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Des Cult: O Exorcista.

| Sally | | 77 comentários em Des Cult: O Exorcista.

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É mais do que um filme de terror, é O filme de terror. Seu efeito transcendeu ao mero susto dentro das salas de cinema, provocando um surto coletivo de histeria, alavancando as consultas a médicos e padres por pessoas que supunham estar possuídas pelo demônio. E mesmo sendo um filme de 1973, ainda é capaz de despertar medo, ultrapassando a barreira da dependência dos efeitos especiais para tal. Um filme feito em uma época na qual se amarrava cachorro com linguiça, e ainda assim, uma obra prima. O Primeiro filme de terror indicado ao Oscar em nada mais, nada menos do que dez categorias e o filme de terror que mais lucrou até os dias de hoje. Des Cult: O Exorcista.

O filme é baseado no livro homônimo, escrito por William Peter Blatty. O livro se diz baseado em um caso real ocorrido em Maryland, nos EUA, que chegou a ser documentado por jornais famosos à época. Foi lançado em 1971 e foi um estrondoso sucesso. Dois anos depois virou filme, igualmente bem sucedido, talvez porque foi o próprio autor do livro o responsável pelo roteiro, talvez porque o diretor era um misto de gênio e louco que deu o tom certo à narrativa. A ideia do filme surgiu quando o homem que seria o diretor, William Friedkin, ganhou um exemplar do livro e decidiu que naquela noite leria o primeiro capítulo. Não conseguiu, leu as 340 páginas sem parar e depois, em suas palavras “não conseguia nem me mexer de tanto medo”. O impacto foi tal que ele procurou o autor e disse que queria muito filmar aquele livro e que fazia questão de que ele fosse o roteirista, para que a essência não se perca.

Durante a elaboração do roteiro, Friedkin interveio e impediu que Blatty o transformasse em um filme comercial. Ele queria um roteiro fiel ao livro. Roteiro pronto, foram bater às portas da Warner. O roteiro foi bem visto, mas o diretor não. Queriam um nome de peso e cortaram Friedkin do projeto. O problema era que ninguém mais quis segurar esse rojão: diversos diretores conhecidos se recusaram a dirigir o filme, seja por superstições, seja por questões ideológicas. Houve até quem alegasse que não o faria por ser contra a violência infantil. É que o personagem da atriz Linda Blair, uma criança à data das filmagens, passa por muitas cenas polêmicas: apanha, xinga os piores palavrões e insultos (spoiler: eu, a boca suja, aprendi coisas em matéria de xingamento com esse filme) e até mesmo se masturba com um crucifixo em uma das cenas. Ninguém teve coragem de ilustrar essas coisas em uma tela grande. Conclusão: não tem tu, vai tu mesmo. Friedkin foi chamado para dirigir o filme, mas só porque mais ninguém queria. O mesmo ocorreu com os atores: muitas atrizes famosas recusaram papéis por considerarem o filme excessivo e de péssimo gosto.

Em um resumo bem grosseiro, o filme conta a história de uma possessão demoníaca em uma menina de 12 anos de idade, Regan, filha de uma atriz. Eu sei, eu sei, contado assim não parece nada de mais, mas O Exorcista é para o terror o que Tolkien é para filme nerd: referência eterna. Tudo que você viu e vai ver sobre possessão demoníaca, exorcismo e similares nasceu dali e é influenciado direta ou indiretamente pelo filme. Um filme redondo, do começo ao fim, que até hoje é capaz de despertar medo em pessoas mais frouxas como esta que vos escreve. Se ainda pode despertar medo hoje, quarenta anos depois do seu lançamento, imaginem o que não causou à época. Como é de costume, o estúdio fez sessões especiais antes do lançamento, para avaliar a reação do público. Segundo relatório posteriormente liberado, as reações variavam entre choro, vômito, desmaios ou sair correndo da sala de cinema no meio da exibição. As reações foram tão violentas que as sessões especiais foram canceladas e chegou-se a cogitar não exibir o filme. Talvez hoje você veja o filme e pense “Tudo isso por causa DISSO?”, mas lembrem-se, estamos falando de quarenta anos atrás. Com a tecnologia disponível, eles fizeram um verdadeiro milagre, uma obra prima do medo.

Alguns efeitos especiais nos remetem ao seriado Chaves, é verdade. Mas contextualizando, se você parar para pensar que se trata de um filme da década de 70, é de se admirar. Estamos falando de um tempo onde não havia efeitos especiais, apenas defeitos especiais. Por exemplo, para conseguir fazer a voz do demônio que tomava o corpo de Regan foi contratada uma atriz, Mercedes McCambridge, que fazia o seguinte combo para ficar com a voz demoníaca: era obrigada a fumar seis maços de cigarros por dia e comer apenas ovos crus e maçãs defumadas. Essa era a “tecnologia” para conseguir uma voz demoníaca. A infeliz nunca teve o devido reconhecimento pela agressão à qual sujeitou seu organismo a fim de obter aquela voz de Panicat. Seu nome não consta nem mesmo nos créditos do filme, pois os estúdios pretendiam esconder a dublagem, o que a deixou muito puta e fez sair dizendo que metade do mérito do filme ser tão assustador era seu. Especula-se que por este motivo a atriz Linda Blair, que interpretou Regan, acabou não levando um Oscar por sua atuação.

Em um ponto alto do filme, quando o demônio tomou de vez o corpo de Regan e está trollando geral, é possível observar que o quarto está aparentemente frio. Quando Regan/Demo fala, sai fumaça de sua boca e quando os demais atores respiram também. Pois é, não é aparentemente, estava frio MESMO. A cena foi gravada em um freezer gigante e a coitada da Linda Blair, que passa metade do filme de camisola, acabou pegando uma pneumonia. As cenas de brigas e agressões físicas eram obrigatoriamente reais, pelo medo de não passar a devida veracidade se fossem simuladas. As atrizes que interpretaram Regan (Linda Blair) e sua mãe (Ellen Burstyn) saíram com diversos hematomas e em uma cena especialmente violenta onde Linda bate em Ellen, (aquela onde é atirada para longe e arrastada em frente a um móvel) Ellen acabou sofrendo uma lesão permanente na coluna. É que para filmar a cena foi amarrada uma corda na atriz e ela foi puxada com um grande tranco, só que, a pedido do diretor, o tranco foi dado antes da hora combinada, sem que a atriz soubesse, para dar mais “realismo”. Reparem quando ela bate com cóccix contra a cama: o grito era de dor de verdade. E a cena foi mantida no filme.

Essa é a magia do filme: tudo era muito precário, mas conseguiram tirar leite de pedra, ainda que com táticas duvidosas. Por exemplo, os gemidos assustadores de Regan quando possuída pelo diabo foram feitos gravando os gemidos de porcos que estavam sendo mortos em abatedouros. Se você não prestar muita atenção ou não tiver esta informação, não reconhece o som, mas seu cérebro reconhece que é algo incômodo, perturbador. Imaginem o que eles fariam se tivessem os recursos de hoje… ou será que era justamente a falta de recursos que os obrigava a essa precariedade criativa? É sério, minha gente, tudo era muito tosco no começo da década de 70. A “maquiagem” que Linda Blair usava para ficar com a cara do Demo levava cerca de oito horas para ficar pronta e sua base era massa de pizza! O vômito verde mais famoso do mundo era feito à base de sopa de ervilhas. Francamente, essa facilidade tecnológica está matando a magia dos filmes. Mesmo com todos os recursos, na minha humilde opinião, não tem outro filme que tenha gerado o medo que “O Exorcista” causou. Tecnologia definitivamente não é tudo, ainda que a maior parte dos diretores pensem assim hoje em dia.

A insanidade do diretor somada ao roteiro de alta qualidade tornaram “O Exorcista” o sucesso que é hoje. Não havia muito limite. Atores contam que William O’Maley, padre na vida real e padre no filme, foi esbofeteado diante das câmeras para “captar uma expressão de tensão mais genuína” em uma cena. Esbofetear um padre é Level Master de comprometimento, ainda mais na década de 70. Quantas pessoas teriam coragem de fazer isso? Colocar uma menina se masturbando com um crucifixo HOJE já seria polêmico, imaginem quarenta anos atrás. Mas deu certo, deu certo porque foi autêntico, porque foi feito com um esforço filho da puta de todos os envolvidos e porque teve a coragem de mexer com o “imexível”.

Antes mesmo de estrear, o filme já causava polêmica: a Warner Bros foi obrigada a retirar o trailer de “O Exorcista” antes da exibição de outros filmes, pois foi considerado “assustador demais” causando reações extremas nas pessoas. Só quem quisesse ver “O Exorcista” teria acesso a ele. Esta decisão foi tomada depois de desmaios, crises de histeria e até mesmo pessoas vomitando de medo nas salas de cinema. Hoje esse trailer “proibidão” pode ser encontrado no YouTube. O impacto que o filme causou foi tão forte que após sua estreia, sacos de vômito passaram a ser distribuídos para quem comprava o ingresso e foi proibida a entrada de gestantes e pessoas com problemas cardíacos. Vários acidentes ocorreram graças ao terror que o filme provocou. Só para citar um: em 1974 um homem desmaiou durante a exibição e quebrou uma costela por conta disso, acabando por processar a Warner.

O filme causou tanto medo que chegou a se banido de diversos países e cidades. Não, não me refiro a fundamentalistas e sim a cidades como Londres. E não foi por motivos religiosos e sim porque as autoridades temiam pela vida e saúde dos espectadores, não queriam crises coletivas de histeria e eclosão de supostos casos de possessão demoníaca. Consultórios médicos e igrejas lotavam de gente que se sugestionava a tal ponto de repetir os sintomas da personagem principal do filme. Mas, como tudo que é proibido desperta ainda mais curiosidade, as pessoas viajavam para outras cidades ou até mesmo outros países para poder ver o filme. No Reino Unido, a Warner disponibilizou o “The Exorcist Bus”, um sistema de ônibus que levava os passageiros para cinemas fora da cidade ou do país que havia vetado o filme, ao cinema mais próximo que o exibia. E caravana para ver o filme não era privilégio europeu, no Brasil também aconteceu, cidades que não tinham cinemas (1973, lembram?) como Ribeirão Preto, Franca e Sorocaba, organizavam um esquema de ônibus para que as pessoas pudessem assistir o filme na capital.

Várias “lendas” e boatos surgiram graças ao fascínio que o filme despertou, a maior parte fruto de imaginação popular que foram propositadamente alimentadas pelo estúdio que o filmou, como forma truncada de divulgação. O único incidente verdadeiro foi um incêndio no set de filmagens, que de demoníaco não teve nada. Sim, atores morreram antes do filme estrear, como por exemplo a atriz que interpretou a mãe do padre Karras (Vasiliki Maliaros), mas uma mente racional leva em conta que a mulher já tinha uma certa idade, é mais provável que tenha morrido de causas naturais do que pelas mãos do diabo. Além disso, em uma produção tão longa e com tantas pessoas envolvidas, meia dúzia de mortes está dentro da probabilidade. Principalmente quando pessoas idosas eram obrigadas a gravar dentro de um grande freezer. Pneumonia? Oi?

O filme transtornou não apenas o espectador, como também a todos os envolvidos. Muitos começaram a se achar amaldiçoados e passaram a vivrer com medo. Mesmo aqueles que não eram idiotas sugestionáveis acabaram sofrendo também, pelo peso da produção. A atriz Linda Blair foi perseguida por fanáticos religiosos que confundiram realidade com ficção e afirmavam que ela tinha o demônio no corpo e precisou andar escoltada por seguranças (disponibilizados pelo estúdio) por mais de seis meses. Até a casa onde supostamente se ambientava o filme sofreu. Os mitos e o pavor que o filme despertou foram fortes o suficiente para que a casa onde foram filmadas apenas as cenas externas, que convenhamos, mal aparece na edição final, ficasse quase trinta anos sem conseguir ser alugada. As pessoas tinham pavor do local. A Warner acabou comprando o imóvel e transformando-o em uma espécie de “ponto turístico”.

E não foram apenas os espectadores a se cagar de medo, o próprio elenco passou maus bocados durante as filmagens e não por causa do demônio. O diretor do filme, William Fridkin, não poupou esforços para deixar o clima o mais pesado possível. Atores comentam que frequentemente em cenas de suspense ele dava tiros para o ar “para obter gritos mais realistas” dos atores, que berravam de susto sincero. Fora as outras “técnicas” já descritas para dar mais veracidade às cenas. O assédio moral rolava solto naquele ambiente de trabalho. No final das contas o impacto do filme foi tão forte que os atores não conseguiram mais se livrar das personagens, principalmente Linda Blair, que ficou marcada eternamente como “A menina do Exorcista”, sepultando sua carreira aos 12 anos de idade.

Este filme está entre os dez mais vistos da história do cinema se for feita uma conta proporcional e justa de bilheteria. O filme foi relançado nos cinemas no ano de 2000, em uma versão estendida (“versão do diretor”), com cenas inéditas, incluindo a sensacional cena de Regan descendo as escadas de costas, com as mãos e os pés nos degraus, cena para a qual tiveram que chamar uma ginasta, que treinou exaustivamente até conseguir fazer o trajeto com agilidade. Ainda assim, a cena foi cortada e só entrou nessa nova versão porque foi retocada digitalmente, pois no original não passou pelo controle de qualidade do diretor. Se você gostou do filme, não deixe de ler o livro, é ainda melhor.

Infelizmente as continuações do filme foram todas deploráveis. Funcionou bem no livro, mas aquelas pessoas dizendo “Pazuzu!” o tempo todo na tela foi um tanto quanto patético.

Fica a recomendação: um filme que foi um divisor de águas, um clássico que vale a pena ser visto apesar da defasagem que o tempo possa ter causado. Não pelo terror em si, e sim para apreciar até onde a criatividade e a inventividade humana podem nos levar. Serve também para refletir até que ponto a tecnologia não vem sendo utilizada em excesso, deixando de ser recurso e passando a ser o principal atrativo de um filme. Enfim, “O Exorcista” é um filme que vale a pena ser visto, nem que seja para falar mal.

Para dizer que se não tem criaturas azuis você não se interessa pelo filme, para me avisar que eu estou ficando velha ou ainda para contar qual cena do filme mais te assustou e passar atestado de “velho” também: sally@desfavor.com


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