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Plantão Desfavor: Na chón! III

| Sally | | 17 comentários em Plantão Desfavor: Na chón! III

A imprensa já não fala mais sobre o assunto, mas eu não esqueci. Passei a semana toda correndo atrás de informações e descobri algumas coisas bacanas, que acredito serem verdadeiras porque ouvi de diversas fontes não relacionadas entre si. Plantão Desfavor, jogando merda no ventilador desde 2008: Os prédios vizinhos ao desabamento podem estar comprometidos e desabar também.

Conversei com mais de dez pessoas que trabalhavam nas proximidades. Não foi difícil, já que o público alvo era majoritariamente de advogados, muitos deles conhecidos meus. Quem trabalhava nos prédios próximos, mais precisamente no mesmo quarteirão, relata ter sentido tremores nos dias que antecederam o desabamento. Não qualquer tremor, um tremor específico, descrito como se alguém segurasse o prédio pela base e o sacudisse. Um tremor desequilibrado, não aquela vibração que sentimos de vez em quando.

Mais: relatam que na véspera do desabamento os tremores aumentaram significativamente, a ponto de deixar os ocupantes do prédio preocupados o bastante para tratar do assunto com o zelador, questionando se alguma obra estaria sendo realizada. O zelado, com seu notório saber de engenharia, disse que aquilo era normal. É sim, normalzão. No dia seguinte três prédios caíram normalmente. Se os tremores eram normais, porque nunca nenhuma das pessoas com as quais conversei havia sentido nada parecido antes? Todos relataram que é um tipo de tremor muito específico, inconfundível. Quem sou eu para questionar, eu nem mesmo sabia que existiam diversos tipos de tremor.

O mais preocupante é nos edifícios vizinhos “liberados para uso”, os mesmos tremores que antecederam o desabamento PERSISTEM. Um funcionário da Defesa Civil soltou no meio de uma conversa que alguns edifícios que voltaram às suas atividades deverão passar por “obras de reestruturação”. Diante do susto, desconversou. Curioso, precisam de obras de reestruturação mas estão liberados para uso. Insisti. Quando perguntei novamente como podem liberar para uso edifícios que precisam de obras de restauração ele respondeu: “é complicado”. Deve ser mesmo.

Os tremores em diversos prédios próximos continuam, e em intensidade considerável. Se você conhece alguém que trabalhe por ali, pergunte. As pessoas, apavoradas, entraram em contato com a Defesa Civil, que respondeu que os tremores eram normais (conhecimento “zelador level”) e que provavelmente eram causados por uma “obra de escoramento” realizada no edifício próximo, bem ao lado do que desabou, chamado Edifício Capital. Então temos o seguinte quadro: edifícios liberados, colados no edifício Capital (não desabou mas por estar colado no que desabou sofreu avarias). Os edifícios liberados que fazem fronteira com a área apresentando tremores preocupantes.

As pessoas com as quais conversei estavam desesperadas jurando que eram os exatos mesmos tremores que sentiram antes do primeiro desabamento. Transcrevo aqui o depoimento de uma delas:

“Distinguem-se dois tipos de sensações: uma vibração, que acredito vir das citadas obras de escoramento e um tremor, que ocorre no momento em que as máquinas estão trabalhando. Completamente diferente deste, temos um outro tremor, de grande intensidade, idêntico a aqueles que sentimos às vésperas do desabamento. Juro por Deus que é o mesmo tremor. Não estão acreditando, estão achando que estamos assustados, mas eu e todos os outros ocupantes deste prédio podemos assegurar que é exatamente o mesmo tipo de tremor que sentimos na terça e na quarta (véspera e dia do desabamento), tanto é que sentimos este tremor mesmo quando a obra estava paralisada”

E aí? Você confiaria? Você subiria em um prédio de 22 andares para trabalhar se ele tremesse até cair gesso do teto na sua cabeça? Se ele tremesse quando as obras estão paralisadas e ainda assim falassem que é culpa da obra você acreditaria? Você continuaria trabalhando se o tremor fosse tão forte que seu computador “caminhasse” pela mesa?

Desde já fica minha pergunta aos leitores engenheiros: um prédio que treme de forma progressiva (os tremores foram piorando) quando não está sendo realizada nenhuma obra durante dois dias, seguido por um desabamento, seguido pelos exatos mesmos tremores, é seguro? Obras de escoramento fazem prédios do mesmo quarteirão tremer, mesmo com o maquinário desligado?

No último plantão eu já tinha levantado a desconfiança de que os demais prédios não estavam seguros por uma série de condutas dos agentes públicos no local. O que se vê nas ruas do Centro do Rio são pessoas saindo dos prédios vizinhos às pressas cada vez que sentem um tremor. Bacana trabalhar assim, né? Na quarta-feira, por exemplo, quase todos os ocupantes do prédio vizinho saíram correndo para a rua por causa de um forte tremor.

Parte de mim quer acreditar na Defesa Civil e pensar que não teremos mais desabamentos. Não por confiança, que eu não confio na Prefeitura nem fodendo, mas sim por aquele clássico argumento de “eles não seriam tão burros…”. É, eles não seriam tão burros de dizer publicamente que um prédio está seguro e pouco tempo depois esse prédio desabar, seriam? Espero que não. Mas algumas vezes a incompetência supera expectativas. Temo que estejam desacreditando os relatos por achar que as pessoas estão histéricas e estejam fazendo pouco caso. Independente de existir ou não o risco, estas pessoas não deveriam estar sendo obrigadas a trabalhar nestas condições.

Vamos combinar uma coisa: as pessoas são leigas, não tem conhecimento em engenharia. As pessoas estão assustadas. Aconteceu uma tragédia grotesca. As pessoas não confiam, porque faz muito tempo não há razões para confiar. Não é justo pedir que estas pessoas confiem e continuem trabalhando quando seu prédio treme feito gelatina, quando chega ao ponto do seu computador cair da sua mesa. Isso é DESUMANO. Estão fazendo as pessoas trabalharem apavoradas. Não é exigível pedir que as pessoas confiem, não depois de tudo que aconteceu. Façam um favor, Município, Estado, patrões: férias para seus funcionários. Mandem ficar em casa. Não é decente fazer alguém trabalhar nessas condições. Confiança se conquista, é mérito, e a Prefeitura já a perdeu faz tempo. Não venham pedir confiança.

Um engenheiro que trabalhou comigo muitos anos, portanto, pessoa de minha confiança, me assegurou que o comprometimento do Edifício Capital é enorme e que há sim o risco de desabamento. Desabando o Edifício Capital, todo o bloco de edifícios em torno dele ficaria comprometido. Alarmismo? Preocupações reduzidas a termo foram encaminhadas ao CREA, a Delegacias de Polícia e a outros órgãos. Não custa lembrar que da última vez que um prédio desabou, levou mais dois junto com ele. Esse sistema de prédios “em bloco” é especialmente arriscado e se o Capital cair, uma nova tragédia vai acontecer.

Mais uma pergunta: a Defesa Civil diz que está tudo ok, mas os prédios que estão tremendo também estão começando a apresentar rachaduras. Desculpa aí, meu negócio é lei, não entendo nada de Engenharia: prédio com rachadura é normal? Não me parece normal. A Defesa Civil do Rio de Janeiro acha super normal. Mas aqui no Rio assentam comunidade em cima de lixão e quando chove a comunidade explode pelos ares e ainda levam a culpa. Eu cheguei a pensar “Eles não seriam tão burros de assentar uma comunidade em cima de um lixão!” mas fizeram. Dá para confiar? O argumento do “eles não seriam tão burros…” falhou inúmeras vezes, não apenas no Morro do Bumba. Falhou no desabamento de Angra, de Friburgo e em tantos outros onde eu contava com o “eles não seriam tão burros”.

E a imprensa, hein? Que tal falar disso em vez de ficar metendo o microfone com a câmera ligada sem pedir autorização prévia nos cornos da mãe de uma vítima e fazer perguntas imbecilóides do tipo “como você se sente sabendo que a sua filha está morta debaixo daqueles escombros e que não encontraram o corpo dela?”. Que tal ajudar a apurar se as pessoas dos prédios vizinhos estão mesmo em segurança em vez de ficar noticiando que encontraram o corpo da vítima tal quando na verdade o corpo não foi encontrado? Que tal exercer sua função de jornalistas INVESTIGATIVOS e caçar informação em vez de noticiar que um numero x de dedos foram peneirados dos escombros?

Imprensa é o quarto poder. É ela quem fiscaliza os outros três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. É o temor da imprensa que os faz andar na linha. Se continuar assim, o título de quarto poder vai acabar sendo transferido para o Twitter, onde pessoas comuns sem formação em jornalismo exercem um papel investigativo de forma muito mais ativa.

Uma frase de uma das pessoas que trabalhava no prédio que desabou não sai da minha cabeça: “Se fossemos escola de samba, já tínhamos recebido um milhão do Prefeito” (para quem não sabe, ano passado o barracão de várias escolas de samba pegaram fogo e o Prefeito, no mesmo dia, liberou uma pequena fortuna para cada uma delas). As famílias, devidamente orientadas, ingressarão com ação contra a Prefeitura, porque na pior das hipóteses, existiu culpa por omissão.

Outra curiosidade: se o edifício Capital está interditado porque tem riscos em sua estrutura, porque as pessoas estão sendo autorizadas a entrar e pegar seus pertences? O prédio está com a estrutura abalada, com risco de desabamento e estão deixando as pessoas correrem esse risco? Se cada um pode decidir os riscos que quer correr, tivessem me deixado cavar os escombros, talvez eu pudesse ter feito melhor, porque cá entre nós, não foi uma explosão, um acidente em um tanque de ácido ou um incêndio, foi um desabamento de onde saíram pessoas com vida. Os corpos estão ali em algum lugar.

Sobre as causas do desabamento, continuam surgindo diversas teorias: as chuvas fizeram o solo ceder, as obras do metrô teriam danificado a estrutura do prédio e várias outras que não faz sentido citar, porque são meras especulações. A tentativa histérica de responsabilizar a empresa TO e o engenheiro Paulo Brasil continuam, porém ambos me parecem mais do que inocentes. Reparem que foram os únicos até agora a mostrar a cara de falar sobre o assunto. Até onde se divulga, 15 pessoas foram identificadas e ainda existe um corpo e “12 partes de corpos” no IML em condições tão ruins que só um exame de DNA poderá dizer (no prazo de 30 dias) a identidade.

Sobre a Sabrina, ainda aguardo uma errata do jornal O Globo, que noticiou de forma leviana ter encontrado seu corpo e depois simplesmente tirou a notícia do ar sem maiores explicações. Quando se vive nesse caos, nessa bagunça, a gente começa a se perguntar se foi de fato erro da imprensa ou se o corpo foi encontrado mas foi perdido em alguma parte do processo. Sim, eles seria tão burros. Já deram provas mais do que suficientes disso…

Para dizer que burra sou eu de ficar falando essas coisas em uma cidade onde mandam dar tiro em blogueiro no meio da rua, para dizer que se continuar assim vamos ter que abrir uma nova coluna chamada DESABA EU, ou apenas para agradecer por não morar no Rio de Janeiro: sally@desfavor.com


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