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Somir Surtado: Abundância.

| Somir | | 24 comentários em Somir Surtado: Abundância.

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Ainda estou de ressaca da terrível Semana Sim Senhora: Vou escrever um texto curto, confuso e pretensioso que provavelmente não interessará a maioria de vocês. Cada um lida da sua forma… A humanidade está caminhando para uma era de abundância de recursos, e que provavelmente vai chegar cedo demais.

Já escrevi sobre impressoras 3D e o que elas ainda vão fazer pela economia global. O “efeito MP3” (distribuição digital) que virou de ponta cabeça a indústria da música e mais recentemente a de filmes e programas de TV vai chegar no resto do mercado de consumo, nas suas mais diversas formas. Quanto mais baratas e versáteis, mais vão cair no gosto popular. Quanto mais populares, menor a dependência de terceiros para produzir e distribuir produtos de consumo diário. Economia “normal” de ponta cabeça. Se ainda acham que eu estou exagerando na futurologia, sem problemas: Tecnologia avança apesar de opiniões. Vai acontecer.

Mas não falo apenas de equipamentos e peças plásticas. Embora BEM mais distante no horizonte, coisas como roupas, produtos de higiene, remédios e até comida poderão ser sintetizadas no conforto do seu lar. Claro, fala-se disso há muito tempo, por exemplo: Winston Churchill escreveu sobre criar-se apenas peitos e coxas de galinha ao invés do desperdício de criar todo o animal. Isso em 1932! A diferença é que naquela época ainda não conseguiam nem pensar em como colocar isso em prática. Cientistas atuais já conseguem, evidente que não em larga escala e não de uma impressora 3D, mas já existe um elemento menos “ficcional” nessa ciência predita.

Se você souber prestar atenção, a produção científica atual está dando grandes passos para essa nem tão mais utópica sociedade onde escassez não vai ser mais o problema. Onde não seria um problema “imprimir” um jantar gourmet de altíssimo padrão para um mendigo qualquer… Rearranjando átomos até mesmo de lixo! Usar uma pasta base de algo parecido com células tronco – porém sintéticas – para crescer de volta aquele braço perdido num acidente de carro. Sintetizar pílulas de nano-robôs biológicos para tratar aquele câncer chato que ameaça estragar suas férias…

E quando escrevo esses “sonhos”, favor entendê-los mais ou menos como uma pessoa sonhando com as aplicações do recém-inventado rádio na comunicação mundial. Algum maluco já estava pensando em enviar imagem junto com o som muito antes da TV. E esse pensamento estava fortemente baseado nas tecnologias em desenvolvimento naquela época. Essa ideia de sociedade “abundante” não é pura fantasia, parece mais um desdobramento natural do que se descobre, pesquisa e revisa nos dias atuais.

Até diria que podem me cobrar, mas provavelmente nem veremos algo assim em nossas vidas. Ninguém pode garantir, mas parecem coisas para mais algumas décadas (e não séculos, pessimistas). Ah, e se você acha que por isso não tem a menor utilidade pensar no assunto… direito seu. Mas você está lendo o texto errado, caso ainda não tenha percebido. De qualquer forma… Essa é a sociedade que está se desenhando para nós no futuro.

E não consigo deixar de achar que não importa o quanto ela demore para se realizar, ainda vai ser cedo demais. A humanidade gira ao redor do conceito de escassez: As pessoas querem mais, e querem segurança na manutenção desses recursos. Vende-se produtos, serviços e ideias baseadas nessa insegurança instintiva sobre o dia de amanhã. Na verdade, a maioria absoluta das pessoas nesse mundo se valoriza de acordo com sua capacidade de enfrentar a escassez. Provedores no sentido estrito da palavra e provedores de conforto sobre a incerteza de se ter o necessário são elevados ao status de líderes entre o resto do povo. Faróis de realização pessoal num escuro mar de insegurança.

E como tudo o que se valoriza nessa vida, essas pessoas especiais também são escassas. Se todos fossem ricos, ser rico perderia muito da graça. Se não te faltasse nada, o que você valorizaria? Amor? Bom, aí a tecnologia também parece que vai pregar uma peça no “modus operandi” das aspirações humanas: A quantidade de pessoas que JÁ debandaram de relações humanas para ficcionais assustaria muitos de vocês. Claro, como sempre, os apressados comem cru… Inteligência artificial e companhia sensorial sintética ainda estão engatinhando. Pesquisas recentes já compararam uma das mais avançadas inteligências artificiais do mundo com uma criança de quatro anos.

Mas não é como se fôssemos fechar o escritório de patentes. Computação quântica está chegando, ainda mais com transistores que reconhecem fótons únicos e nanotecnologia baseada em grafeno JÁ em produção. Vai chegar. E quando chegar no ponto onde um computador conseguir emular a inteligência e maturidade adolescente média de grande parte da população mundial em idade reprodutiva, começa a abundância de opções para os excluídos do jogo da conquista. Humanos vão dar mais trabalho e oferecer menos recompensas.

Amor poderá ser comprado na loja. Lembrem-se que essa é uma experiência muito rasa e idealizada para grande parte das pessoas; falar sobre amor “de verdade” incorre numa das falácias clássicas (escocês de verdade), na prática as pessoas escolhem mais ou menos o que acham que é o sentimento e vivenciam-no de acordo com essas expectativas. A escassez de bons partidos vai acabar: Bastaria criar uma personalidade compatível (spoiler: 99% vão ser servis) e colocá-la num corpo atraente (que inclusive poderá ser trocado quando se quiser) e pronto! O resto a imaginação humana é capaz de produzir.

Ok, essa análise robótica sobre sentimentos ainda pode ser uma reação alérgica às babaquices que tive que escrever recentemente. Mas há um fundo de verdade aqui que me leva à análise central deste texto: Quando a escassez de recursos se tornar passado e a escassez de relações emocionais e físicas compatíveis idem, vai valorizar o quê? Esse é um problema sério para a humanidade, e nem precisamos viajar tanto para o futuro.

Os ricos e famosos dos dias atuais são exemplos claros de que qualquer desconexão com o instinto de sobrevivência e reprodução mais básicos bagunça a cabeça de uma pessoa. Não que eu esteja dando chancela para aquela estupidez de “rico não é feliz”, mas é neles que podemos enxergar casos claros de como é um problema não ter um plano para a abundância. Se ela chega, seja por riqueza ou por providência alheia, a pessoa precisa conseguir se enxergar além do processo de acúmulo e manutenção de riquezas e relações interpessoais.

Ela precisa saber o que fazer além da escassez. Pior: Ela precisa saber quem É além da escassez. Quantos babacas ricos e famosos já não se mataram (consciente ou inconscientemente) por falta de capacidade de lidar com sua situação vantajosa? Elas provavelmente não eram nada além do rato correndo atrás do queijo em um labirinto. A conquista assusta porque exige novos planos, a maioria deles difíceis de se imaginar quando tudo o que se vê na frente é a aspiração pela abundância.

Um dia a subsistência vai ficar obsoleta. E isso é assustador. Talvez sejamos liberados pela expressão artística e pela curiosidade científica, talvez sejamos protegidos pela ignorância e pela ostentação. Muito embora já tenhamos vários exemplos de qual é o caminho predileto da humanidade…

Para dizer que não entendeu nada, para dizer que entendeu mas concordou com a primeira frase do texto, ou mesmo para dizer que o problema da abundância é um com o qual você lidaria com prazer: somir@desfavor.com


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