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Somir Surtado: O futuro preguiçoso.

| Somir | | 43 comentários em Somir Surtado: O futuro preguiçoso.

Gosto de pensar que estou à frente do meu tempo. O vício em informação que minou meu status social na adolescência agora é norma entre as gerações mais recentes. A mania de elitismo cultural de “obscuridades” virou moda! O perfil de conhecedor de muitas coisas e especialista em poucas pouco a pouco vai se tornando bem mais vantajoso no mercado de trabalho do que era quando eu comecei. Acreditem em mim quando eu digo: O futuro é de quem só faz o que gosta e caga solenemente para toda essa coisa de disciplina profissional.

Trabalho como conhecemos está com os dias contados. Não vai ser amanhã ou nas próximas décadas, mas o caminho está cada vez mais traçado. A evolução tecnológica atual JÁ é uma singularidade. Pessoas vivendo, por exemplo, no começo dos anos 90 já seriam totalmente incapazes de prever o mundo que vivemos atualmente. Mas tem um padrão que vem se desenvolvendo de vento em popa desde a Revolução Industrial: A substituição do trabalho humano pelo mecanizado/eletrônico/virtual.

Tenho certeza que previsões desse tipo já foram feitas incontáveis vezes, até mesmo por pessoas que nem sonhavam com um computador. Mas ao fazê-la nos dias de hoje, tem um fator que muda demais o resultado: A relativa “fraqueza” do cérebro humano. Sempre se imaginava um futuro com robôs fazendo trabalhos braçais e repetitivos, mas a parte da criatividade e inovação ainda era monopólio da inteligência biológica.

Seguindo o padrão de evolução da inteligência artificial, e com um pouco de otimismo, em algo em torno de 2030 computadores já serão capazes de se passar por seres humanos numa conversa casual. Passando pelo Teste de Turing: O teste consiste de um juiz humano conversando com dois participantes, um humano e um computador. Se o juiz não conseguir distinguir um do outro apenas pela conversa, o computador ganha. Nenhum conseguiu até hoje (basta fazer uma pergunta cretina ou mudar de assunto do nada para perceber a inteligência artificial).

E quando (não SE, mas QUANDO mesmo) a inteligência artificial conseguir se parecer com uma humana, as coisas mudam demais. O mercado de trabalho atual demonstra uma tendência de transferência de vagas do setor de produção para o de serviços. As pessoas estão saindo das fábricas para ocupar vagas em atendimento de clientes.

A evolução considerável da capacidade robótica e as taxas de erro absurdamente pequenas de computadores vão tornando cada vez mais obsoleto o trabalho humano nessa área mais… física. Robôs e máquinas avançadas ainda são caras, mas não o suficiente para que muitas empresas façam essa transição nos próximos anos. E a tendência é o abismo entre trabalho humano e automatizado aumentar cada vez mais.

Digo isso para demonstrar que já existe uma demonstração desse padrão de obsolescência do trabalho humano. As máquinas VÃO ficar mais baratas e mais hábeis. Nós não vamos. O aspecto intelectual e criativo parecia nosso porto seguro, mas novamente… seguindo o avanço tecnológico atual, computadores com a mesma capacidade de processamento de uma mente humana BRILHANTE já serão vendido a preço de banana antes mesmo do final deste século. E quando esses computadores começarem a projetar novos computadores, possivelmente já quânticos, já vai ser complicado até prever algum limite para eles.

Importante ressaltar: O cérebro humano é impressionante, eu acho o pináculo da evolução biológica conhecida, mas de um ponto de vista mais frio, é relativamente fácil de bater com evolução artificial. Teoriza-se que nossa memória seja capaz de armazenar um petabyte de informação. E que todo o conhecimento humano não passe de alguns milhares deles. É MUITA coisa, mas atualmente, só os servidores do Facebook conseguem armazenar 100. E se você não sabe o que é um petabyte, assuste-se: São 1000 terabytes. Os HDs mais vendidos na atualidade armazenam um ou dois teras.

É muita coisa, mas ao mesmo tempo, já estamos muito próximos disso. Você provavelmente vai viver para comprar um aparelho com pelo menos um petabyte de memória. E se não acontecer nenhuma desgraça, esse aparelho provavelmente vai ser capaz de simular uma mente humana.

Quando isso acontecer, adeus funcionários de telemarketing, adeus caixas, adeus técnicos de TI, adeus toda e qualquer função que exija apenas a habilidade de clicar e teclar. As empresas vão cortar custos assim que puderem, e essa desoneração na cadeia de comércio deve baixar preços a um ponto onde as pessoas mal vão reclamar dos empregos perdidos.

Mas aqui eu não estou sendo lá muito inovador na abordagem. Esse crash no mercado de trabalho convencional está previsto há muito tempo e vai acontecendo lenta e consistentemente há várias décadas. Ou você acha que desemprego em alta no mundo todo é PURA problemática das bolsas de valores? O meu ponto aqui é bem mais dramático…

A sociedade humana vai ser capaz de se manter numa boa sem uma única gota de suor, e não vai demorar tanto assim. Dependendo dos avanços na medicina, podemos até vivenciar essa era. Imortalidade é uma busca que só está começando “na prática”, mas tende a gerar frutos saborosos nas próximas décadas. Mesmo que não dê para ser eterno, existem chances de nós mesmos começarmos a passar de cento e cinquenta anos de idade.

A tendência mais razoável para um mundo onde máquinas e inteligência artificial cuidam de basicamente tudo é a do direcionamento para a parte mais artística de nossos cérebros. O caminho que começou na produção e atualmente está na fase dos serviços tende a virar foco em arte e criatividade. E mesmo esse foco não deve acabar como a última grande fase da organização socioeconômica humana… A inteligência artificial vai ser capaz de criar obras de arte únicas sim. Não precisa de mágica, só de um algoritmo de aleatoriedade poderoso.

A busca pelo conforto nos levará até uma era de vagabundagem. Não PRECISAREMOS mais dessa ética e disciplina de trabalho… Tudo o que fizermos, um computador vai eventualmente conseguir fazer melhor. E a partir dessa previsão, um ditado antigo: Se não pode vencê-los, junte-se a eles. É garantido que vamos acabar nos mesclando com a tecnologia que ajudamos a criar. O cérebro humano é limitado e nosso corpo frágil demais. Só vai sobrar a curiosidade, a sede de conhecimento… e provavelmente, a vontade de “fugir” para realidades menos exigentes.

Claro que não escrevo este texto para defender que viremos um bando de vagabundos AGORA, mas com o caminho suficientemente delimitado, ganha mais quem começar a se adaptar agora: Seja se dedicando a construir esse futuro (que não é utópico, vai ter seus problemas e vai ter gente reclamando, sempre), ou mesmo entendendo que cada vez mais fazer o que quer da vida tende a ser mais lucrativo, tanto no aspecto financeiro como no de realização pessoal.

Criar filhos para “ter uma profissão segura” é cada vez mais irresponsabilidade e futurologia furada. A maioria das profissões em ascensão no mercado de trabalho atual sequer existiam há CINCO anos atrás. Essa é a realidade dos dias de hoje. Não se apegar demais ao conhecimento acumulado e entender que a era de se estabilizar e se aposentar fazendo a mesma coisa está com os dias contados.

O mercado virava de ponta cabeça numa velocidade muito menor do que hoje em dia. Gente que cisma com uma ideia maluca e leva em frente tem muito mais chances de ficar rica nos dias atuais do que em qualquer outra era da história humana. Criatividade está virando o novo esforço. Bem afortunados os que conseguirem unir uma mente antenada e disciplinada nos dias atuais.

Se matar de trabalhar para viver a vida nos intervalos é um conceito terrível. Sempre foi. Mas a nossa marcha (como espécie) em busca do conforto e da realização criativa existe justamente para acabar com essa aberração. Sei que não vai ser festa e que quem tem o poder de usar a humanidade como gado não vai abrir mão dessa vantagem por pura bondade, mas não adianta teimar contra o tempo.

Essa paranoia golpista de trabalho duro instilada na cabeça das pessoas depende demais de condições precárias de vida e de falta de alternativas mais simples e baratas para realizar essa manutenção básica da humanidade. Esforço desagradável só é válido numa sociedade onde ele é essencial. Com braços e mentes robóticas para tirar esse fardo das nossas costas, a construção social do trabalhador abnegado começa a se aproximar mais de mero masoquismo.

O futuro é de gente preguiçosa, mas criativa. Gente com tempo de passar a vida fazendo só o que é agradável e recompensador. E mesmo que esse futuro robótico ainda esteja muito no campo teórico, o mesmo não se pode dizer da tendência do aproveitamento do talento humano disponível. A internet, por exemplo, pode estar apinhada de imbecis mais preocupados em mendigar atenção no Facebook do que aprender, mas também conseguiu conectar os sonhos e planos de muita gente boa. Gente animada com o prospecto de seguir seus projetos pessoais e explorar o conhecimento acumulado da espécie.

As máquinas e inteligências artificiais estão mesmo aí para nos substituir, e só quem entender como isso é uma coisa boa vai se dar bem daqui para a frente. Não perca seu precioso tempo de pensar e fazer o que quer se tem alguma máquina feita para fazer seu trabalho. A humanidade chegou onde chegou por ser exímia na arte de se adaptar. Abram alas para o futuro!

Mesmo que isso signifique relaxar um pouco. Adoraria poder nascer só daqui a uns 50 anos, essa coisa de trabalhar por trabalhar é muito velha para mim…

Para dizer que foi a desculpa mais esfarrapada para preguiça que já leu, para fazer suas próprias previsões sobre o futuro da espécie, ou mesmo para perguntar se quando eu furo as postagens eu estou “à frente do meu tempo” também: somir@desfavor.com


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