Skip to main content

Des Contos: Enquanto isso…

| Somir | | 10 comentários em Des Contos: Enquanto isso…

desc_enquantoalgumlugar

Enquanto isso, em… algum lugar:

HOMEM: Ai… Márcia? Márcia?
VOZ: Você não está mais no hospital, Robson.
ROBSON: Onde eu estou? Cadê minha mulher? Por que eu não estou enxergando nada?
VOZ: Bom, sua mulher está na sala de espera do hospital e você ainda está se adaptando a este lugar. A pergunta sobre onde você está que é um pouco mais complicada de responder.
ROBSON: Eu estou morrendo?
VOZ: Não.
ROBSON: Então…
VOZ: Você já morreu.
ROBSON: Como assim?
VOZ: Infarto agudo do miocárdio. Foi uma morte bem rápida.
ROBSON: Não! Não! Não pode ser… Meus filhos… Márcia…
VOZ: Eles vão ficar tristes, claro. Mas não se preocupe demais, logo eles seguem em frente… Dessa vez você não foi um grande pai ou marido.
ROBSON: Isso é um sonho?
VOZ: Sabe que essa é uma boa resposta para sua pergunta sobre onde você está?
ROBSON: Então…
VOZ: Não, morto você está. Aquela vida não vai mais continuar. Mas de uma certa forma, aqui não deixa de ser um sonho… Construído em cima de suas ideias, memórias e crenças.
ROBSON: Eu estou te reconhecendo… Padre Douglas?
PE. DOUGLAS: Ah, recuperou a visão? Então eu me pareço com o… Padre Douglas?
ROBSON: Eu estou no céu, padre?
PE. DOUGLAS: Pelo visto… campos verdejantes, fontes de água cristalina… um belo céu ensolarado. *olhando ao redor*
ROBSON: Mas o senhor disse que eu não fui um bom pai e marido.
PE. DOUGLAS: Eu disse do ponto de vista dos seus filhos e sua mulher. Eu não te julgo por nada… Nem é minha função. Você está onde você imagina estar. E provavelmente está falando com alguma figura de autoridade da sua infância, certo?
ROBSON: O senhor é ou não o Padre Douglas?
PE. DOUGLAS: Sim e não. Você me enxerga como quiser.
ROBSON: Então você… o senhor… é…
PE. DOUGLAS: Deus? Você ia perguntar isso, não?
ROBSON: Isso.
PE. DOUGLAS: Sim.
ROBSON: … *caindo de joelhos*
DEUS: E não… É tudo uma questão de perspectiva. Eu não sou mais ou menos Deus que você, por exemplo.
ROBSON: Hã?
DEUS: Agora eu sou um velho barbudo? De qualquer forma, Robson, agora está na hora de voltar.
ROBSON: Eu vou reencarnar?
DEUS: Isso!
ROBSON: Então… os budistas que estavam certos?
DEUS: Mais ou menos. Vamos lá?
ROBSON: Eu não posso ficar no céu? Sei lá… pelo menos algum tempo?
DEUS: Não se a gente quiser continuar no cronograma. Dessa vez você vai ser uma bela garota persa no ano de 921.
ROBSON: Opa! No passado?
DEUS: Tempo nada mais é do que uma ideia.
ROBSON: Eu vou renascer antes de nascer? Mas… e não acontece de uma reencarnação encontrar com outra dessa forma?
DEUS: Claro. O tempo todo!
ROBSON: E isso não cria problemas?
DEUS: Essa é a ideia. Se as suas vidas não se encontrarem, você não aprende nada.
ROBSON: Mas e as outras pessoas?
DEUS: Que outras pessoas?
ROBSON: Todo mundo! Elas também morrem e voltam em tempos diferentes?
DEUS: Sim…
ROBSON: Então…
DEUS: E não. Elas morrem e voltam, mas não são outras pessoas.
ROBSON: Peraí… deixa eu entender… eu… sou todo mundo?
DEUS: A ordem é importante… Todo mundo é você. Em tempos, locais e condições diferentes. Todos interagindo entre si neste universo.
ROBSON: Mas então eu não sou o Robson?
DEUS: É sim. Mas também vai ser a garota persa. Assim como já foi Napoleão, Cleópatra, Einstein, Hitler… Já tivemos essa conversa mais de cem bilhões de vezes.
ROBSON: Todas as pessoas? Mas… isso não faz sentido… O mundo não pode começar só com um… com um Adão!
DEUS: Você está novamente se prendendo à ideia de tempo. Recomeçamos inúmeras vezes até chegar nesta versão.
ROBSON: Então eu tive filhos comigo mesmo?
DEUS: Sim. É uma experiência bem interessante.
ROBSON: Tudo o que eu fiz com outras pessoas… na verdade…
DEUS: Você fez com você mesmo. Quando você foi gentil com outra pessoa, foi gentil consigo mesmo. Quando você foi cruel…
ROBSON: Todas as coisas horríveis que as pessoas fazem? Não… Não… eu não sou assim! Eu não matei criancinhas, eu não torturei… Não!
DEUS: Se te serve de consolo, os gestos mais nobres, as grandes descobertas, os maiores sucessos… tudo seu também. Você foi o mocinho e o vilão. Ao mesmo tempo.
ROBSON: Mas… eu acho que fiz mais coisas ruins do que boas.
DEUS: Isso eu já considero meio relativo, mas oportunidade não vai faltar para fazer diferente.
ROBSON: Eu não vou lembrar dessa conversa, né?
DEUS: Claro que não. Que propósito teria? Você não está fazendo isso para ganhar pontos, você está aprendendo.
ROBSON: Aprendendo o quê?
DEUS: Sobre a vida. O mínimo necessário que se espera de nós.
ROBSON: Nós?
DEUS: Quem inventou o conceito de Deus foi você. Lembre-se que você só está me vendo assim porque escolheu. Nós somos muitos, e temos todo o tempo do mundo. Inclusive para dar a melhor criação para os nosso.
ROBSON: Então este universo… é uma escola?
DEUS: Eu diria mais para um útero. Não adianta nem te explicar o que seria o nosso equivalente a uma escola agora… Talvez daqui a mais umas centenas de bilhões de vidas.
ROBSON: E seu não quiser reencarnar?
DEUS: Isso não vai acontecer.
ROBSON: Então eu não tenho escolha?
DEUS: Claro que tem. Mas você já a fez. Você só não consegue lembrar dela ainda…
ROBSON: Quem garante que eu escolhi assim? Você pode estar me enganando!
DEUS: Robson, eu tenho certeza. E por consequência, você também.
ROBSON: Você…
ROBSON: Eu.
ROBSON: Então… eu te vejo por aí!
ROBSON: Pode apostar.

FIM?

Para dizer que tudo faz sentido agora, para dizer que nada mais faz sentido, ou mesmo para dizer que tem quase certeza que não é o Robson: somir@desfavor.com


Comments (10)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: