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Dés Potas: Selvagilismo.

| Somir | | 27 comentários em Dés Potas: Selvagilismo.

Para quem não se lembra, Dés Potas é a coluna do desfavor que se presta a apresentar soluções pouco ortodoxas e muito imperativas para grandes problemas sociais. Hoje eu trago minha visão sobre a solução definitiva para todo esse impasse entre capitalismo e socialismo: Misturar tudo o que dá errado nos dois modelos.

Os países escandinavos, com a Noruega ganhando por seguidos anos os primeiros lugares nos Índices de Desenvolvimento Humano, destacam-se como parâmetro de uma boa relação entre conceitos capitalistas e socialistas. O nome que se convenciona para esse modelo é Estado de Bem Estar Social.

E se você espera que eu vá escrever um texto dizendo como deveríamos ser mais como a Noruega (só para cutucar: país mais ateu do mundo), não é bem assim que este déspota esclarecido enxerga as coisas.

Na minha arrogante opinião, todas as tentativas de conciliar o modelo de mercado livre e bem estar social tendem a funcionar apenas em países com uma estrutura já muito bem organizada, ou seja: Sociedades mais igualitárias “para o bem”. Povo bem educado, renda bem distribuída e muitas oportunidades de desenvolvimento pessoal.

Manter a economia correndo livre, cobrar impostos altíssimos e oferecer serviços públicos de igualmente superlativa qualidade não é para qualquer um. O Brasil é um país que permite iniciativa privada e cobra impostos abusivos, mas mesmo assim jamais poderia ser chamado de um modelo de “bem estar social”.

Pode se argumentar que assim que o brasileiro se equiparar ao padrão de honestidade e seriedade sobre sua qualidade de vida, digamos, de um norueguês, as coisas tenderiam a melhorar muito por aqui. Não é uma mentira, mas mesmo assim não é exatamente uma verdade.

Ninguém nasce mais honesto ou sério. O norueguês nasce num país mais organizado, com uma população bem menor e num sistema muito mais justo que o brasileiro. O brasileiro nasce… bom, nasce no Brasil. É leviano comparar a índole de povos diferentes sem considerar que esses povos não começam o jogo com as mesmas cartas em mãos.

Num exemplo simples: O metrô paulista é uma dos mais, senão o mais limpo do mundo. Ganha do de várias metrópoles em países com distribuição de renda bem melhor que a tupiniquim. Isso não quer dizer que o brasileiro é mais higiênico, isso quer dizer que com o tempo as pessoas se acostumaram com a “casa limpa”, e num misto de orgulho e medo de repressão (é mais fácil perceber lixo no chão de uma casa limpa do que numa toda bagunçada, não?), mantém a situação dessa forma.

O ambiente onde se começa influi demais na percepção de uma pessoa sobre o coletivo. Estado de Bem Estar Social funciona bem num sistema limitado como o dos países escandinavos, mas não consegue resolver os problemas de um bem mais caótico, como por exemplo, o brasileiro.

(Em tempo: Eu nunca digo “nosso país” porque eu escrevo da República Impopular do Desfavor, por aqui o chão está limpo por causa do trabalho es… voluntário de vários cidadãos…)

Qual a motivação do brasileiro de implementar um sistema de organização social que exige alto desenvolvimento intelectual, controle estrito e boa distribuição de renda para sequer começar a funcionar? Estado de Bem Estar Social é o melhor do modelo capitalista e socialista num mesmo pacote, e por incrível que pareça, é justamente por isso que não entra em vigor.

O que eu proponho é o Selvagilismo. Sistema de governo e organização baseado no capitalismo selvagem destituído de seu propósito de lucro pela ilusão de que somos todos iguais do comunismo. Menos com menos dá mais! O Selvagilismo se aproveita imensamente de um cenário tosco como o brasileiro, pois motiva o egoísmo da escalada social por um dúbio senso de dever moral para com os outros cidadãos.

As pessoas estão num sistema que já está quebrado, e isso as torna suficientemente previsíveis. Chega de esperar que o brasileiro vire norueguês para começar a fazer alguma coisa, vamos usar a podridão decorrente da falta de confiança nas instituições como o Estado como mola propulsora para nossa sociedade!

Você deve estar achando que é muito discurso para pouca proposta prática, mas nada tema: O falatório vazio é parte integrante da estratégia. O objetivo de evolução social tem que ser nebuloso o suficiente para não despertar o senso de oportunidade de quem já está muito acostumado a ser ferrado pelo Estado. Posso argumentar que boa parte da corrupção e da bandalheira governamental é resultado direto das pessoas tentando tirar vantagem o mais rápido possível de qualquer situação.

Num país onde as pessoas estão esperando levar uma facada, você não abana uma faca nem se for para cortar carne para distribuir de graça… Se o brasileiro já espera que o governo esvazie seus bolsos para ganho pessoal de alguns espertos, vamos trabalhar com isso!

A minha proposta é a seguinte: Tornar todos os ministérios em empresas autônomas, distribuir ações dessas novas mega-empresas para toda a população e deixar o mercado fazer o que sabe fazer melhor: Punir quem é ineficiente. O governo central fica responsável apenas por controlar o exército, no caso de alguma dessas empresas se engraçar com a ideia de tomada de poder. E mesmo assim, numa fase seguinte, o plano é privatizar até mesmo essa parte e distribuir as ações.

Pois bem, aposto que você está percebendo várias falhas na proposta, mas este déspota é esclarecido. Existem mecanismos para controlar a situação. Em primeiro lugar, o objetivo dessas novas empresas NÃO é o lucro e as ações NÃO podem ser simplesmente vendidas, só podem ser trocadas.

Entendam que quando eu digo que o objetivo da empresa não é o lucro, estou comparando ao modelo JÁ quebrado da economia de mercado moderna. Em tese, toda a empresa tem por objetivo se tornar a maior empresa do mundo e faturar toda a riqueza disponível da humanidade. Ninguém conseguiu ou vai conseguir por causa da concorrência, mas vamos entender que é um modelo burro considerando que a Terra TEM lotação máxima (já passamos dela) e existe um limite para o valor do dinheiro (bolhas, bolhas, bolhas…).

Ninguém tinha pensado que tinha um limite porque quando esse sistema de capitalismo se desenvolveu, parecia que não tinha mesmo (ou que ele demoraria muito tempo para surgir…). Propor que uma empresa tenha um objetivo claro de explorar e melhorar um serviço de utilidade pública é a parte menos exagerada da minha proposta. A economia vai tomar esse rumo, estou avisando agora, mas acho que não vou estar vivo para escrever um “Não Disse?” sobre isso. Que seja, um dia ainda vão reconhecer o meu brilhantismo futurólogo…

Imaginemos o Ministério da Educação se torne a EDUCAÇÃO S.A., responsável por prover ensino em todos os níveis para a população. Para começo de conversa, as pessoas não vão querer um dos inúteis de costume que assumem ministérios no modelo atual. Você vai ter uma ação e vai querer que a empresa prospere, indicação política vai perder força rapidamente. Até porque se a empresa começar a ir mal das pernas, todo mundo que tem ações e/ou empregos por intermédio dela vai sofrer junto. Ou bota gente que presta para organizar, ou paga o preço. Não tem Estado mais para limpar as cagadas e o repasse de verbas pelos impostos varia de acordo com o desempenho.

E agora eu aposto que você se pergunta o que impede que um bando de safados quebre a empresa e desvie todas as verbas… Ou mesmo que o povinho pouco instruído não caia em golpes e mais golpes. Bom, em primeiro lugar, um certo grau de desconfiança das intenções das empresas é até saudável para este modelo. Brasileiro já acha que vai ser sacaneado, mas fica realmente puto porque o Estado em tese não tem essa prerrogativa. Se for uma empresa, as pessoas vão ficar nos cascos. A empresa-ministério não pode falir de uma vez, mas pode ficar tão ruim que o setor privado vai valer mais a pena. (Como já é o caso atual…)

Corrupção ainda é possível, mas o dinheiro dessas empresas de utilidade pública não é “de ninguém”, como se enxerga atualmente. Uma empresa bem gerida pode pagar salários maiores e suas ações ficam mais atrativas. Como o lucro é repassado em forma de dividendos para os cidadãos (e imagine 200 milhões de sócios para saber como ninguém vai poder viver disso…), e não se concentra na mão de poucos, e como as ações dão direito a voto nas decisões da empresa, fica muito complicado puxar a sardinha para o próprio lado se não for vantajoso para muito mais gente.

O objetivo da empresa vai ser prover o melhor serviço possível com as verbas recebidas. Sem isso, os salários oferecidos vão ser uma porcaria, as ações vão ser pouco interessantes e a fonte de dinheiro dos impostos vai começar a secar. A empresa, como já dito, não vai falir, mas pode ficar minúscula. É uma excelente forma de descobrir que serviços se dão bem com essa proposta e quais não. Alguns ministérios atuais já podem ser totalmente inúteis e não sabemos por falta de oportunidade…

Falemos das ações, pois elas são parte importante do plano. Cada cidadão vivo brasileiro recebe uma ação de cada ministério no momento da implementação. Cada uma pode ser trocada livremente por outra ação de outra empresa-ministério, mas NUNCA ser comercializada por dinheiro ou qualquer outra riqueza. Elas podem ser somadas, cidadão pode acabar com vinte ações da SAÚDE S.A., ou com qualquer outra combinação delas. Ninguém é obrigado a manter suas ações de algum ministério. Mas o número geral delas é sempre o mesmo.

Pode até rolar de ações valorizadas ganharem um bônus financeiro junto com a troca, mas invariavelmente um cidadão sempre vai ter que receber uma ação para entregar uma em troca. Essa parte financeira não vai ser punida, porque incentiva a melhoria dos serviços públicos atrelados à empresa-ministério.

Convenhamos: É impossível tentar cuidar de todos os aspectos dos serviços públicos de um país ao mesmo tempo. Se as pessoas puderem se concentrar em algumas poucas delas, vão ser mais ativas e vão acabar conhecendo melhor o funcionamento da coisa. O que é importante considerando que cada ação é um voto e o povo vai decidir muita coisa. (P.S.: O voto não é obrigatório, embora tenha quórum mínimo. Corre atrás quem quer. Mas não vai ser num domingo e não vai ter lei seca. Neguinho entra num site ou numa das sedes da empresa e vota quando for mais conveniente dentro do prazo.)

Quem tiver várias ações de uma mesma empresa-ministério vai ter mais voz na questão, e não vai dar pitaco em outras que não se interessa. Ah, eu já disse que uma empresa só pode contratar quem tem pelo menos uma ação dela? E que o número de ações pode ser fator de desempate numa concorrência para emprego? Isso vai ensinar o brasileiro a pensar de forma mais estratégica com seus investimentos, problema sério num país viciado em poupança.

Mas e a estratégia bolsa-família de fazer um monte de pobrinhos para ganhar mais? Não se preocupe. As ações são herdadas e a oferta de novas precisa seguir regras bem específicas. Um casal vai ter motivação para ter dois filhos no máximo por causa dessas ações. Do terceiro para frente, só se ganhar uma loteria das ações deixadas por pessoas sem herdeiros (com custo para participar, fonte de renda extra…).

Ah sim, a iniciativa privada continua firme e forte. E vão concorrer pau a pau com as empresas-ministério. Até mesmo se aproveitar delas… Uma empresa do setor de transporte vai adorar contratar gente com muitas ações da TRANSPORTE S.A. Um bom planejamento de ações vai impulsionar sua carreira.

Sem contar que vai ter pancadaria aberta entre as empresas. Quando uma for muito bem, a outra não pode fazer joguinho político e cobrar mais verbas em troca de uma votação favorável no Congresso ou Senado, vai ter que se tornar mais eficiente, bater metas e tornar suas ações mais disputadas para ganhar mais investimento público. Vai ser guerra como já é atualmente, mas vai ser aberta e sem a obrigação social de mentir que é tudo pelo bem na nação. Vai ser para aumentar os próprios salários e tornar seus sócios mais atraentes para o resto do mercado. O brasileiro vai se sentir mais confortável sabendo que dessa vez suas desconfianças de que todo mundo só quer se dar bem estão certíssimas. Ajamos de acordo então!

Não podemos nos livrar das empresas privadas focadas em lucro puro, afinal, são elas que mantém a pressão das baseadas em utilidade social a funcionar direito. Se todo mundo cagar na administração do serviço de saúde, vai ter que gastar mais com saúde privada (como já acontece). Votar bem e escolher bons profissionais para as empresas-ministério vai EFETIVAMENTE economizar dinheiro e melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Algumas pessoas ainda podem ficar ricas com bons contratos (e contatos), mas se os serviços públicos atenderem a um padrão mais elevado, fica menos escroto ser pobre. Não é só prêmio de consolação, com o tempo a população mais pobre vai ganhando oportunidades de melhorar de vida, só de estudar um pouco mais e não morrer em fila de hospital, já é um ganho incrível. E quem sabe um dia dê para aplicar o Estado de Bem Estar Social? Já sabemos como a Noruega funciona, o problema ainda está em como dar os primeiros passos.

E aqui, o pulo do gato: Esse modelo não vai ser exclusivo das empresas-ministério. Todo mundo que abrir uma para fazer as mesmas coisas no mesmo modelo de utilidade pública capitalista vai ter incentivos fiscais consideráveis. Riqueza tem limite, não dá para todo mundo ao mesmo tempo. Quanto mais gente se focar num objetivo prático, por exemplo uma empresa focada em fornecer cursos técnicos de computação ao invés de enriquecer o dono a níveis obscenos fazendo isso, mais fácil vai ser virar esse petroleiro desgovernado (e furado) que é a economia mundial atual. Não é mais ser bonzinho, já é questão de ser prático.

Sim, eu sou um gênio. Como eu ainda não fui eleito ditador do mundo também me deixa pasmado. Tem solução que só um déspota traz para você…

Para dizer que achou o texto chaaaatoooo (maldita plebe), para achar buracos na minha teoria infalível, ou mesmo para dizer que ações escolheria se isso fosse implementado (Ministério da Fazenda é easy mode, você pode fazer melhor…): somir@desfavor.com


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