Flertando com o desastre: Os velhos ricos.
| Somir | Flertando com o desastre | 21 comentários em Flertando com o desastre: Os velhos ricos.
Saiu o novo relatório do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), publicado pela PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Como está na moda, o estudo veio recheado de menções aos “países do sul”, dentre eles os tão falados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e seu crescimento nas estatísticas, além da importância no cenário mundial. Bacana… mas tem algo de excepcional nisso?
Por incrível que pareça, não. Essa história de Primeiro e Terceiro Mundos é ranço dos tempos da Guerra Fria. Na verdade, essa separação tinha mais a ver com o alinhamento político dos países do que propriamente a riqueza e qualidade de vida experimentadas por seus habitantes. Existia um Segundo Mundo, e ele era comunista. O tempo passa, a Guerra Fria acaba, mas ficamos com essa história de mundos separados na cabeça.
Não sem um fundo de verdade: os países aliados dos EUA durante essa fase cresceram bastante economicamente; deixando para os ex-comunistas e os ex-desalinhados as sobras dessa pujança toda. Como os termos já não faziam muito sentido, trocou-se Primeiro Mundo por países desenvolvidos e Terceiro Mundo por países em desenvolvimento. Uns já chegaram, outros ainda vão chegar.
E é exatamente isso o que acontece no mundo atual: os países em desenvolvimento estão chegando, aos trancos e barrancos, mas estão chegando. Muito se engana quem acha que existe algum “milagre de desenvolvimento” acontecendo por aí: índices de IDH parecidos com o brasileiro, por exemplo, são o mínimo obrigatório no mundo atual. Em condições normais de temperatura e pressão, qualquer país do mundo atual não faz mais do que a obrigação aumentando escolaridade, reduzindo mortalidade infantil e eliminando pobreza.
Dependendo das estatísticas pelas quais se tenta diferenciar o desempenho dos países, a diferença entre países ricos e pobres é muito menor do que era, por exemplo, dez anos atrás. Menor ao ponto de não ter mais como separá-los em grandes grupos. Principalmente em estatísticas mais “básicas” como as que definem mortalidade, reprodução e acesso aos serviços públicos mais essenciais.
Os países africanos – com alguma exceções em locais assolados por guerras civis – estão evoluindo muito em aspectos sociais. Na realidade, boa parte dos países ditos em desenvolvimento estão basicamente imitando os padrões de qualidade de vida que os atuais desenvolvidos tinham há várias décadas atrás. Famílias com menos filhos, que morrem menos e tem mais acesso ao estudo, consistentemente nos últimos anos.
E isso é importante porque entender a tendência global esvazia o discurso eleitoreiro de quem quer tomar crédito pelo avanço científico e intelectual do mundo. O conhecimento humano aumentou; para muitos problemas de tempos antigos onde a única solução era torcer pelo melhor, hoje se tem métodos comprovados com grande margem de sucesso. Fazer o mínimo possível para o cidadão ou cidadã simplesmente chegar mais longe na expectativa de vida é exponencialmente mais simples em 2013 do que era em 1963, por exemplo.
Assim como se poderia dizer o mesmo na comparação entre 1863 e 1963. Existe um padrão mínimo de exigência sobre a qualidade de vida das pessoas, e ele sobe de acordo com o potencial de cada época. Tem muito problema que se resolve mais pela descoberta da resposta do que pela vontade de aplicá-la. Arrisco a dizer que para chegar num índice de desenvolvimento básico mais elevado, basta não atrapalhar. O ímpeto humano de aumentar sua qualidade de vida (assim como de seus descendentes) não se intimida com muita coisa.
Não tendo uma arma apontada para a cabeça já funciona muito bem para sair do atraso. E olha que mesmo países mais linha dura e antidemocráticos estão seguindo essa ascendente de padrões mínimos. E cada elemento básico que uma geração ganha, a próxima consegue aproveitar mais. Aumenta a expectativa de vida, aumenta o investimento dos pais nos estudos dos filhos. Diminui a mortalidade infantil, diminui o tamanho das famílias e a atenção dispensada a cada um dos filhos… É uma bola de neve positiva.
É um FEITO conseguir colocar a linha de desenvolvimento numa descendente. Tem que fazer uma quantidade de merdas avassaladora, como as vistas principalmente em países africanos nos anos 90. E bastou estabilizar um pouco que o desenvolvimento humano já começou a disparar de novo. O povão em geral pode não ser muito articulado, mas não tem vocação para masoquista… E não precisa de muito para tirar alguém de condições precárias de vida.
Mesmo se o governo abandonar, sempre vão existir aqueles seres humanos abnegados que vão se enfiar no meio da selva mais remota ou da favela mais violenta para ajudar seus semelhantes. Pode demorar muito mais, mas o padrão de vida vai acabar subindo. Percebem como existe um fator mais “orgânico” nesse aumento de desenvolvimento humano? Isso faz parte da humanidade desde os tempos mais remotos.
Por isso não se pode olhar para um país que está evoluindo socialmente e achar que necessariamente existam políticas públicas de qualidade em vigor. Erradicar miséria e condições de vida desumanas é obrigação, e não precisa de grandes empurrões para acontecer eventualmente. Pode-se navegar à deriva porque a corrente leva para lá… Percebam como países como a Coréia do Norte precisam mover o céu e a terra para estagnar o desenvolvimento humano de seu povo. É difícil ferrar um país nesses critérios mais básicos.
E por incrível que pareça, tirando do caminho um possível desastre natural ou uma nova grande guerra, o curso da maioria dos países desse mundo eventualmente desemboca em IDHs altíssimos como os da Noruega atual. Sei que pode parecer um exagero, mas entendam que quando os países mais fodidos de hoje chegarem lá, o padrão alto vai estar bem pra cima. Ou vai ser outro… A humanidade não vai parar de subir o padrão desejado, e comparações com cinquenta anos no passado vão ficar cada vez mais expressivas em favor do presente. Pessoalmente eu não acredito que vá existir um ponto onde se diga que está tudo perfeito, e desconfio que nesse ponto pouca gente vá discordar. Tem muito o que conquistar, e o nível de exigência sobe de acordo com essas conquistas.
É justamente por isso que não se mede o sucesso de um governo ou modelo de desenvolvimento por seguir a média, e sim pela sua capacidade de “escapar para cima” da curva padrão. Países com investimentos pesados (e corajosos) em educação subiram feito um foguete nesses índices assim que as gerações mais educadas entraram em idade produtiva. Governos que incentivam iniciativa pessoal sem se descuidar do social produzem países mais estáveis e livres, por mais tempo.
O desejável é fugir da curva média e ganhar tempo. Chegar mais cedo no nível possível de desenvolvimento humano para o momento atual. E sem distorções… Os EUA estão na terceira posição, mas 1% da população controla 40% das riquezas nacionais. O valor por cidadão fica inflacionado e eles acabam bem mais altos na lista que deveriam. Tudo bem que lá as coisas estão bem melhores que num Brasil da vida, mas o modelo está cagado e cada vez menos interessante de se copiar.
Mas e não é que é justamente esse que o 85º lugar na lista está tentando emular? O dinheiro em circulação no Brasil aumentou bastante, mas continua se concentrando de forma errada. Na média, no IDH para inglês ver, a renda do povo aumenta consideravelmente. Na prática, os miseráveis estão miseravelmente menos miseráveis (adorei essa frase) e os ricos estão escrotamente mais ricos. Os pobre estão na “curva do desenvolvimento mundial”, os ricos estão escapando dela numa velocidade impressionante.
Isso é sinal de que não só o poder público está pegando carona no impulso HUMANO de melhorar de vida para se beneficiar como ainda dando um jeito de atrapalhar a escapada dos pobres da linha básica de desenvolvimento humano. Os pobres vivem na África, os ricos nos EUA. A economia brasileira continua muito primária (índio planta soja, índio extrai ferro, índio fura poço), educa-se mal e por pouco tempo a população, a saúde pública é uma lástima… Grandes merdas pegar carona em renda per capita inflacionada por ricos muito mais ricos e deixar a estrutura basicamente na mesma.
Em 2050, segundo previsões do próprio PNUD, os BRICS serão responsáveis por mais da metade da produção mundial. Mas vão continuar fora da linha de desenvolvimento humano muito alto. Vão estar bem melhores, é claro… Mas na média, vão continuar mais ou menos o mesmo número de “anos de desenvolvimento” na frente dos países mais miseráveis que estão hoje em dia.
O problema é que ao invés de querer chegar na Noruega o mais rápido possível, querem chegar nos EUA. E para imitar a “história de sucesso” deles, precisa-se de mais uma ou duas grandes guerras. Parafraseando Galvão (Eca) Bueno: Não tem mais bobo na geopolítica. O modelo de exploração de outros países vai ficar cada vez mais difícil de imitar.
É só prestar atenção nas estatísticas. Os EUA estavam em segundo lugar ano passado, a Noruega continuou no mesmo lugar. Acima da curva.
Noruega…Finlândia, modelo escandinavo como um todo…pois é, Somir . =)
Fonte em inglês e bem alternativa por quem eu li ter recomendado, apenas citando entretanto, numa das áreas para cadastrados do Skyscrapercity em português…
Isto aqui sim, em “pt-br” ! \O/
Era uma distorção que veio do exterior (como diria a Sally : “foxnewzação”), porém ainda vejo como revolução mesmo após esta matéria.
Essa porcaria de país aqui nem terceiro nem décimo mundo é. É submundo mesmo.
Concordo plenamente. Submundo fantasiado de país em desenvolvimento. Praticamente um traveco social: parece desenvolvido mas quando você tira a maquiagem…
É uma temática interessante e um pouco complexa essa. Concordo com tua análise, Somir, mas desconfio dela em algum sentido. Será mesmo que – dadas as estatisticas e numeros ilustrativos – os países em desenvolvimento vão continuar a se desenvolver? Será que eles vão conseguir talvez um dia se igualarem a outros países desenvolvidos? Acho que aqui também entra o fator “pessoal/humano” na medida em que acredito um tanto na maldade das pessoas. Quero dizer: enquanto ainda houver governos ditatoriais, conservadores e coisas do tipo relacionadas à concentração de poder sem que haja uma linha de consenso entre muitos, ainda haverá desigualdade.
Se surgir um comentário dizendo que não entendeu uma frase, foi meu, Talento.
Esqueci de colocar o nome, malz :(
“Diminui a mortalidade infantil, diminui o tamanho das famílias e a atenção dispensada a cada um dos filhos…”
Não entendi a relação entre diminuir a mortalidade infantil e diminuir o tamanho das famílias. Na verdade, tem relação? Sério, essa frase me deixou muito confusa, sinto muito pela burrice, mas não entendi essa frase e essa possível relação (ou não, vai saber!) :(
Pô, fiz um gráfico de IDH x porcentagem de religiosos na população e deu uma correlação pequena. Nem pra isso serve!
Finalmente um texto claro e preciso sobre este tema e que diz apenas o que deve mesmo ser dito. Parabéns, Somir.
Na teoria, Somir, existe um grande porém, principalmente para países muito grandes, como o nosso. E esse porém está fantasticamente ilustrado no filme Idiocracy.
E quando eu digo fantasticamente, eu digo no sentido de fantasia mesmo. Claro que não vai acontecer exatamente desse jeito (eu espero), mas aquele filme é uma piada tão próxima com o nosso possível futuro que chega a incomodar. EM estatísticas simples e recentes, feitas pelo nosso querido e quase inútil IBGE, a pessoas que tem rendas maiores, e tem um padrão de vida considerado “médio-elevado” tem 1.9 filhos por casal. O que, né, seria o minimamente correto, tratando principalmente do engarrafamento mundial de pessoas.
Mas o pior ainda está por vir. Deveria ser óbvio, mas com números fica ainda mais assustador: para as pessoas com renda de um salário mínimo, ou menos, a média de filhos por casal está em 4,4.
4,4!
Isso, a curto prazo, já é um problema gigantesco, e não estamos nem falando da superpopulação do planeta. Estamos falando da superpopulação de gente com mais educação na teoria e menos conhecimento na prática. Hoje, faculdade não quer dizer praticamente merda nenhuma pra ninguém… mas nas estatísticas do IDH, ensino superior quer dizer muita coisa.
Então, veja, chegamos quase a um paradoxo. Ou estamos melhorando a educação, diminuindo natalidade e mortalidade, ou estamos piorando a educação, e mantendo uma natalidade alta com uma mortalidade baixa. Ou seria, nesse caso, os dois? Não sei dizer.
Realmente, Phil, isso é assustador! Ou seja: mais gente nas ruas, sem educação e qualificação e renda cada dia mais concentrada em menos mãos.
Esses 4,4 filhos que não vão ter acesso à boa educação, vão reproduzir e ter cada um mais 5,7 filhos e aí é só trabalhar a progressão aritmética. Medo… muito medo.
Eu já acabaria de concordar, e ainda havia voltado a relembrar disso (“simbólico”) aqui…
Puta dor de garganta do caralho… Ae você vai no 24 Horas do seu plano de saúde, uma vez que o SUS nem se fale, e fica 4 horas para ser mal atendido. Depois vem o Mercadante falar merda na televisão. Pra puta que pariu!
Ninguém merece Aloísio CAPACHANTE.
Eu achava que era por causa do PT que estavamos indo tão bem…
Poxa, tava sentindo sua falta…
Isso foi um elogio? kk
‘Percebem como existe um fator mais “orgânico” nesse aumento de desenvolvimento humano? Isso faz parte da humanidade desde os tempos mais remotos’
Esse é o ponto-chave do que aprendi sobre história econômica na (primeira) faculdade. Governos como o da Alemanha, do Japão, da Coréia, se deram muito bem ao fomentar as condições para fomentar indiretamente esse fator mais orgânico, dando grande ênfase à tecnologia e educação. Agora, quase sempre falharam quando tentaram fomentar diretamente esse crescimento, ao tentar criar artificialmente novas condições de negócios para diversificar suas economias.
Concordo com você que a tendência é melhorar sempre (ainda bem, né). Mas eu acho meio babaquice chamar de “países em desenvolvimento”, já que os países desenvolvidos nunca foram “em desenvolvimento”, eles já nasceram assim. CLARO que os em desenvolvimento vão estar sempre evoluindo, porém acho que eles sempre vão estar uns passos atrás dos desenvolvidos. Malzaê se falei besteira, nunca fui muito chegada nas aulas de geografia.
Dani, acho que é muito mais questão de nomenclatura do que de realidade. Por exemplo, o Chile é um país desenvolvido que é chamado de país em desenvolvimento.
Se falei alguma mierda, podem me bater.