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Desfavor Convidado: Café.

Desfavor Convidado: Café.

| Desfavor | | 82 comentários em Desfavor Convidado: Café.

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Café

Quem me conhece pessoalmente, e até profissionalmente, sabe o tamanho da minha paixão pelo café. Pensando nisso, por ser algo que adoro, resolvi compartilhar o pouco conhecimento que tenho sobre essa maravilha. Já aviso que não poderei aprofundar em tudo, pois esse assunto é muito amplo e cheio de detalhes. E meu objetivo aqui é apenas informá-los de algumas coisas que acho importante e que ficaram marcantes pra mim na época em que fiz meu curso de barista. Miss República Impopular também se preocupa com o que vocês andam colocando goela abaixo e vocês entenderão o motivo.

A planta de café é originária da Etiópia e seu cultivo foi guardado por muitos anos como um tesouro trancado “a sete chaves” pelos árabes. Em meados do século XVII, a primeira muda de café chegou à Europa, e em 1690 foi cultivada nas estufas do jardim botânico de Amsterdã. Desde 1543 o café já era comercializado na Europa, porém seu uso era medicinal. E somente foi estabelecida a primeira cafeteria, em 1643, na Praça de São Marcos em Veneza. No Brasil o café chegou em 1727, por meio de um presente (sementes) dado pela esposa do governador da Guiana Francesa ao Sargento-mor Francisco de Melo Palheta. Essas sementes encontraram o melhor clima e o melhor solo para vingarem e foi assim que começou o cultivo do café no Brasil.

Considera-se o Brasil um país privilegiado, pois é o único a produzir todas as variedades de café, além de ser recordista mundial de produção, exportação e consumo do produto. Somos um dos poucos países do mundo a cultivar os dois tipos (espécies) de café: o arábica e o robusta, também conhecido como conilon. A espécie arábica, de 44 cromossomos, produz um café com três vezes menos cafeína que o robusta, com um aroma requintado e de sabores maravilhosos, porém é mais sensível às pragas. Já o robusta, conhecido como o agitador dos nervos por natureza, tem 22 cromossomos, é originário da África, tem um trato mais rude e pode ser cultivado em altitudes mais baixas, calor intenso, enfim, é mais resistente, inclusive às pragas. No entanto, não produz um café com os variados sabores refinados como o arábica, afirmam que é um café de gosto duvidoso.

O melhor café do mundo é o do tipo arábica. E o Brasil tem o melhor arábica do mundo. A região de Mogiana, na região norte do estado de São Paulo, é destacada pelos baristas como uma região onde se cultiva apenas o tipo arábica e que produz um excelente café, de bebida fina, encorpada, de sabor suave e adocicado, e com acidez medianamente alta. E também tem a região do Cerrado Mineiro que produz um excelente café arábico que tem como característica a extração de uma bebida de aroma achocolatado, corpo médio, acidez média e também com sabor suave e adocicado. No entanto, segundo baristas, o destaque para o melhor café produzido no Brasil, ou até mesmo o melhor do mundo, vem do sul de Minas: plantado e colhido nas curvas de níveis de terrenos montanhosos que nivelam os arbustos crescidos e criados pelo excelente terroir (não existe tradução para essa palavra, mas descreve a relação entre o solo e o clima capaz de conceber a identidade do café) e que em conjunto à torra, equilibram a acidez, que no café é uma qualidade. Uma característica muito valorizada no café produzido no sul de Minas é o seu sabor prolongado.

Muita gente acha que o melhor café do mundo vem da Colômbia, na realidade, o que eles sabem fazer de melhor é marketing. E o café americano, de torra clara, lhe confere um aroma mais suave, de menos amargor e de maior acidez, porém de menos corpo. É um bom café, o que falta para eles é saber fazer. Bem, para os amantes de Chafé é ótimo!

O pior café do mundo é o do tipo robusta, e o Brasil tem o pior robusta do mundo. Essa diversidade representada pelos extremos na produção de café no Brasil (melhor café arábica, pior café robusta) garante ao consumidor brasileiro um universo tão ambíguo e bipolar que mais atrapalha do que ajuda o nosso paladar e até mesmo a consciência de que, sim, poderíamos ser mais exigentes com o café que bebemos. O Brasil tem a melhor política de classificação do mundo para o café, mas o mérito da boa norma se esvai na cultura da pouca exigência de qualidade. Na Itália muitos estabelecimentos fecham por servir um mau café. No Brasil, o cafezinho tupiniquim, servido gratuitamente nas repartições e restaurantes “serve-serve”, em garrafas térmicas de higiene duvidosa, criaram clientes poucos exigentes, acomodados e que normalmente nivelam a bebida por baixo.

O que ocorre é que no momento da colheita todo tipo de grão entra na saca além dos maduros: os grãos pretos (mortos), os grãos verdes, os ardidos, os deformados (tipo concha) que alteram e comprometem o sabor final da bebida. Na seleção, como sabemos que ocorrem nas frutas de exportação, os grãos de melhor qualidade vão para exportação e nosso drama é que sofremos da síndrome do café de vassourada, ou seja, todos os grãos ruins, misturado aos poucos bons (duvidoso), palhas insetos, pedras, folhas e baratas voltam para a máquina de torrefação. Esse é o café tradicional de baixa qualidade. Fora que para nos sacanear ainda mais, misturam com o pó de milho, de feijão e de açaí. O café tradicional é aquele constituído de uma mistura infeliz de café arábica com robusta, em nível alto de até 30% no blend (mistura). Possui o gosto da embromação, algumas marcas nem cheiro de café tem. Ninguém sabe dizer que tradição ela segue. Algumas marcas parecem até talco preto… E aí vai a minha primeira dica: café que demora demais para coar (tipo aquela poça de óleo parada), e que tem esse aspecto de talco fino, fuja! Mas fuja mesmo!!! Esse recebeu tudo de errado. A segunda dica (essa ninguém me ensinou): cheire o pó do café (com uma distância de uns três centímetros), dê uma pausa se 30 segundos e cheire novamente. O café ruim é aquele que você sente um leve cheiro de acetona.

Temos também o café descafeinado. No processo de produzir o café descafeinado, os grãos ainda verdes passam por uma lavagem que retira a cafeína, e em seguida são torrados novamente. Essa tecnologia, até onde eu sei, não existe aqui no Brasil e é muito cara. O que torna um perigo você beber café descafeinado tupiniquim, pois a lavagem feita aqui é uma lavagem química com soda cáustica. Produzimos também o café classificado como superior, que é também uma mistura do arábica com robusta, mas em níveis mais contidos, até 15% no blend. Tipo exportação; parece melhor, mas ainda sim aceita grãos comprometidos como verdes, ardidos e pretos, porém mais limpinhos.

Não ficarei aqui criticando a trollada que fazem com a gente. Mas me diga se não é uma puta de uma sacanagem. Você pode até dizer que é besteira, que nunca morreu por tomar do café tradicional blend baratas e insetos. Mas veja bem, não merecemos esse tratamento. Somos o maior produtor de café e somos o que mais pagamos caro para tomar um bom café. Como, por exemplo, o absurdo que se cobra por um café Nespresso (importado, aquele das cápsulas) quando você toma em restaurantes ou confeitarias.

Mas como eu disse anteriormente, não é só de café ruim que vive o brasileiro, o café Gourmet, esse sim, são grãos selecionados e exclusivos, 100% arábica, de origem única ou blendados (duas ou três variedades de grãos misturados em equilíbrio). Sua bebida proporciona perfeito equilíbrio entre doçura e acidez, creme (sim, é um café cremoso), excelente corpo e sabor achocolatado prolongado (after-taste ou retrogosto). Esse café existe para consumo em algumas cafeterias, mais refinadas, ou que possuem a preocupação em servir, de fato, um café Top de Linha para seus clientes. O café Gourmet é preparado de forma artesanal, torrando os grãos de forma separada (pois cada grão tem sua característica) até atingirem um ponto X onde todos os grãos possam ser torrados juntos e de forma homogênea.

Tamanho cuidado e zelo com a produção e criação dos baristas com esse produto, fica fácil compreender a birra de muitos com o famoso Café Nespresso: primeiro por acharem um absurdo o preço, segundo, que ele de certa forma acaba com o ritual do preparo do café, por conta da praticidade, e terceiro, acham que o sabor não é o mesmo. Eu particularmente amo o Café Nespresso. Mas se comparado ao Café Gourmet, nem preciso pensar muito. Na época do curso de barista, onde passávamos quase o dia inteiro provando cafés e receitinhas preparadas com o café Gourmet, confesso que passei umas duas semanas após o curso sem conseguir tomar o café que sempre tomo, e inclusive, o próprio café Nespresso. E quando chegava em meu trabalho e sentia aquele cheiro de acetona ou remédio no café tradicional preparado pela tia, meu estômago embrulhava.

Lógico que não dá também para viver tomando Café Gourmet todo dia, mas ser mais criterioso na escolha é uma boa pedida. Inclusive, você pode fazer o seu blend caseiro, misturando duas marcas de cafés classificados como superiores que também pode ficar muito bom, tem que ir testando as misturas. Vale muito a pena!

O barista gosta dos rituais, inclusive, muitos cafés não respeitando essa importância de alguém exclusivamente dedicado ao preparo do café, não contratam o barista, ou colocam a pessoa treinada para cuidar das máquinas, servir e cuidar do caixa. Aí, o risco de você encontrar um café meia-boca é enorme, pois a maquina de moer sempre precisa ser checada e limpa, um erro desses, compromete o sabor e a estética do café. Você identifica um pseudo-barista ou o desleixo do Café quando o seu expresso vem sem a espuma, ou aquela espuma que some no decorrer do que você vai tomando. Um café expresso bem preparado tem a espuma em um tom dourado e no decorrer do beber, a espuma gruda no corpo interno da xícara. Quanto ao vaporizador de leite, que tem como o objetivo esquentar (ponto morno) e fazer o creme com o leite, eu me arrepio de ver certas coisas. Quantas vezes o leite do seu cappuccino não veio cremoso e você queimou sua língua? Eu fico impressionada quando vou aos lugares e a tia vaporiza o leite durante minutos seguidos. Ela é a tia do café, não uma barista, pois um leite muito vaporizado que ferve perde a propriedade de fazer o creme, com aquela textura suave e aerada.

Pela baixa qualidade do produto, o café leva a fama (injusta) de causar gastrites, dispepsias e é vilanizado pelo suposto nível de cafeína que todo mundo enche a boca pra falar que faz mal à saúde. Ok, cafeína faz mal, mas será que o café é realmente o culpado por isso? Chocolate e Coca-Cola tem mais cafeína que o café. Então não culpe o café por tudo que é de ruim nesse mundo. Três xicaras pequenas por dia estão de bom tamanho, segundo nutricionistas. Fora que o café também possui propriedades que são benéficas à saúde: antioxidantes, anti-inflamatórias do sistema cardiovascular, dentre muitas outras. Aos que possuem muita sensibilidade à cafeína, o melhor é evitar ou não tomar mesmo, como por exemplo, quem tem arritmias cardíacas.

Quanto ao nível de cafeína no café, sabe-se que quanto mais você coa o pó do café, mais cafeína você extrai para a sua bebida. Então a ideia de que um café simples tem mais cafeína de que um chafé é um conceito mentiroso. Ao coar o café, as primeiras substâncias que são extraídas são suas essências e só depois a cafeína. Acredito que para os fãs de chafé o ideal é que se acrescente água quente de forma separada, não coando ainda mais o pó. Mas se você está ligando o botão do foda-se, e o que você realmente quer é cafeína, a escolha é sua! Outra dica, que talvez vocês me chamem de fresca, mas mesmo assim falarei: evitem tomar café que ficou mais de 30 minutos na garrafa térmica e se for adoçado com açúcar então, nem me fale. Após 30 minutos o café já não presta mais, está oxidado.

Da forma de adoçar o café, os baristas que conheço recomendam o Açúcar Demerara, que não chega a ser um mascavo, nem um cristal, e dá um sabor muito gostosinho ao café. Ele corta o amargor, porém sem adoçar demais. A Nespresso também vende um mascavo de beterraba muito bom. Aos que, assim como eu, necessitam seguir uma dieta com restrição de açúcar, o adoçante vira um pesadelo, eu sei. Eu admiro muito quem consegue tomar café sem adoçar, e cá entre nós, se você usa um adoçante Stevia (*arrepios), por exemplo, ou qualquer outro, basicamente você estupra o seu café, não é? Uma alternativa que arrumei, mas recebi autorização da minha endocrinologista e nutricionista, foi a Calda de Agave Azul, que também dá um sabor gostoso ao café. Então, você que tem resistência à insulina ou diabetes, pergunte ao seu médico se você pode fazer uso do Agave Azul. Nada de ficar adoçando seus alimentos sem uma orientação.

Bem, o que tenho pra hoje é isso. Não pude falar em detalhes de como o barista trabalha, definições operacionais, seus instrumentos, princípios, cerimônias e receitinhas porque ficaria muito extenso esse texto. Mas espero ter contribuído para o seleto e refinado paladar dos senhores.

Assinado: Lichia Saad


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