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Desfavor Convidado: Relatos dos Protestos

| Desfavor | | 53 comentários em Desfavor Convidado: Relatos dos Protestos

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Desfavor Convidado é a coluna onde os impopulares ganham voz aqui na República Impopular. Se você quiser também ter seu texto publicado por aqui, basta enviar para desfavor@desfavor.com.
O Somir se reserva ao direito de implicar com os textos e não publicá-los. Sally promete interceder por vocês.

Relatos dos Protestos: Trazemos aqui dois textos enviados por leitores do desfavor sobre a atuação policial durante os protestos da semana que se passou.

Relato 01

Rio de Janeiro, 20/06/2013
Manifestação programada pra acontecer no Centro da Cidade, com início às 17hs
Concentração: Candelária / Destino: prédio da Prefeitura
Expectativa: 1 milhão de participantes

O que vi, ouvi e vivi durante a manifestação.

Aproximadamente 18hs. Apesar de a concentração estar marcada para acontecer na região da Candelária, nas principais ruas e avenidas do Centro da Cidade (como Presidente Vargas, Uruguaiana, Rio Branco, Av. Chile etc) pequenos e médios grupos de manifestantes se reúnem para se preparar: usam roupas e acessórios diversos com símbolos pátrios (a bandeira, na maioria das vezes), fazem cartazes, tocam instrumentos e cantam.

Enquanto caminhava por grandes avenidas sem carros (apenas trânsito de pedestres), também pude observar que muitos prédios, lojas, praças (e outros espaços públicos), estações de metrô etc estavam fechados e alguns protegidos por grades e tapumes. Fato conhecido e bastante noticiado pela imprensa.

Ao desembarcar na estação da Uruguaiana – uma das principais estações de metrô do Centro da Cidade e estrategicamente próxima do local da concentração (Candelária) – tomei o primeiro “choque”: o Metrô Rio FECHOU as saídas da estação (que tem saída para várias ruas), PRENDENDO CENTENAS DE PESSOAS COMUNS E MANIFESTANTES. Ninguém saía, ninguém entrava. Ao que pergunto: a mando de quem? Qual o interesse do Metrô Rio em IMPEDIR A SAÍDA DE PESSOAS (QUASE TODOS MANIFESTANTES) NA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS, onde ocorria a concentração? Pior: vocês conseguem visualizar a IMPRUDÊNCIA que é PRENDER CENTENAS DE INDIVÍDUOS NUM AMBIENTE CONFINADO/SUBTERRÂNEO, sem qualquer motivo aparente, num calor intolerável e com ânimos cada vez mais exaltados? Eu só conseguia pensar no ABSURDO que era ESTAR PRESA, sem poder sair de uma estação de metrô. Cercearam meu direito de ir e vir! Durante vários minutos! E só nos liberaram porque a quantidade de pessoas que desembarcavam naquela estação só aumentava, enquanto a paciência de quem estava (e queria sair) dali só diminuía. ÓBVIO que ameaçaram depredar tudo. Creio que por isso resolveram liberar as saídas…

Uma vez na Presidente Vargas, admito que me emocionei. Foi um momento bonito: todas aquelas INCONTÁVEIS pessoas reunidas, PACIFICAMENTE, com toda intenção de fazer alguma diferença, causar uma mudança positiva, ainda que defendendo causas que lhes eram particulares. AFIRMO COM TODA CERTEZA: não há orientação partidária, nem uma ideologia clara, por trás das manifestações. Não vi qualquer bandeira de partido político. Não tinha “uma cabeça”, não tinha “líder”. Tinha muitas vozes, muitas exigências e muitos cartazes. A maioria com mensagens sérias e clamor por educação, saúde (qualidade na prestação de serviços públicos de forma geral), fim da corrupção, “derrubada” de projetos de leis e leis tidas como nocivas. Outros cartazes traziam mensagens bem humoradas e, confesso, alguns me mataram de rir, como: “FELICIANO, CURA DE CÚ É ROLA!”, “O GAY NÃO PRECISA DE CURA, PRECISA DE PIROCA”, “PICA NA PEC 37”, “MAIS BOQUETE E MENOS PEC” etc…

Quem estava nos prédios em volta, mas não quis descer, deu sua contribuição com chuva de papel e/ou piscando as luzes como forma apoio ao “movimento”. Tudo regado à comemoração e gritos em agradecimento do povão. Bordões surgiam por todos os lados e um dos mais interessantes pelo momento que estamos vivendo dizia: “DA COPA ABRO MÃO, QUERO MAIS EDUCAÇÃO!”. Isso denuncia o espírito do cidadão com relação à supervalorização desses eventos mundiais em contrapartida à desvalorização do cidadão, não acham? Enfim, o clima era de festa, animação, excitação.

Nos pusemos a caminhar pela gigantesca Avenida Presidente Vargas… Um MAR DE GENTE. Não dava pra ver o chão. Helicópteros sobrevoavam a aglomeração de uma altura considerável. Pareciam ser da imprensa. Não havia qualquer traço de briga, vandalismo ou posturas negativas. Tirei muitas fotos, pois queria partilhar o momento com amigos, mas (surpresa nenhuma) a maioria das operadoras de telefonia móvel estavam sem sinal pra realizar/receber chamadas, que dirá para acessar a internet… (Pane geral ou sobrecarga? Não foquei nisso… Segui o fluxo.)

As coisas começaram a ficar estranhas quando alcancei o Sambódromo. [Pra quem conhece fica fácil, mas pra quem não conhece o Centro do Rio, sugiro pegar um mapa pra entender essa parte da estória.] No Sambódromo, que fica bem distante do prédio da Prefeitura, fileiras e mais fileiras de pessoas caminhavam em sentido contrário, com aparente calma… Perguntei a uma dessas pessoas o que estava acontecendo e ela respondeu que o clima na frente do prédio da Prefeitura estava “tenso” e os ânimos se exaltando. Continuei caminhando. 5 minutos depois, as fileiras “apertaram o passo” e um ensaio de correria começou. A horda de pessoas que seguiam ao meu lado em direção ao prédio da Prefeitura começou a gritar “NÃO CORRE, ABAIXA”. Sentamos no meio da avenida. Perguntei a outro manifestante que voltava do local da Prefeitura se algo estava acontecendo (eu imaginava o pior) e ele respondeu que “TENTARAM INVADIR O PRÉDIO DA PREFEITURA E O BOPE DESCEU O CACETE”. O BOPE. Aquele mesmo do filme. O equivalente carioca do CHOQUE (paulista). Lembrei de um vídeo onde um ex-comandante do CHOQUE comenta: “O CHOQUE NÃO CONVERSA. O CHOQUE NÃO FOI FEITO PRA CONVERSAR”. O que passou pela minha cabeça foi: “O BOPE NÃO CONVERSA. O BOPE NÃO FOI FEITO PRA CONVERSAR”. Deu um medinho… Leve (pois eu ainda estava distante).

Uma iluminação artificial “rasgava” o céu, enquanto um som de explosão bem distante podia ser ouvido. As fileiras aumentaram e ficou insuportável permanecer ali. Ou seguia em frente e encarava o que quer que estivesse acontecendo “pra aqueles lados” ou eu voltava. Eu voltei. Voltei pro Sambódromo. Com muita dificuldade, por sinal (GENTE PRA CARALHO…).

Já no Sambódromo, notei que TODO MUNDO parecia estar voltando ao início da avenida, de onde havíamos partido. A multidão caminhava com tranquilidade, ordenadamente. Mas muita gente olhava pra trás… E os sons de explosão, ainda ao longe, se multiplicavam. Deu pra perceber que A MERDA QUE COMEÇOU NO PRÉDIO DA PREFEITURA SEGUIA A MANIFESTAÇÃO. Que estava pacífica, até aquele ponto.

Foi quando eu vi os primeiros BADERNEIROS: com os rostos cobertos, subiam nas grades de proteção e escalavam muros, prédios etc., olhando ostensivamente em direção às bombas. Mas não fizeram muito além disso (ainda). Fui pra uma rua lateral onde tinha um bar com televisão pra saber das notícias sobre a manifestação (porque internet funcionando ali, nem com reza forte). A confusão no Centro do Rio havia começado e seguia na direção onde eu estava. Medinho. Moderado.

Há poucos metros, vi muita fumaça no céu e o barulho de bombas estava desconfortavelmente perto… Nessa hora, os helicópteros sobrevoavam de uma altura estranhamente baixa. Tudo aconteceu muito, muito rápido: de repente a pequena rua onde eu estava se encheu de pessoas correndo, apavoradas, gritando: “ELES ESTÃO CHEGANDO, ELES ESTÃO PERTO, ESTÃO VINDO DALI…”. Dessa vez fiquei com MEDO: da correria, da multidão, de ser esmagada, pisoteada. Busquei abrigo num bar, mas logo ouvi um estalo e a rua se encheu de fumaça. Era gás lacrimogêneo. Soube porque meus olhos lacrimejaram incontrolavelmente, minha garganta ardeu, meu nariz e boca pinicaram. Alguém gritou “SE A GARGANTA ARDER, COSPE. COLOCA A CAMISA NO ROSTO E NÃO ESFREGA OS OLHOS”. Obedeci.

Fiz o caminho contrário da multidão e voltei pra avenida. Estava com muito medo. Vândalos “pipocaram” de todos os lados: surgiram com pedaços de pau, depredaram carros, subiam em árvores, destruíram carros e os pardais próximos. Pensei: “AGORA FUDEU. VANDALIZARAM E DERAM A DESCULPA PERFEITA PROS POLICIAIS ENCERRAREM A MANIFESTAÇÃO À BASE DA PORRADA”. Foi exatamente o que aconteceu.

Tudo estava encoberto por fumaça. O ar estava impregnado daquele cheiro estranho que causava irritação imediata. Agora, o som das bombas (que cortavam o ar em diversas direções) fora acrescido pelo som de disparos. Alguém mandou o povo correr porque “AQUILO ERA TIRO DE BORRACHA”. MEDO REAL. Quis ir embora.

Muita gente buscou abrigo onde pode: prédios, bares (os poucos que estavam abertos), estações de metrô etc. Com a proximidade da polícia (que nunca cheguei a ver, mas temi pelo EVIDENTE POTENCIAL OFENSIVO), acabei buscando abrigo na estação ferroviária Central do Brasil, juntamente com centenas (talvez milhares) de pessoas.

O que aconteceu a partir daí foi SURREAL e REVOLTANTE: os policiais atiraram várias bombas de gás lacrimogêneo DENTRO DA CENTRAL DO BRASIL, CONTRA MANIFESTANTES QUE ESTAVAM RECUANDO, PACIFICAMENTE! Percebam: manifestantes pacíficos (não tinha vândalos ali) buscaram abrigo na Central do Brasil e foram alvejados por bombas de gás lacrimogêneo. Por quê? Pra quê? Eu estava sentada em um local pensando se era mais seguro ficar ali (e correr o risco de sufocar) ou voltar pra rua (e correr vários outros riscos, inclusive de levar porrada ou bala de borracha). Foi quando decidi pegar o trem e ir embora. COM MEDO, MAS MUITO REVOLTADA. Era pouco mais de 21hs.

Já mais calma, só senti revolta. Ficou claro pra mim que A REPRESSÃO POLICIAL NÃO FOI AO VANDALISMO (SOBRE OS VÂNDALOS), MAS SOBRE A MANIFESTAÇÃO. Escutei de várias pessoas a mesma coisa: “Sou totalmente contra violência e vandalismo, mas depois do que fizeram com a gente (polícia), dá mesmo vontade de quebrar tudo”.
Deixo claro que DE FORMA ALGUMA apoio o vandalismo, a depredação, a violência. Mas hoje eu senti na pele a REPRESSÃO contra um movimento que pode ser cheio de defeitos e inconsistências, mas que era legitimamente pacífico. Revoltante.

Antes de terminar, uma convicção: é por causa da REPRESSÃO que as manifestações não vão acabar tão cedo! NÃO HÁ UMA CAUSA COMUM, NÃO HÁ UMA LIDERANÇA, NÃO HÁ CONVICÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA. O QUE UNE ESSE POVO TODO, EM TODO O PAÍS, É REVOLTA: CONTRA O “SISTEMA”, CONTRA O DESCANSO, CONTRA A IMPUNIDADE E CONTRA A REPRESSÃO VIOLENTA (tentativa clara de esmagar a “voz” do povo). O resultado é esse: VAI CONTINUAR. VAI INCOMODAR MUITO AINDA. E eu estarei entre eles, pois o medo que senti não supera A REVOLTA que ficou.

Anônima

Relato 02

Fui ao protesto do RJ e fiquei na FND até umas 23:40. Nunca fui tão humilhada na minha vida. Corri o centro da cidade inteiro atrás de um ônibus ou uma estação de metrô aberta. Quando achava que estava num local seguro, sem confusões, manifestantes corriam em direção oposta a que eu estava indo pra me proteger. Daí começava tudo de novo. Inalei gás várias vezes. Os policiais nos ENCURRALARAM. Por uma sorte DO CARALHO, consegui chegar por acaso à FND, e lá fiquei até ser ESCOLTADA até o metrô da Central por uns 4 ou 5 advogados da OAB (enviados pelo reitor da UFRJ, que quis assegurar a integridade de todos aqueles que se refugiaram lá) e 2 carros com a identificação da Ordem.

Os policiais atacaram primeiro, foram covardes. Estávamos apenas lá, em frente à Prefeitura. Não havia NINGUÉM depredando ou ateando fogo em algum lugar. Foi do nada, de repente. Eu até agora não consigo entender. O que eu li foi que um grupo de “manifestantes” colocou fogo em uma lixeira estourando uma bomba dentro dela. Os cavalos (da cavalaria, não os fardados) se assustaram e a polícia foi pra cima de todo mundo. Outra versão conta que dois manifestantes começaram a brigar, os cavalos se assustaram e aí começou a confusão. Sem comentários.

Eles jogaram a primeira e a segunda bomba de gás lacrimogêneo e as pessoas começaram a se empurrar muito (tinha muita gente, não dava pra correr), e pelo que pareceu, outro grupo policial também atacava do lado oposto. Enquanto isso, o povo também gritava “sem violência” e “Cabral é ditador”. Quanto mais gritávamos, mais eles atacavam. Por um momento, torci para que todos se calassem e apenas se dissipassem, porque o gás estava já irritando minha garganta e olhos. Além disso, a multidão se empurrando e muito agregada estava produzindo um calor sufocante. Tirei a máscara para que pudesse, paradoxalmente, respirar melhor.

Uma amiga passou mal e por sorte alguns socorristas (estudantes de Medicina) estavam se voluntariando e abriram passagem para levá-la a um lugar menos conturbado. Enquanto a deitávamos no chão, policiais atiravam bombas de efeito moral nos dois sentidos da rua. Encurralados mais uma vez. Fui pedir ajuda para minha amiga em uma unidade de controle (que controle?) da Prefeitura, e eles me negaram. Ao falar “mas e aí, ela vai ficar lá desmaiada?”, o policial que estava lá dentro simplesmente deu de ombros e fez uma cara do tipo “o que eu posso fazer?”. Senti muito ódio.

Depois de levarmos minha amiga para a frente dessa unidade municipal, eles foram praticamente obrigados a deixá-la entrar, porque a tropa de choque vinha se aproximando e já estava lançando bombas a poucos metros dali. Assim que ela entrou, duas bombas foram novamente lançadas a menos de 2 metros de mim, uma de cada lado. Novamente, correria. Corria – achava um lugar seguro – corria até ir parar na Faculdade Nacional de Direito e acontecer tudo o que eu falei ali no começo do post.

Nas ruas, a Tropa de Choque, cavalaria, viaturas da PM, a Força Nacional e até o FUCKING BOPE! BOPE. B-O-P-E. Dois comentários: 1) até onde eu sei, eles não trabalham com armas não-letais. 2) Eu não quero pagar o salário de um governador que coloca o BOPE pra me agredir na rua.

A informação era de que tinha 1 morto no Souza Aguiar e 17 feridos. Pessoas tiveram amputações pelas bombas (eles estavam tacando bombas nas pessoas MESMO) e tiros de borracha. Vi vídeos de policiais tirando a farda e ficando à paisana, e assim depredavam patrimônio público/particular. Vi um outro vídeo de policiais atirando em um grupo não armado e com as mãos pra cima, enquanto eles só estavam tentando voltar pra casa. Na FND, carros e mais carros de todo tipo de repartição policial passavam ostentando poder. Passavam a 10 km/h e ficavam olhando os que estavam do lado de fora do prédio (depois que a correria em frente à Faculdade já tinha acabado e muita coisa já havia sido queimada), tentando intimidar.

Um amigo se refugiou na estação de trem da Central com o marido, e ambos ficaram chocados. Na estação, os portões foram fechados, enquanto os policiais tacavam bombas lá fora. As pessoas, desesperadas, fizeram muita pressão e arrombaram o portão da Supervia, e ainda assim as bombas continuavam, EM CIMA DO POVO.

Ao mesmo tempo que me sinto provocada, tenho muito medo de voltar às ruas para protestar pelo que for. O que passei hoje foi absurdo. Absurdo. Me sinto humilhada. Corri de uma força truculenta e invasiva mesmo não tendo feito NADA. Só consegui sair de onde estava porque fui escoltada, senão seria presa ou alvejada, muito provavelmente. Consigo entender agora aqueles cujo ódio inflama e se transforma em “vandalismo”.

Anônima


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