agora, na esmagadora maioria das outras profissões a coisa não é tão preto no branco assim.
Estamos falando de casos em geral, não eventos pinçados de algumas profissões. E onde há mais liberdade para criação e adaptação, lidar com uma ideia problemática de cliente pode te levar a soluções muito interessantes, te força a pensar fora da caixa! Quase todo mundo sai da faculdade achando que sua profissão vai ser de um jeito e descobre na prática que não é bem assim… Essa adaptação é natural e demonstra que o mercado é bem maior e mais diversificado do que soluções prontas encontradas em literatura específica.
Só garantindo que ninguém se confunda: Não estamos falando de atividades ilegais aqui… Não seria uma discussão se cometer um crime durante a execução do seu serviço fosse condição válida para essa coluna. Não é. São clientes pedindo algo que você julga errado, mas que façam parte das atribuições normais e legais da sua profissão.
Vai querer trabalhar só quando as condições forem as ideais? Boa sorte! Normalmente quem pode fazer isso já passou por algumas décadas de tirar leite de pedra para satisfazer clientes malucos, precisa ter moral no seu setor de atuação para levantar o nariz dessa forma. Aqui em baixo as leis são diferentes… O cliente pede o que der na telha dele, e se você não quiser fazer, o cliente vai achar quem faça.
E além disso, onde traçamos a linha do que é um pedido errado do cliente? Padrão do mercado? Gosto pessoal? Dificuldade de conseguir o resultado pedido? Por mais que doa no ego, nem sempre somos referência inquestionável de excelência no nosso mercado. Há mais entre a teoria e a prática que julga nossa vã experiência… A não ser que seja algo puramente matemático, sempre há um fator de imprevisibilidade no sucesso ou não de um trabalho. O seu cliente pode ter tido uma ideia estúpida numa conjuntura de mercado que acaba sendo perfeita por causa de um fator externo imprevisível… Talvez tenha sido sorte, talvez o seu cliente tenha visto algo antes de todo mundo. Acontece!
Não se pode cair na armadilha de acreditar que é a reserva de bom senso de toda uma profissão. Você acaba estagnado como profissional. Sem contar que é divertido ter um desafio de vez em quando! Transformar “sucata em ouro” é uma experiência pra lá de gratificante. Se você ficar esperando tudo vir de bandeja, é melhor esperar sentado.
Se não sabe como dar um jeito no pedido problemático do cliente, aprenda como. Pesquise, teste, converse com outros profissionais… O risco de entregar um trabalho ruim é pequeno perto do status que resolver o problema pode te conquistar. Tem muita gente maluca nesse mundo, mas a maioria não faz besteira só por masoquismo, quase sempre há uma intenção genuína de fazer o melhor possível mal direcionada.
O cliente te paga para fazer o melhor que você pode fazer, faça. Faça chuva ou faça sol… faça! Claro, sempre lembrando de aconselhá-lo da melhor forma possível no processo. Se você não pular fora, ainda vai ter uma boa chance de conseguir convencê-lo a fazer algo melhor DURANTE o processo. Muitas ideias parecem ótimas na imaginação, mas assim que começam a tomar forma, mostram sua verdadeira cara feia. Também acontece bastante da pessoa cair em si enquanto o trabalho se desenrola: Você aí pode conseguir de novo o melhor dos dois mundos, fazendo o que acha correto e mantendo o cliente.
Muito limitante reduzir todas as possibilidades de prestar um bom serviço de acordo apenas com o seu gosto pessoal. Um bom profissional faz o melhor que pode, mas sendo profissional: Nem mesmo a maioria dos artistas podem se dar ao luxo de só fazer o que querem. Quando você se coloca no mercado, faz uma promessa implícita de que vai usar todo seu conhecimento e habilidade para entregar resultados. Se o resultado que o seu cliente quer não está de acordo com seu gosto, isso não quer dizer que você está se queimando ou agindo de forma mercenária… Pessoas diferentes enxergam qualidade de formas diferentes. Você pode achar que está uma porcaria, mas o cliente achou a coisa mais bacana do mundo! E vai falar maravilhas do seu trabalho para outras pessoas…
E mesmo que dê errado e seus avisos se concretizem, se você imprimiu toda a qualidade que podia ali, o impacto na sua imagem ainda sim vai ser pequeno. Quem se fode nesses casos é profissional RUIM, que concretiza uma ideia errada de forma preguiçosa. E… porra, dinheiro não dá em árvore. Chutar cliente custa caro no final do mês.
Se você quer comer o filé, tem que roer o osso. Se vira, mas resolve… Estão te pagando!
Para me chamar de mercenário, para dizer que não gostou da minha argumentação porque ela dá mais trabalho, ou mesmo para dizer que a pior parte de qualquer serviço é o cliente: somir@desfavor.com
SALLY
O que você escolheria: fazer aquilo que profissionalmente é melhor para o seu cliente ou fazer exatamente aquilo que seu cliente pede, mesmo sabendo que não é a melhor das opções? Eu só faço o que eu acho que é melhor para a pessoa, se não gostar que procure outro profissional.
Clientes que precisam contratar um profissional para prestar algum serviço o fazem justamente porque não tem o conhecimento, a aptidão e as informações necessárias para fazê-lo sozinhos, certo? Se fossem aptos o fariam em vez de contratar alguém. Logo, me recuso a aceitar interferências em uma escolha sobre um assunto que eu conheço em profundidade e o cliente conhece nada ou quase nada. Por acaso alguém aqui vai ao médico e quando ele lhe diz que tem que operar o coração rebate dizendo “Não, não, Doutor, quero que opere meu cérebro!”. Não, né? Pois é. E o que vocês pensariam de um médico que cedesse a essa pressão?
Em maior ou menor escala, dependendo da arte, ofício ou profissão, fazer apenas o que o cliente quer acaba por prejudicar o próprio cliente. E ao prejudicar o cliente, o profissional que o atendeu se prejudica também. Ninguém que ser o médico que mata um monte de pacientes, o advogado cujos clientes acabam quase todos presos ou o publicitário que faz uma propaganda de um bebê peidando sentada nos legumes em um supermercado. Ao menos não deveria querer ser. O fracasso da sua prestação de serviço reflete na sua vida profissional. Prefiro perder cliente e direcionar minha atuação para um caminho que eu ache digno e produtivo. Sim, por mais que não pareça, eu tenho um nome a zelar. É pouca merda, mas é tudo que eu tenho.
Fazer o que o cliente quer sabendo que isso será prejudicial ao objetivo final é tomar dinheiro da pessoa. Por uma infinidade de motivos o ser humano acha que sabe tudo e opina onde não tem conhecimento de causa. Cabe a quem tem, cabe a quem sabe melhor, impor sua opinião, para não ser arrastado para a lama junto com o cliente. Porque quando tudo der errado, o que sobrará é a sua imagem profissional coberta de merda. O argumento “Fiz assim porque me pediram” não exime de responsabilidade, se você sabia que não era a forma correta de se trabalhar, tinha o dever de se recusar, ainda que implicasse em recusar junto o dinheiro que iriam te pagar. Isso se chama ética.
Quem trabalha prestando serviços sabe que dia sim, dia também, aparece um “cerumano” pedindo algo inútil/vergonhoso/criminoso. O fato de alguém pedir não quer dizer que você tenha que fazer. Sua assinatura naquele trabalho estará ali, para o resto da vida, te queimando para cada pessoa que tiver acesso a ele. Algum dinheiro no mundo vale isso? Levam-se décadas para fazer um nome, mas poucos dias para jogá-lo na lama. Pedidos absurdos sempre existirão, até porque a cabeça do Brasileiro Médio é absurda. Cabe ao profissional ter o discernimento de colocar limites e não ceder à pressão de um imbecilóide mimado que quer porque quer algo que ele desconhece como funciona.
Qual é sua ideia de prestação de serviços? Encher o rabo de dinheiro? Então saia fazendo o que te pedem, foda-se o seu nome, foda-se um eventual resultado catastrófico, foda-se a repercussão. Mas se você tem algum apreço pela sua profissão, se quer construir um nome e ter credibilidade, atue dentro daquilo que considera correto e que considera a melhor escolha, pois quando tudo dá errado o cliente dificilmente vai lembrar que ele te pediu assim e ainda vai te cobrar que não tenha sido feito de outra forma. Sim, as pessoas são loucas e se “desdizem” com uma facilidade enorme quando isso implica em se eximirem de responsabilidades.
Ceder a caprichos de gente que não sabe o que diz é jogar seu tempo fora. Se matar dia e noite para prestar um serviço que no final vai ser ineficiente em diferentes graus. Você topa isso? Trabalhar para nada, para não alcançar nenhum outro objetivo que não um pagamento? Eu não topo. Se vai dar merda ou se vai ser ineficiente (ainda que parcialmente), eu não vou fazer. Não sou palhaça para entrar em um projeto que eu sei estar fadado ao fracasso apenas em troca de dinheiro e deixar meu nome estampado nele, se fosse, já teria escrito um livro de autoajuda e estaria rica. Também não admito que alguém que não estudou, que não tem qualificação, me oriente sobre como fazer o meu trabalho. Eu trabalho da forma que EU acho melhor, quem quiser me contratar que contrate sabendo disso.
Não aceitar ordens ou interferência na parte técnica do seu trabalho vinda de leigos é o mínimo que se espera de um profissional que se respeita e respeita seu cliente. Com isso se deixa de ganhar muito dinheiro? Certamente, mas também se deixa de sujar o próprio nome e te poupa de muitos aborrecimentos. Fazer o que o cliente quer mesmo sabendo que é pior para ele e para você é prostituição profissional, é querer dinheiro a qualquer preço e, acima de tudo, é não se importar com o seu nome no mercado de trabalho. Mais: isso não te exime da responsabilidade jurídica se algo der errado, então, você também pode arcar com o risco de ter que indenizar um cliente ou até mesmo de ser impedido de exercer sua profissão.
O mundo seria melhor se todos os profissionais fizessem aquilo que sabem ser melhor para seus clientes: Michael Jackson teria morrido com um nariz, por exemplo. Mas não, se o cliente pedir, a pessoa vai lá e faz, foda-se que o cliente não tem nenhum discernimento e vai acabar ficando com nariz de caveira. No meu trabalho, vontade de leigo não é e nunca será soberana. Gostou fica, não gostou procura quem faça do seu jeito tosco. Se aproveitar da burrice alheia ou da falta de discernimento para ganhar dinheiro é, no mínimo, condenável. Respeitar a decisão do seu cliente naquilo que lhe diz respeito à vida pessoal ou a escolhas pessoais é uma coisa, deixar que ele te diga como fazer o seu trabalho é outra. Inaceitável.
Se o trabalho é seu, a escolha sobre a condução desse trabalho também tem que ser sua, caso contrário você estará apenas fingindo que está trabalhando, quando na verdade está tomando dinheiro de uma pessoa que não receberá em troca o que ela procura: um bom resultado.
Sally palminhas pra ti! Sem mais! rs <3
Ok, momento de exaltação à parte… acho que essa questão é relativa devido ao tipo de serviço prestado. É claro que um serviço de "advogar em causa de" é diferente de um serviço de publicidade e propaganda que também vai ser diferente de um serviço como o meu de tradução. O ponto que mais destaco, no caso, é: o comprometimento e a responsabilidade que se assume perante o trabalho realizado, bem como o zelo pela reputação de tal trabalho! Por isso concordei mais com a Sally nessa! xD
Em qualquer serviço, fica seu nome vinculado para sempre. Você não sabe se em um futuro isso não vai te fechar portas quando você menos espera, sem que você nem ao menos saiba. É por essas e outras que zelamos pelo anonimato aqui, a gente sabe que o mundo dá voltas e as merdas que a gente faz voltam para nos morder na bunda!
Eu detesto profissional palpiteiro. Quando contrato algum tem que ser do jeito que eu quero.
O profissional não é palpiteiro, o profissional sabe o que faz. Palpiteiro é o leigo que se mete onde não sabe. Cuidado, se você se meter a interferir no trabalho de um advogado, grandes chances de ter uma estratégia de defesa errada e acabar se fodendo, porque eles vão fazer exatamente o que você pede e foda-se o que vai te acontecer…
Parece que vocês leram a minha situação atual. Sou Designer de Interiores e tenho uma cliente cuja a área de serviço não poderia ter sido mais mal planejada. Para melhorar minha situação ela fez uma bancada de cozinha do tamanho de um ônibus e deixou pouquíssimo espaço para a área. Agora insiste que quer colocar uma porta de correr para separá-la da cozinha, mas se colocar vai prejudicar todo o acesso aos elementos da área, porque o espaço está extremamente estreito. Ela não vai desfazer da bancada, odeia porta camarão e se eu colocar uma porta que corre para os 2 lados o que ficar no meio vai ficar praticamente inacessível e não da para fazer uma porta de correr tripla. Já dei várias alternativas e ela não aceita (quer igual a da casa do irmão). Sei que vai ficar uma BOSTA e vai queimar meu filme. Prefiro perder a cliente.
Eu também me recusaria. Quem vê não sabe que o trabalho de merda foi imposição do cliente!
Isso vai depender da profissão e da gravidade. Se for um caso de vida ou morte e tá na cara que a pessoa vai se foder muito é válido interferir. Fora disso melhor fazer a vontade do pentelho pra ele não encher o saco e até porque ele tá ali pagando e o profissional tá lá pra fazer o que foi pedido.
E foda-se se o seu nome ficar rabiscado num trabalho de merda para sempre? Isso não mina sua credibilidade?
Tudo depende da área de prestação do serviço.
No meu casamento eu queria algumas flores brancas pintadas de azul. Eu ja tinha visto o spray e sabia que ficava bom. Várias floriculturas não quiseram fazer o que eu tinha pedido porque na cabeça deles ia ficar horrivel.
A que eu fechei fez e a decoração ficou maravilhosa, pelo menos para mim, ficou como eu queria. E a floricultura acabou fechando mais 3 eventos com os convidados da minha festa.
Uma coisa que eu acho que os mecanicos deveriam se recusar a fazer, por exemplo, é rebaixar carro, sabe que isso vai ferar com o carro, com o transito, porque cada vez que esses manés passam por lombadas e buracos para o trânsito inteiro, engenheiros passaram anos estudando e desenvolvendo o carro, para um outro vir e ferrar o trabalho.
Por isso que eu acho que depende muito da área de atuação do prestador de serviço.
Boa tarde, trabalho com design gráfico no setor de marketing corporativo, acabo passando pelas duas situações e com o tempo cheguei a conclusão que só balanceando é que dá certo pra mim, defendo com unhas e dentes minha proposta baseado em tudo que Sally falou, mas acontece que as vezes o cliente chega em um ponto onde ele não se importa com o correto, ele quer da maneira dele e ai não adianta fazer nada, como o Somir falou.
Acho que o jogo de cintura é o mais importante, falo tudo que tenho pra falar, quer mesmo assim? Então tá.
No meu caso os clientes são “internos” (sem trocadilhos, por gentileza) e eu sou paga para fazer o que o cliente quer. Tirando impossibilidades como levantar o perfil dos não-identificados (wat?), espera-se que eu dê minha opinião, que argumento e até discuta, mas que respeite a decisão do “cliente” de fazer ou não. Se não for ilegal, mesmo que seja tosco e que o resultado final não seja o melhor que poderia ser, eu faço. Aviso, marco reuniões diversas vezes e com o maior número de pessoas que eu puder envolver e dou todas as dicas, em todas as etapas. Mas ele vai ter o que pediu no final.
No que eu trabalho, vc é “melhor” se consegue atender, não se dá a melhor solução… É triste, mas é assim. E isso foi uma das coisas que eu descobri depois da faculdade, como disso o Somir, vc “sai da faculdade achando que sua profissão vai ser de um jeito e descobre na prática que não é bem assim… “
Um bebê peidando nos legumes de um supermercado? WTF, Sally. Imagino a cena e não consigo parar de rir.
Acho que tem que haver um equilíbrio. Principalmente quem trabalha na área de comunicação tem que saber a hora de ceder ao cliente idiota, mas também de dar o seu limite. Como disse o Somir, isso acontece com a gente o tempo inteiro… se formos fazer apenas o que achamos legal, até o nosso processo criativo fica prejudicado, além de não entrar dinheiro em caixa.
Tem coisas que não tem jeito, a gente faz. Outras em que se coloca limite… acho essa questão bastante relativa (repito, em áreas criativas, provavelmente na área jurídica o buraco seja mais embaixo…).