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Siago Tomir: Aquela da moto.

| Sally | | 64 comentários em Siago Tomir: Aquela da moto.

Uma confluência de infelicidades fez com que Siago Tomir cismasse que queria uma moto: trânsito ruim, propaganda de alguns amigos, economia de tempo e dinheiro e outros. Eu nunca gostei de motos, tenho medo até hoje. O que seria apenas um arranhão na lataria de um carro pode virar uma perna quebrada em uma moto. Mas uma mula é dócil quando comparada a Siago Tomir.

Siago: Eu vou ser cuidadoso, você não confia em mim?
Sally: Não, eu não confio. E a questão nem é essa, mesmo que você seja cuidadoso, não tem como saber se todo o resto do mundo será, qualquer carro que bata em você de mau jeito pode te colocar em uma cadeira de rodas
Siago: Dramática…
Sally: Você precisa das suas mãos para trabalhar, sério que quer arriscar seu sustento dessa forma?
Siago: Eu vou andar devagar
Sally: Grandes bosta, se vier alguém andando rápido e te porrar, você vira patê no asfalto
Siago: Sally, eu já falei que eu vou tomar cuidado!
Sally: E eu já falei que independe do seu cuidado, o descuido dos outros pode te matar, você quer mesmo se colocar nessa situação?
Siago: Você nunca me apóia em nada!
Sally: Você só faz merda, por gostar de você é que eu tento impedir

Nem preciso dizer que não deu uma semana e Siago Tomir vendeu o carro e comprou uma moto. Porque Siago Tomir é assim. Ele ficava caraminholando silenciosamente uma idéia e qual seria a melhor forma de me apresentar essa idéia. Publicitário full time. Quando já estava com a decisão tomada e tudo engatilhado ele me contava como se fosse uma mera cogitação, quando na verdade já estava tudo decidido e encaminhado.

Siago: Tenho uma surpresa para você!
Sally: Para mim?
Siago: É, a partir de hoje vamos poder passar mais tempo juntos!
Sally: Vai trabalhar menos?
Siago: Não, vou chegar em casa mais rápido *sacudindo a chave da moto
Sally: Você comprou uma moto sem falar comigo?
Siago: A gente falou sobre isso
Sally: E eu disse que não queria!
Siago: Você não manda em mim

Esse era o argumento padrão para qualquer situação onde Siago estivesse sem razão.

Sally: E você vai sair com essa porra como, se não tem carteira?
Siago: Eu tenho carteira
Sally: Você tirou carteira para moto?
Siago: Tirei
Sally: E não me falou nada?
Siago: Eu preciso te contar tudo?
Sally: Ah, então isso é um pequeno detalhe?
Siago: Não achei que fosse relevante
Sally: *olho direito latejando de raiva
Siago: Semana passada você foi ao cinema e só me contou depois do filme
Sally: É praticamente a mesma coisa, né?
Siago: Não, é pior, porque eu queria ver aquele filme e você não queria tirar habilitação para moto…

Discutir com Siago Tomir era revoltante, pois além de não ter noção da realidade e do quanto estava equivocado, ele ainda se recusava a ver a verdade.

Sally: Siago, se você ficar em uma cadeira de rodas, eu vou ficar dando injeção na sua perna que nem a mulher do filme “Lua de Fel”, você está me ouvindo?
Siago: Acidentes podem acontecer. Eu posso estar tomando banho no chuveiro, escorregar, cair e…
Sally: SÉRIO, ESSA FRASE NÃO!
Siago: Mas é verdade!
Sally: A probabilidade é basicamente a mesma, né? Acidente de moto x cair no banho e se machucar
Siago: Não sei, não sou o IBGE
Sally: Essa frase justifica qualquer irresponsabilidade! Quem fala essa frase merece apanhar!

Tocou o celular do Tomir. Para sua desgraça, seu celular era daqueles cujo volume é praticamente um viva-voz involuntário e quem está ao lado escuta tudo que está sendo dito.

Alicate: E aí, chegou bem?
Siago: Ahãn
Alicate: Gostou dela? Corre para caralho, né?
Siago: Mmmm
Alicate: Responde Mano! Conseguiu botar 120 no caminho para casa?
Siago: Não, não
Alicate: Qual é, Tomir? Tava louco para correr com a moto!
Siago: Depois a gente se fala…
Alicate: Cuida bem da moto, eu vou sentir falta dela! E não se preocupa com a diferença do valor do carro, pode me pagar parcelado…

Tomir desligou o telefone já se protegendo e dando passos em direção à porta.

Sally: VOCÊ COMPROU UMA MOTO DO ALICATE?
Siago: Fica calma
Sally: VOCÊ COMPROU UMA MOTO DO ALICATE?
Siago: Sally…
Sally: Eu preciso ouvir da sua boca para acreditar: VOCÊ COMPROU UMA MOTO DO ALICATE?
Siago: *fazendo que sim com a cabeça
Sally: Você é duplamente burro, Tomir!
Siago: Você vai ver, com o tempo, como vai ser uma coisa boa
Sally: Sério? SÉRIO MESMO?
Siago: Pensa comigo, vou pegar menos trânsito, chegar em casa mais rápido e menos estressado, gastar menos com gasolina e estacionamento
Sally: E vale a pena majorar em muito o risco de vida ou de se machucar por causa disso?
Siago: Já falei que eu vou tomar cuidado!
Sally: E eu já falei que independe de você! Porque caralhos custa tanto admitir que tem coisas que não estão sob o seu controle?

Toca o telefone novamente

Alicate: Agora entendi porque você não tava respondendo, a Sally tá putona, né?
Siago: Sério, você me odeia?
Alicate: Que mulher chata, manda essa mulher calar a boca e…
*tomando o telefone das mãos do Tomir
Sally: Algum dia, mesmo que passem 30 anos, algum dia eu vou te foder, você está me ouvindo? Algum dia você vai ficar na minha mão, porque o mundo dá muitas voltas, e nesse dia eu vou te foder sem pena. Tenta fazer o máximo para nunca ficar na minha mão, porque se ficar, eu vou te foder até te virar do avesso.
*devolvendo o telefone
Alicate: Que boca suja que a tua mulher tem, hein?
Siago: Depois a gente se fala, vou desligar
Sally: Você é um débil mental, Tomir. Não tem outra definição
Siago: O tempo vai mostrar que eu tenho razão

O tempo mostrou quem tinha razão e não demorou mais do que duas semanas. Tomir estava voltando para casa, PARADO em um sinal fechado, quando uma senhora que dirigia pela primeira vez um carro hidramático se equivocou de alguma forma e acelerou em cima dele. Ele foi catapultado para fora da moto e caiu de cabeça no chão, não sem antes tentar se escorar e quebrar os dois braços. Os FUCKIN’ DOIS BRAÇOS ao mesmo tempo. Recebi um telefonema e corri para o hospital. Cheguei chutando a porta do quarto onde ele estava

Sally: SEU FILHO DA PUTA!
Siago: Foi uma fatalidade…
Sally: NÃO SOMIR, VOCÊ NA MINHA VIDA FOI UMA FATALIDADE!
Siago: Se controla, isso é um hospital
Sally: NÃO, EU NÃO ME CONTROLO PORRA NENHUMA, você quebrou seus dois braços agora eu vou quebrar as suas duas pernas!
Siago: Apertando o botão que chama a enfermeira com os dedinhos que estavam de fora do gesso sem parar

Confesso que eu estava determinada a bater no Tomir, mas fui contida a tempo e retirada do quarto por dois enfermeiros enormes enquanto esperneava e gritava “ACHO BOM PASSAR MUITO TEMPO AQUI, PORQUE SE VOLTAR PARA CASA VOCÊ MORREEEEE!”. Minha querida CUnhada Tomira, que chegava no momento, presenciou a cena e comentou “Continua a mesma…”.

Me obrigaram a tomar um remédio qualquer sob pena de me expulsarem do hospital e pediram para a Tomira ficar comigo enquanto o remédio fazia efeito.

Tomira: Tente ser mais compreensiva, Sally
Sally: Tomira, eu avisei! Eu avisei tantas vezes…
Tomira: Eu também avisei, mas ele não teve escolha, Sally
Sally: Como não?
Tomira: Os problemas financeiros, você sabe… ele teve que vender o carro para ter menos despesas…
Sally: Tomira, seu irmão não está com problemas financeiros
Tomira: Não?
Sally: Não, ele vendeu o carro para comprar uma moto do Alicate, que por sinal custou mais caro do que o carro
Tomira: *olho direito latejando
Sally: E no último mês ele comprou um notebook novinho extremamente caro e ainda trocou de TV
Tomira: Ele me disse que precisava vender o carro por dificuldades econômicas!
Sally: Então ele fez um péssimo negócio, pois além de vender o carro ainda está pagando para o Alicate…

Desta vez foi a Tomira quem invadiu o quarto do Tomir gritando e foi igualmente retirada e medicada. Uma enfermeira disse ao Siago: “Você deve ser realmente uma pessoa muito difícil”. Ela estava certa.

Siago Tomir passou a noite em observação por causa da pancada na cabeça e foi liberado no dia seguinte. Liberado para voltar para casa, porque ele não podia fazer quase nada com os dois braços engessados. Chegamos em casa e ele continuava com aquele misto de negação e arrogância

Siago: Foi uma fatalidade, poderia ter acontecido mesmo de carro
Sally: Só quero dizer que se você cagar, vai ter que aprender a limpar a bunda com o pé, porque eu não vou de ajudar
Siago: Você não pode ver que a culpa não foi minha?
Sally: Não. A culpa foi sua por assumir esse risco enorme. Eu avisei que independia do seu cuidado
Siago: Mas teria batido em mim mesmo que eu estivesse de carro!
Sally: Mas seria só um amassado na lataria do carro, não em você!
Siago: A escolha de vida é minha, Sally!
Sally: É, é sua sim! Quem vai ter que te alimentar, te dar banho, te vestir e te limpar nos próximos 40 dias sou eu, mas a escolha é SÓ SUA, né?
Siago: Já aprendi minha lição, na próxima vez em que parar no sinal, vou parar bem na lateral, afastado dos carros

Eu não sei o que se passa na cabeça das pessoas que andam de moto. Neguinho anda, cai, se fode todo e quando fica bom, volta a montar em uma moto. As pessoas não aprendem. As pessoas voltam a correr esse risco desnecessário. Justificam dizendo que gostam de moto, mas puta merda, por mais que você goste de alguma coisa, nada vale o risco de lesão e morte, sobretudo quando isso afeta a vida daqueles que te cercam.

Sally: Da próxima vez, você vai estar de carro
Siago: Você está pensando que eu vou vender a minha moto por causa de uma fatalidade?
Sally: Vender? Não… você vai DEVOLVER esta merda para o Alicate
Siago: Não vou não
Sally: Ok, então eu vou
Siago: Não vai não!
Sally: Olha para você, você não vai poder fazer NADA nos próximos dois meses!
Siago: Mas quando puder, vou voltar a andar de moto…

Em alguns momentos, com algumas pessoas, diálogo não é uma opção. Siago Tomir passaria pelo menos dois meses sem trabalhar, sem poder fazer porra nenhuma e ainda queria manter essa moto e pagar mensalmente uma quantia em dinheiro para o Alicate. Parece razoável? Não, não era razoável.

Sally: Ok, então a moto fica, mas com uma condição
Siago: *cara de wat
Sally: Eu vou usar
Siago: HAHAHAHAHA
Sally: Qual é a graça?
Siago: Você mal consegue dirigir um carro!
Sally: Por isso mesmo, moto é menor, deve ser mais fácil
Siago: Você não tem habilitação!
Sally: Vou tirar
Siago: Você não vai passar na prova
Sally: Eu passei na de carro, dirigindo da forma como eu dirijo…
Siago:
Sally: Aceita?
Siago: Não

Nada como se colocar no lugar dos outros para tentar compreender a pessoa. Nada como colocar uma pessoa no seu lugar de forma obrigatória para que ela tente te entender.

Sally: Ué, porque não?
Siago: Você vai se arrebentar toda
Sally: Eu vou dirigir com cuidado
Siago: Mas você mesma disse que não depende de quem dirige!
Sally: E você mesmo disse que foi uma fatalidade…
Siago: Não, você não dirige bem o bastante para andar de moto
Sally: Eu não dirijo CARRO, mas quem disse que eu não serei boa com motos?
Siago: Não
Sally: Ah, você pode e eu não posso?
Siago: E não foi sempre assim o nosso relacionamento?

Dei um prazo para ele pensar e decidir o que preferia: se livrar da moto ou eu andando na moto dele. Nem foi necessário, no dia seguinte o Alicate veio buscar a moto e o negócio foi desfeito. Se era preocupação comigo ou com a moto, nunca saberemos.

Para dizer que eu devo ter andado de moto na via crúcis para merecer isso, para contar suas histórias de terror com homem em duas rodas, para perguntar como Tomir limpava a bunda: sally@desfavor.com


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