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Flertando com o desastre: Maldade.

| Sally | | 104 comentários em Flertando com o desastre: Maldade.

Já repararam como hoje em dia se arruma doença para explicar tudo? Uma pena, porque estamos criando uma geração que explica tudo pela biologia, quando existem outros fatores a serem levados em conta. A banalização das doenças está me irritando, mesmo sem ser médica ou psicóloga. Imagino então quão emputecidos devem estar os profissionais da área. Acredito que seja um efeito rebote à abordagem de algumas décadas atrás, onde ocorria justamente o contrário: era tudo coisa da sua cabeça, era tudo histeria, doença era apenas entupimento de artéria.

Com a evolução da medicina, dos exames de imagem e dos estudos sobre a mente humana, foram descobrindo algumas doenças que antes seriam enquadradas como “falta de força de vontade” (como Distúrbio de Déficit de Atenção), “Possessão demoníaca” (como esquizofrenia) e “frescura” (como a depressão). Mas, vocês sabem, o ser humano é uma merda e adora fazer um péssimo uso das suas descobertas. Se antes nada era doença, hoje em dia tudo se explica por uma doença, uma síndrome qualquer.

Quero começar com uma frase importante: A MALDADE EXISTE. Não precisa de doença para explicar a maldade. Existe gente má, mesquinha, filha da puta, escrota e babaca que não tem doença alguma. Temos que ter isso em mente sempre, e agora mais do que nunca, antes que os maus sejam promovidos a Intocáveis.

Infelizmente hoje, a tendência é que qualquer comportamento escroto ou que fuja da normalidade gere uma presunção de alguma doença. Não demora e já vem os pseudo-diagnosticadores chamar Fulano de psicopata, Fulana de Sociopata e etc, boa parte deles através da imprensa. Sim, já aceitei que a imprensa deseduca, mas jamais vou aceitar a imprensa diagnosticando.

Gente, nem todo mundo que faz maldades é doente, ok? A maldade existe, por ela só. Existem pessoas más que não sofrem qualquer distúrbio psíquico. E mesmo que sofram, não vai ser você, com seu vasto conhecimento de meia dúzia de temporadas de Dexter que vai estar apto a diagnosticar. Você pode achar, mas não pode ter certeza. Se fosse tão fácil a ponto de ser perceptível em poucos minutos não precisava de faculdade e diploma para diagnosticar.

Nem acho que as pessoas façam por mal, acho que é ignorância mesmo. Até porque, fazem isso até com elas mesmas. Canso de ver gente se dizendo “bipolar”. Não, você não é bipolar. Se você soubesse o intenso sofrimento que é, não diria isso rindo de si mesmo. Todos nós mudamos de humor, oscilamos de humor ou temos algum que outro rompante. Ser bipolar é algo completamente diferente que traz muito sofrimento. Porque merdas hoje tudo tem que ser explicado com uma doença qualquer?

O fato é que temos dificuldade de entender e aceitar a maldade pela maldade e tal como fazemos com outras coisas, buscamos uma explicação a qualquer preço. Quem explica qualquer comportamento fora dos eixos, fora da ética, fora do “normal” com uma doença ou uma síndrome está divinizando tanto quanto o homem das cavernas que via um raio cair e por não saber a explicação, achava que tinha sido mandado por Deus. A diferença é que seu Deus é a medicina, mas o mecanismo é o mesmo. E não é saudável. Porque a partir do momento que acreditamos que tudo se funda em uma doença, passamos a condicionar a possibilidade de melhora (ou não) do suposto doente à sua doença.

Por exemplo, garanto que tem alguém lendo isso neste momento pensando que seu chefe é um psicopata. A partir do momento em que você bate o martelo dizendo que uma pessoa é psicopata, está dizendo que ela é assim porque nasceu assim e não tem escolha de ser diferente. Será mesmo que é o caso do seu chefe ou será que ele é apenas um sádico de merda que abusa do poder que tem? É lucro ser psicopata, porque psicopata nasce com defeito de fábrica e é incapaz de sentir culpa ou remorso, enquanto que o filho da puta escolhe deliberadamente ser um filho da puta sem ética.

O mais curioso é que a humanidade vem caminhando a passos largos nas últimas décadas para um processo grotesco de filhadaputização glamurizada. O bacanão, o fodão, o Pica das Galáxias é aquele que fica rico, foda-se como, é aquele que consegue uma promoção, foda-se com, aquele que consegue a mulher que quer, foda-se como. O olhar de todos para construir uma admiração está no fim da linha de chegada, sem se preocupar com o trajeto feito, quando na verdade, o trajeto de cada um de nós é a parte mais interessante e mais importante para determinar quem somos. Ao longo dos anos, a sociedade nos autorizou a seremos tremendos filhos da puta.

Daí a humanidade foca na linha de chegada, valoriza as coisas erradas e quando finalmente começa a cair a ficha que todo mundo está escrotizando além do suportável para uma convivência pacífica em sociedade em vez de culpar a si mesmos pelas merdas de escolhas feitas que incentivaram toda essa filhadaputização, as pessoas tiram os seus da reta e começam a atribuir tudo a doença. Não, Meus Queridos, não é doença não. Acredito que a maior parte dos casos de maldade explícita que vejamos no dia a dia seja maldade pura, filhadaputez purinha. Sim, o ser humano é essa merda aí por ele mesmo, não precisa estar doente para ser capaz de fazer coisas horrendas. Dói e dá medo viver em sociedade com essa consciência, mas é a mais pura verdade.

O problema é que esse mecanismo de explicar tudo o que não conseguimos conceber em matéria de comportamento como doença vai entrando, vai criando raízes, e quando a gente tenta fazer um esforço para pensar de forma diferente vira e mexe derrapa e cai na solução fácil: catalogar o Fulano com uma conduta inaceitável como doente, porque não deixa de ser um conforto pensar “Ok, ele fez uma monstruosidade, mas fez porque é doente, portanto, pessoas normais que me cercam nunca farão isso, só pessoas doentes”. E nem sempre é verdade. Muitas vezes aquela pessoa “normal” que te cerca é capaz de coisas horrendas, mesmo sem nenhuma doença.

Só para levar a discussão para o plano do concreto, quero dividir com vocês uma questão que me atormenta faz tempo, para a qual até agora ninguém nunca me deu uma resposta convincente. Creio que ela vá sair nos comentários de hoje. A dúvida, para a qual eu não tenho resposta (ainda) é: um estuprador é necessariamente doente? Um homem que sente excitação sexual vendo o sofrimento de uma mulher desesperada sendo machucada e fazendo sexo não consensual é doente? Já me disseram que sim, que sentir excitação sexual e conseguir fazer sexo com alguém nesse estado de sofrimento é doença e já me disseram que não necessariamente, que pode ser maldade pura do ser humano. Alguém se arrisca?

Uma das muitas consequências sociais desagradáveis de explicar qualquer comportamento que saia da “normalidade” com doença é o excesso de medicação que a população mundial enfrenta. Qualquer ansiedade é tida como uma síndorme do pânico e é motivo para tomar Frontal, Rivotrol e cia. Qualquer tristeza ou frustração é uma depressão e enfia goela abaixo da pessoa Fluoxetina. Assim cresce uma geração que praticamente não está vivenciando a dor, a angústia e outros sentimentos desagradáveis, infelizmente necessários para a construção daquilo que somos.

Sofrimento é musculação para a alma. Hoje a gente sofre muito por um erro mas isso nos faz aprender e ficar mais fortes, permitindo que a gente não cometa o mesmo equívoco outra vez e arrume uma forma melhor de lidar com o problema. A pessoa fica calejada pelo sofrimento, ele amadurece quem o vivencia. O grande problema é que estamos criando monstros anestesiados sem estrutura para lidar com frustrações, perdas e tristeza. As consequências serão macabras quando esses monstros começarem a procriar e criarem filhos.

Temo que isso já esteja começando a acontecer. São aqueles pais que não aceitam uma criança agitada e já presumem um transtorno de atenção ou de ansiedade e socam Ritalina goela abaixo de seus filhos. Eu não estou negando a existência do Distúrbio de Déficit de Atenção (eu sei que o nome mudou, mas esse é o mais popular). Ele existe sim e em alguns casos é necessário medicar. Mas creio eu que muito mais crianças do que realmente precisam estão tomando medicamentos para gerir seu comportamento. Provavelmente por causa desses pais, que justamente por causa desses medicamentos, não sabem se adequar a novas realidades, não tem tolerância à frustração e não sabem lidar com ansiedade e angústia.

Dificilmente nessa vida a solução está dentro de um pote de remédio. Via de regra, remédio é apenas para impedir que a pessoa se mate ou regular um desequilíbrio químico qualquer, não para ser muleta para o resto da vida. Mas arregaçar as mangas e cavar as merdas do passado em uma terapia ninguém quer, afinal, porque buscar se responsabilizar por aquilo que deu errado se há uma doença catalogada que te dá aval para ser socialmente desajustado? Sinto o cheiro de mais uma categoria de intocáveis. E de fato, isso já está sendo usado, não apenas na esfera social. Vai repercutir também no Judiciário.

Não, você não está na cama chorando por semanas sem comer porque o relacionamento terminou porque você é idiota e centra sua vida no parceiro, na verdade você tem depressão e nada é culpa sua. Vai tomar remédio, que é como apagar o alarme de incêndio sem de fato apagar o incêndio e na próxima bordoada da vida, vai cair de cama novamente, porque não trabalhou a fundo o problema. Mas está tudo bem, porque a sociedade não vai te cobrar nada, afinal a ciência explica: você tem depressão. Este pensamento está cada vez mais abrangente e já se vislumbra um princípio de consequências jurídicas por causa dele.

Enquanto era apenas justificativa para autoperdão, era vergonhoso porém não nos afetava tanto. Mas, estou começando a ver essas supostas “doenças” sendo usadas para tentar eximir as pessoas de sua responsabilidade criminal. Um argumento numa pegada meio Nate Haskall do seriado CSI: “eu não tenho culpa de ser assim, não podem me punir porque eu não tenho a opção de ser diferente. Se eu não tinha escolha de ser diferente, eu não tenho a escolha de cometer ou não cometer crime”. É tosco, eu sei. Em tempos normais e em lugares normais eu nem me preocuparia de ver este tipo de perdido, mas estamos na Intocavelândia. E se colar?

Até onde eu sei (e eu não sei tanto assim), no Brasil ainda não colou. Estou acompanhando alguns pedidos nesse sentido (como curiosa, que fique bem claro) e estou ansiosa para ver o resultado do julgamento. Mas confesso que também estou com medo. Pode surgir uma onda de explicar maldade como doença e consequentemente eximir o filho da puta de culpa. Maldade é a regra e doença a exceção, mas com essa histeria politicamente correta de Intocáveis criamos um terreno fértil para que filhos da puta se safem acobertados pelo manto da doença.

Por estes e outros motivos é indispensável que tenhamos bem claro na nossa cabeça a diferença entre doença e chantagem, doença e maldade, doença e defeitos em geral do ser humano. Também é fundamental que saibamos avaliar nossa parcela de culpa pela forma como lidamos e elaboramos nossos traumas. Nem todo mundo que termina um relacionamento se deprime, nem todo mundo que apanha na infância vira psicopata e nem todo mundo que é abusado sexualmente vira um estuprador. Uma pessoa é mais do que um evento isolado.

O que mais me assusta é que o diagnóstico destas doenças da mente costumam ser algo bem subjetivo. Não há um exame de sangue que indique um “positivo” ou um “negativo”. Não gosto de ficar nas mãos do subjetivismo, porque saber como é, bom senso e bom gosto todo mundo acha que tem. Se de fato surgir um abrandamento das decisões judiciais para crimes cometidos por pessoas supostamente “doentes”, quer apostar quanto que todos os ricos terão laudos de doença mental?

Temos que exercitar nossos cérebros para continuar distinguindo maldade e outros sentimentos escrotos de doença. Se a gente aceitar e se acostumar a enquadrar tudo como doença, vai perder a capacidade de fazer esta distinção e nossa vida vai ficar muito mais complicada e perigosa. Meu conselho: presuma que é maldade, até segunda ordem, é uma pessoa má e filha da puta. Se um dia a pessoa provar que é doente, daí você repensa. Hora de parar de presumir a doença e aceitar que o ser humano “normal” é perfeitamente capaz de cometer atrocidades. Fazem quatro anos que eu repito para vocês: o ser humano é uma merda. Nunca se esqueçam disso.

MALDADE EXISTE. PURA. SEM DOENÇA. E é mais comum do que a gente imagina. Não deixe que aliviem a barra de filho da puta camuflando maldade como doença para que eles fiquem intocáveis.

Para me chamar de má, para me chamar de doente ou ainda para me informar quando começa a sétima temporada de Dexter porque eu não aguento mais esperar: sally@desfavor.com


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