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Flertando com o desastre: 50 tons de Crepúsculo.

| Somir | | 52 comentários em Flertando com o desastre: 50 tons de Crepúsculo.

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Ou: Como é fácil ganhar dinheiro em cima de mulher. Admito aqui e agora que não li nenhum dos livros sobre os quais vou falar, nem os de Stephenie Meyer, nem os de E.L. James. Li passagens de ambos, sei mais ou menos o cerne das histórias… O suficiente para cobrir minha “obrigação profissional” de jamais ficar muito perdido sobre o que faz sucesso nesse mundo. Não me proponho de forma alguma a analisar a fundo esse material, mas tenho sim uma opinião sobre a “conjuntura de mercado” que cria esses fenômenos.

E a resposta para o sucesso de Crepúsculo e 50 Tons de Cinza é simples: Mulheres conseguem sexo mais fácil que homens. Obrigado, e até a próxima!

Tá, eu posso desenvolver melhor. Vamos só entender primeiro a conexão entre os dois livros: 50 Tons de Cinza começou como uma “fanfic” sobre Crepúsculo. E para quem não sabe o que é fanfic, o nome completo ajuda: “Fan Fiction”. É ficção criada por fãs. Fanfics são histórias derivadas de universos ficcionais de outros autores, às vezes criando novas personagens, mas na maioria das vezes escrevendo novas falas e situações para as personagens originais da história homenageada.

Não deveria ser surpresa, mas não custa dizer: Boa parte delas são contos “eróticos”. Virtualmente qualquer personagem famosa na mídia tem uma história pornográfica hilariamente mal escrita por algum fã. E entendam que nem mesmo séries como Harry Potter escapam. Nada é sagrado para escritores de fanfics… Livros, filmes, desenhos, jogos… para cada um deles (até mesmo alguns obscuros), existem fanfics. E com certeza versões pornográficas nesse bolo.

Quando uma dessas ficções eróticas de fãs ganha asas próprias, se desvencilha do material original e vira um sucesso de vendas, é de se imaginar se ela é TÃO melhor assim que as INCONTÁVEIS outras que entulham a internet diariamente. Na prática, dificilmente. Basta ler alguns trechos do livro para sacar que não é a qualidade da escrita ou a profundidade da história que fazem alguma diferença.

Como a mídia já achou bacana rotular, 50 Tons é pornô soft (embora seja explícito nas palavras e descrições… vai entender), de mulher para mulheres. Claro que muito homens leu, mas fica evidente o foco mercadológico no público feminino, seja pela estrutura da história, seja pela publicidade. Se o autor fosse homem, mesmo que o texto entregasse uma qualidade parecida (e pelo visto isso nem é tão difícil assim), duvido que teríamos um fenômeno parecido.

Afinal, são eles que estão escrevendo a maioria dessas histórias eróticas perdidas pela internet. Claro, virtualmente todos tem o senso de “clima” de um diretor de filme pornô, só gritando “gravando!” quando alguém já está pelado, mas mesmo assim, o recente fluxo de mulheres escrevendo esse tipo de texto também não prima pela capacidade de contar uma história. Dentro do grupo, sempre aparecem alguns menos piores. Se E.L. James teve uma chance, porque nenhum homem a teve antes?

Novamente, simples: Se um homem escrevesse a mesma história trocando o ponto de vista das personagens, seria taxado no mínimo de nerd punheteiro. E se isso gerasse alguma exposição, aí sim viriam os gritos de misoginia e preconceito. Vida de mulher não é fácil, tudo bem, mas os passes livres que elas tem para serem ridículas são inimagináveis para seres do sexo oposto.

Um homem escrevendo 50 Tons queima seu filme, uma mulher passa por moderna, liberada e corajosa! Foda-se a qualidade do material. A inadequação feminina é festejada, a masculina é reprimida. E quem sabe ganhar dinheiro nesse mundo sabe muito bem o que fazer com isso. Porque o público médio quer consumir é isso mesmo: Pornografia sem presunção de pornografia. Mulher tinha mais medo do estigma do que repulsa pelo material. E não me entendam mal: Que bom que a sociedade moderna não impõe mais tanta repressão ao impulso sexual feminino.

Mas para manter a presunção “saudável” para as vendas, esse continho erótico de internet, com temas mais batidos que as cuecas do Marquês de Sade, essa pura indulgência em forma de texto… isso está passando como literatura! Como um grito de liberação feminino! Puta que pariu! Homem vê um filme pornô, com premissas, cenas, corpos e prazeres irreais para a vida cotidiana e não é incentivado a achar que isso é uma forma de expressão artística… é apelação.

E apelação honesta tem seus méritos. Ninguém precisa se privar desses prazeres, mas criar uma intrincada rede de autoperdão intelectual só para aproveitar material erótico? Precisa? Não é nada mais do que Crepúsculo com sexo (im/ex)plícito e algumas chicotadas. Essa é a inspiração da autora! Quer ler, ver e ouvir essas merdas apelativas? Bacana, divirta-se! Mas não tente empurrar qualquer presunção de alta qualidade literária para cima do resto do mundo. É uma fanfic… feita para apelar, agradar e dar um desânimo depois.

E voltando para a obra original, os livros e filmes de vampiros escritos por uma mulher que não sabe o que é um vampiro, entendemos melhor outro aspecto importante desse “boom” comercial: Mulheres estão recebendo, FINALMENTE, um pouco de conteúdo nerd em suas vidas. Crepúsculo e seus filhotes malditos tem uma das histórias mais babacas e mal organizadas que eu já vi. Parece e é juvenil até a última fibra de sua existência. Apela sem nenhuma vergonha para fantasias típicas de adolescentes espinhentas.

Estou metendo o pau nesse material, mas não estou excluindo-o: O mercado nerd está começando a ser desbravado pelo público feminino. Obras de “entrada” costumam ser bem babacas mesmo. Eu comecei lendo quadrinhos e vendo desenhos com a profundidade de um pires, a maioria apelando para minha fantasia de ser um ser poderoso e reconhecido. A maioria com a figura de mulheres como damas esperando para ser resgatadas… O “vazio” típico de Crespúsculo não é sinal de que mulher não sabe escrever, é sinal de que “fantasia” é um gênero muito afeito a agradar um público deslocado e pouco experiente na vida. Muitos dos que escrevem essas histórias são meio “losers” também.

Com o tempo você sai desse material mais raso e começa a encontrar histórias mais bem feitas, com personagens mais realistas e motivações menos infantis. Eu espero, de coração, que histórias de fantasia do tipo de Crepúsculo ajudem a criar um mercado mais adulto de nerdice feminina, mas me preocupa muito que essa tal de carta branca que mulher tem para ser nerd e não sofrer tantas consequências de aceitação social possa minar todo o processo.

Se a versão adulta de Crepúsculo é algo do tipo 50 Tons, as nerds desse mundo vão sofrer para achar material de qualidade feito para elas. Muita aceitação pode virar estagnação. Embora muitas amem os mesmos materiais que os nerds do sexo masculino, a maioria é escrita por homens e tenta apelar para seus desejos e fantasias (não só sexuais).

Porque não se pode negar que eles e elas tem gostos diferentes quando o assunto é apelação. E apelação, desde que bem integrada à história, não é uma coisa negativa. Quando homens querem apelação pura, uma loira tatuada com peitos enormes mostrando o útero numa tela costuma dar conta do recado. Mas vê se é só isso que eles consomem? Principalmente no mercado de ficção, sempre tentam ir além do básico para eles.

Talvez mulheres não se reduzam a um denominador comum tão simplificado assim, mas a aprovação social do consumo de apelação é uma realidade para as mulheres. Voltando ao material que ilustra a coluna de hoje: As duas histórias apelam para a noção do “príncipe encantado com um porém”, arquétipo antiquíssimo adaptado aos tempos modernos. Além do clássico “vivendo aventuras guiadas por homens” que por mais que as mulheres não gostem de admitir, está tatuado nas suas mentes como algo desejável. As duas protagonistas femininas da história estão no banco do carona. Parece ofensivo, mas elas se amarram nisso, pelo menos num nível inconsciente.

É SÓ apelação. É quase pior que uma história do Conan, traçando um paralelo masculino: Sim, porque Conan é apelação pura no sentido de carregar o leitor para dentro da história e fazê-lo se imaginar no papel do Cimério… ele é foda, macho pra caralho, bate em todo mundo e todas as mulheres querem dar para ele. Mais óbvio impossível. Vejam bem, eu já li muitos quadrinhos do Conan até hoje, acho apelação pura, mas eu entendo que seja apelação pura e acho bacana, o arquétipo é raso, mas as histórias até que são bem escritas. Só que quando eu quero algo mais complexo, eu tenho para onde correr (Allan Moore, Garth Ennis, Moebius e tantos outros…).

E as mulheres? E quando a apelação pura começar a ficar meio… chata? Vão achar que era só isso mesmo e ignorar as inúmeras possibilidades do mercado de ficção e fantasia mais “nerds”? Vão taxar tudo de literatura juvenil ou pornografia light? Que material apelativo para elas é sempre essa porcaria rasa? Sem as críticas NO ALVO da qualidade baixa do material e Meyer e James, fica parecendo que o problema é que mulheres estão fazendo a mesma coisa que homens fazem há séculos e estão sendo criticadas apenas pelo seu gênero.

Um desvio horrível de curso. Não é o gênero, nem mesmo a vontade de apelar para os desejos e fantasias da mulher, é fazer isso de qualquer jeito, com livros escritos em três meses (Crepúsculo) ou com fanfics eróticas toscas (50 Tons)… É a falta de critério de bater em homens que escrevem merdas desse tipo e achar que quando é com uma mulher, é machismo ou mentalidade retrógrada em geral.

O mundo está cheio de apelação. Mulheres merecem que as feitas para elas sejam melhores. Não se contentem com pouco, apelação pode ser MUITO mais bem feita. Não é só porque você vai pagar de moderninha lendo 50 Tons que isso não faz de você uma otária pagando para ler fanfic ridícula de internet.

Preferia o tempo em que “Júlias” da vida ficavam escondidas num canto da banca de jornal…

Para dizer que eu só estou com Enveja porque meus contos nunca vão virar livro, para me agradecer pela munição para sacanear quem leu 50 Tons, ou mesmo para dizer que só não mostra o dedo do meio para mim porque ele está ocupado: somir@desfavor.com


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