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Ele disse, ela disse: Precisa desenhar?

| Desfavor | | 49 comentários em Ele disse, ela disse: Precisa desenhar?

eded-desenho

O que poderia ser apenas questão de gosto vira argumentação por aqui. Quando se pensa em séries animadas da atualidade, Sally acha South Park a melhor de todas, Somir vai de Futurama. Ambos vão defender suas séries preferidas, e os impopulares que se animem a concordar com um deles ou mesmo sugerir algo totalmente diferente.

Tema de hoje: Qual a melhor série animada (adulta) da atualidade?

SOMIR

Evidente que escolher “a melhor” é um terreno arenoso, os parâmetros variam de pessoa para pessoa. Até por isso não fechamos a pergunta apenas numa disputa apenas entre nossas preferidas. Se você perguntar para mim, do alto do meu gosto claramente superior ao de quem não concorda comigo, eu vou de Futurama.

Futurama começou como um projeto paralelo de alguns dos criadores dos Simpsons e meio aos trancos e barrancos, conseguiu sobreviver no extremamente competitivo mercado televisivo americano. Não dá para colocar totalmente na conta dessa coisa meio hipster (detesto que essa palavra exista) de metidos a intelectual como eu: Mesmo não sendo tão famosa quanto Simpsons, Family Guy ou mesmo South Park, ainda sim não é uma série alternativa que só meia dúzia de pessoas “legais” conhecem.

A série se baseia em ficção científica e nerdices em geral para fazer suas piadas. Favor não confundir com o humor anti-intelectual de séries como The Big Bang Theory; Futurama é honesta na sua veia nerd, fazendo referências à cultura pop e à ciência que fazem mais questão de serem bem feitas e bem adaptadas à história do que serem acessíveis para qualquer um que esteja assistindo.

Futurama se desenrola no ano 3000, com a personagem principal sendo um rapaz que ficou preso desde a virada do ano 2000 dentro de uma câmara de criogenia. Com essa premissa, fica óbvio que ficção científica vai ser uma parte integrante da história. É humor, mas também é uma história interessante sobre as nossas expectativas sobre o futuro e um banho de realidade sobre o atraso da nossa sociedade atual. Mesmo sem perdoar a atemporal estupidez humana.

Logo no primeiro episódio, vemos uma câmara de suicídio, na qual Fry (o que veio do passado) entra ao confundir com uma cabine telefônica. Enganos são sempre usados como ferramentas de humor, mas nesse caso, tem uma crítica social muito boa: No futuro, o drama sobre suicídio e eutanásia foi varrido para debaixo do tapete como se fosse uma sujeira qualquer de sociedades arcaicas. Quer se matar, coloca uma moeda na máquina!

Adoro também como a série mostra os robôs e a inteligência artificial em geral: Eles foram programados por humanos, acabaram sendo apenas versões exageradas de nossas personalidades. A grande personagem da série, o robô Bender, é um alcoólatra desonesto e extremamente egocêntrico, mas não só naquele esquema preguiçoso de “colocar uma pessoa dentro de uma roupa metálica” como a maioria dos escritores fazem quando querem criar uma personagem robótica mais interessante: Bender É um robô, não tem a menor vontade de ser humano e ainda os acha inferiores. Ele simplesmente empresta dos humanos as características que acha mais divertidas. Nada de síndrome de Pinóquio aqui, aquela coisa melosa de achar que ser humano é a epítome da existência consciente.

Também muito como os Simpsons (da fase melhorzinha), Futurama adora fazer piadas subvertendo clichês e apresentando resultados mais realistas para as expectativas das pessoas. No ano 3000 as pessoas continuam sendo basicamente imbecis, mas tiram férias em Marte. Tecnologia só te leva até certo ponto.

E como a maioria absoluta das minhas séries de humor, as piadas não estão apenas nas conversas, e sim no desenrolar das situações. Futurama vai ainda mais longe focando principalmente na trama do episódio e se controlando o máximo possível para não estragá-la cortando para uma piada ou situação engraçada. O humor TEM que estar na história, e se não for hora de rir, que não se ria, mas que se avance a história e se estabeleça algo de importante.

Eu gosto MUITO de South Park, provavelmente pelos mesmos motivos que a Sally vai dizer, mas no quesito de contar uma história não dá nem para comparar: South Park depende das suas piadas e de seus absurdos para valer a pena; Futurama é uma história que se desenrola e evolui, sabendo a hora de não se levar a sério (afinal, é feita para ser engraçada) sem ficar refém de apenas um assunto ou referência.

Provavelmente Sally e eu estamos refazendo aquela velha discussão entre sutileza e escracho. South Park não se contenta em sugerir alguma coisa, eles TEM que esfregar na cara de todo mundo e dizer letra por letra o que pretendiam, todos os episódios. Eu sei que os criadores são totalmente capazes de fazer humor mais sutil e é uma escolha deliberada, mas às vezes cansa, ainda mais quando você saca a piada do episódio nos primeiros minutos. No começo, a série do meu herói Cartman tinha um foco bem maior em contar histórias e desenvolver personagens, mas atualmente se resume a cutucar de forma nada discreta a histeria hipócrita da sociedade naquele momento.

É válido, é hilário na maioria das vezes, mas eles estão amarrados nisso, provavelmente para sempre. Uma piada como a da cabine de suicídio não caberia no South Park, não da forma orgânica como entrou em Futurama. De uma certa forma eles estão viciados em entrar gritando na casa das pessoas. Não tem mais conversa, é um carro de som na rua da sua casa! E não é só porque eu concordo com boa parte das opiniões deles que eu vou fingir que não estou vendo.

E eu francamente espero mais de uma série, animada ou não. Talvez Futurama tenha me deixado mimado com a união entre crítica social e roteiro bem desenvolvido. Talvez seja o cuidado enorme com detalhes e informações perdidos no fundo da cena, talvez seja por causa do Bender.

Mentira, é por causa do Bender.

MORDAM MEU BRILHANTE TRASEIRO METÁLICO!

Para dizer que agora tem certeza que não vai valer a pena começar a ver Futurama, para dizer que eu gostar dos dois seres mais egocêntricos de ambas as séries explica muito, ou mesmo para dizer que não quer mais viver nesse mundo: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a melhor comédia em matéria de desenho animado da atualidade? Esqueçam Pica-Pau, Tom & Jerry e outros clássicos, escolham um desenho atual.

É com muito pesar que deixo Simpsons de lado e escolho South Park. Não tem como não escolher South Park. É o ÚNICO que mexe com tudo e todos e não respeita a ninguém, inclusive esculhambando a si mesmo. Simpsons e similares são bons, fazem piadas inteligentes com boas referências mas na hora de ir até o extremo, peidam. Exemplo clássico: após a exibição de um episódio onde Bart Simpson simula ter Síndrome de Tourette para poder xingar a professora, uma criança com esta doença mandou uma carta ofendidinha para o criador dos Simpsons, que se desculpou, mandou brindes e fez questão de se retratar. Agora dá uma olhada na temporada 11, episódio 8 de South Park e observa a diferença de abordagem. Não tem como não ser South Park a melhor comédia animada da atualidade.

Tem como não amar um desenho que sacaneia uma criança com paralisia cerebral (Timmy) e uma criança com paralisia infantil (Jimy) e, como se isso fosse pouco, ainda coloca os dois para brigar, para sair na porrada de forma violenta e sangrenta, com um gordinho igualmente sacaneado, gritando “CRIPPLE FIGHT!”? (temporada 5, episódio 2). Não tem como não amar. Ver Steve Irwin chegando em uma festa para pessoas que já morreram com uma arraia pregada no peito é o tipo de coisa que alegra meu dia (temporada 10, episódio 11). Ver uma puta sacaneada post mortem no Michael Jackson me dá esperança de que nem sempre a pessoa vira intocável quando morre (temporada 13, episódio 8).

Ver um episódio onde se sacaneia e mete o pau na natureza e na floresta tropical em tempos de ecologia raivosa é um colírio (temporada 3, episódio 1). Ah sim, eles também odeiam hippies (temporada 9, episódio 2), muito amor por esse desenho! Chamar Tom Cruise de viado abertamente (temporada 9, episódio 12), sacanear negros e sua intocabilidade (temporada 11 episódio 1), chamar o Bono Vox de merda abertamente (temporada 11, episodio 9), ridicularizar o medo e a paranoia americana (temporada 11, episódios 10, 11 e 12) e chamar a Disney de inescrupulosa e mentirosa (temporada 13 episódio 1) são coisas que não se encontram em um único lugar. Só South Park tem coragem de fazer tudo junto.

South Park não perdoa ninguém, já mexeu com todos os intocáveis, sempre de forma certeira, pesada e corajosa. South Park não deixa subentendido, South Park enfia o dedo na ferida e rasga, é um Processa Eu versão cartoon. É disso que eu gosto, ofensa clara e agressiva. Aquele tipo de piada em que você vê simplesmente não acredita que a pessoa teve coragem de bater tão forte. South Park consegue me surpreender, e olha que eu sei bater forte. Em tempos de ditadura do politicamente correto, ter coragem de agir assim é o maior dos méritos na minha opinião.

Além disso todos os episódios estão antenados com temas da atualidade: sátira de Senhor dos Anéis, de War Craft, de Memes, de tudo que é assunto no momento. Não é um desenho fantasioso, reproduz de forma nua, crua e sangrando a sociedade atual e seus problemas. Admiro isso, muito autor se acomoda e deixa dez episódios prontos usando como tema assuntos genéricos. South Park não, a impressão que me passa é que os filhos da puta produzem o desenho na véspera, porque qualquer grande acontecimento aparece na semana seguinte estampado no novo episódio. Esse cheirinho de Desfavor da Semana me conquistou.

Além disso South Park não me parece ter decaído nada mesmo após 16 temporadas. Muito pelo contrário, ficou melhor. Você conhece algo que depois de 16 anos no ar apenas melhore? Outro grande charme de South Park é que ele não se leva a sério: uma animação propositadamente tosca, que muitas vezes faz referências negativas sobre si mesma, se auto-sacaneia e sacaneia também a comparação que é feita entre ela e outros desenhos como Simpson (temporada 6, episódio 7), por exemplo. South Park enfia o dedo e rasga o cu da sociedade enquanto o resto ou usa de sutileza ou faz humor sem se comprometer.

South Park é a vida como ela é. A mãe de um dos personagens principais, apesar de ser mãe de família, é uma tremenda piranha e todo mundo sabe disso. Onde mais você acha uma mãe piranha? Idosos são ridicularizados como sendo incapazes (temporada 7, episódio 10). Marcas famosas como a Apple (Temporada 15, episódio 1) são trucidadas sem medo. Sabe gente que cria inimizade com TODO MUNDO? Pois é, South Park é gente como a gente. Não perdoa e não tem medo de fazer inimigos. E mesmo fazendo uma penca deles, continua um sucesso. Você tem que ser muito bom para se manter no topo por 16 anos quando tem muitos inimigos.

Humor sutil é ruim? Não, claro que não. Mas requer menos coragem ser sutil, pois menos pessoas compreenderão e o alcance da piada não será tão bombástico. Além disso, existe mais de uma fonte de humor sutil, não é propriamente uma raridade, ao menos não nos EUA, onde é feito South Park. Já humor azedo, cruel, politicamente incorreto… o máximo que se encontra é bichinho fofinho metendo a faca um no outro, sem qualquer conteúdo mais profundo. Ok, Simpsons mete o dedo na ferida social, South Park mete o dedo e ainda rasga de ponta a ponta. Repito: não tem ninguém que faça o que South Park faz, nem em matéria de animação, nem em matéria de seriado. Criticar tudo e todos sem limites só eles fazem.

Basicamente é uma guerra entre a sofisticação nerd permeada por sutilezas e o dedo na ferida, mais ou menos um repeteco do que acontece aqui no Desfavor: Madame aí de cima na sutileza e sofisticação e eu na grosseria. Muito amor pela grosseria, o recado é passado de forma direta, todos entendem e ainda ecoa, porque aquilo que choca, para o bem ou para o mal, é sempre muito divulgado. Se é para fazer algo, que seja de impacto, algo diferente, que mais ninguém está fazendo. Se o Desfavor fosse um desenho, ele seria South Park: precário, porém corajoso e grosseiro.

Se você nunca assistiu a South Park, não perca mais tempo da sua vida e procure na internet versões LEGENDADAS (nem ouse assistir dublado) e divirta-se.

Para fazer o maduro e dizer que desenho animado é coisa de retardados, para se calar envergonhado por nunca ter visto nenhum dos dois desenhos ou ainda para deixar aflorar seu lado nerd e entoar bordões nos comentários: sally@desfavor.com


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