Enquanto isso, na Avenida:

FISCAL: Olha, moça, eu vou ter que chamar meu supervisor…
MODELO: Como é que você não está vendo? É porque está pintada de azul?
FISCAL: Eu te juro que eu prestei toda a atenção do mundo!
MODELO: É, eu percebi! Só faltou cutucar!
FISCAL: Opa, opa, estou sendo profissional!
MODELO: Meu amor, o profissional que chega tão perto assim tem outro nome…
FISCAL: Empresário? Fazendeiro? Jogador de Futebol?
MODELO: Chama o seu supervisor A-GO-RA!
FISCAL: *chamando pelo rádio* Oi? Tem um problema aqui com um dos destaques da Unidos da Vila Bia. Só vendo, só vendo…
MODELO: Manda vir logo! A gente já vai sair!
REPÓRTER: Aconteceu algum problema aqui?
FISCAL: Estou esperando o meu supervisor para liberar a moça aqui…
MODELO: Está ao vivo? Eu quero dizer que estou sofrendo preconceito!
REPÓRTER: Lindinha, a câmera nem está ligada. Você está falando com uma lata de cerveja na mão do cinegrafista.
MODELO: Ah… é que cai… purpurina… nos olhos, né?
REPÓRTER: Claro. Mas o que está acontecendo aqui?
SUPERVISOR: Licença! Licença! O que está se sucedendo aqui?
FISCAL: A moça aqui diz que está usando um tapa-sexo.
SUPERVISOR: Ok…
FISCAL: Mas eu não estou achando…
REPÓRTER: Liga essa merda de câmera agora! E chama o link ao vivo! VAI! VAI! VAI!
SUPERVISOR: *olhando*
MODELO: Tá aqui! *afastando as pernas e inclinando a pélvis para a frente*
ASSISTENTE DA REPÓRTER: Ao vivo em… 3…
FISCAL: Tá sem nada, tá vendo?
ASSISTENTE DA REPÓRTER: 2…
SUPERVISOR: Moça, isso não é tapa-sexo…
ASSISTENTE DA REPÓRTER: Vai!
SUPERVISOR: Isso é uma buceta pintada de azul!
REPÓRTER: …
SUPERVISOR: Ops…
REPÓRTER: É… Estamos ao vivo aqui na concentração da Unidos da Vila Bia, onde uma das passistas está enfrentando resistência da comissão organizadora por causa de seu tapa-sexo.
MODELO: Isso é um absurdo! A gente passa horas se produzindo para o desfile e um maluco desses estraga tudo?
SUPERVISOR: *puxando o microfone* Eu não sou maluco, a integrante da escola de samba está com a genitália exposta! FILMA!
REPÓRTER: *puxando de volta* Os ânimos esquentaram por aqui.
MODELO: Que tipo de mulher vocês acham que eu seria para sair para o Brasil inteiro com a gentalha exposta?
REPÓRTER: …
FISCAL: Ué, você está quase pelada mesmo! Peitos de fora e tudo!
MODELO: Mas é diferente. Peito é artístico. *exibindo para a câmera, com sorriso maroto*
SUPERVISOR: Moça, você não está usando tapa-sexo!
MODELO: Tá aqui! É que esse é o menor tapa-sexo do mundo, sabe?
REPÓRTER: Então mostra pra gente enquanto samba um pouco.

A modelo começa a dançar enquanto o câmera vai abaixando o ângulo da imagem até fazer um take completo de baixo para cima.

CÂMERA: OOOOPA! *virando a câmera*
REPÓRTER: O que foi?
CÂMERA: A gente vai preso se mostrar isso na TV aberta!
REPÓRTER: Não tem mesmo?
CÂMERA: Sério, parecia que eu estava filmando a versão pornô do Avatar!
MODELO: Se vocês quiserem eu tiro para provar que estou usando!
REPÓRTER: … É melhor a gente voltar para o estúdio agora.
ASSISTENTE DA REPÓRTER: 3, 2, 1… Corta!
REPÓRTER: PUTA QUE PARIU! TÁ QUERENDO ME FODER, SUA VADIA?
TODOS: …
REPÓRTER: Depois a merda da emissora toma processo e eu fico queimada! Eu fiz faculdade de jornalismo! EU NÃO MEREÇO ISSO!

O clima fica pesado. O câmera começa a consolar a repórter, enquanto o supervisor e o fiscal se aproximam da modelo:

SUPERVISOR: Moça, ou bota alguma coisa para cobrir ou a gente não pode deixar desfilar.
MODELO: Pelo amor de Deus, vocês nem sonham com o trabalho que deu para ficar com esse corpo! Vocês não podem fazer isso comigo… Por favoooorrr…
FISCAL: Eu posso verificar de novo. *sorrindo*
MODELO: Faz o que quiser, mas me deixa desfilar. Minha carreira depende disso!
FISCAL: Você vai ter que abrir bem mais as pernas do que fez antes.
SUPERVISOR: E puxar a pele ao redor.
MODELO: Já fiz coisa muito pior nessa vida. Mas vai rápido!

A modelo arqueia as pernas, o fiscal e o supervisor disputam o pouco espaço entre as coxas da mulher pintada de azul.

FISCAL: Tem um treco ali no meio…
SUPERVISOR: Verdade. Destoa…
MODELO: Eu disse! Eu disse!
CÂMERA: É uma lantejoula?
MODELO: Ei! Você não foi convidado!
CÂMERA: Eu estou do seu lado. Acho que a câmera não pegou na hora… Mas parece que está aí mesmo.
MODELO: Bom, posso desfilar então?
SUPERVISOR: Tecnicamente… é um tapa-sexo.
FISCAL: Tecnicamente… não está nua.
CÂMERA: Segura a pose! Vamos salvar sua reputação.
MODELO: Vou aparecer na TV de novo?
CÂMERA: Acho que vão topar voltar sim.
MODELO: Tá bom. Então vai logo.

O câmera vai até a repórter e eles começam a conversar. Enquanto isso, mais algumas dezenas de curiosos se acotovelam para ver o suposto tapa-sexo da modelo.

FISCAL: Não empurra! Isso é assunto oficial!
POPULAR: Deixa os irmão verem também, porra!
SUPERVISOR: Chama o pessoal da segurança para fazer o isolamento.
FISCAL: Chama você!
MODELO: Vocês não precisam mais ficar aí embaixo!
SUPERVISOR: Estamos evitando a aglomeração de pessoas.
FISCAL: Ponto estratégico.
MODELO: SEM FOTOS! Para de filmar no celular!
SUPERVISOR: Mas você está sorrindo para todas as fotos…
MODELO: É hábito. Eu vejo uma câmera e sorrio.

O câmera volta, com o equipamento no ombro, acompanhado mais uma vez pela repórter.

REPÓRTER: Estamos aqui de volta com a polêmica modelo do menor tapa-sexo do mundo! Ela alega que pode provar que está mesmo coberta, e nós vamos mostrar com exclusividade.
MODELO: Ai, que vergonha!
FISCAL: Agora você está abrindo ainda mais as pernas.
MODELO: Cala a boca… Estão vendo agora? Não estão se arrependendo de ter me acusado?
REPÓRTER: O Carnaval mais exclusivo rola aqui!
ASSISTENTE: E… corta!

A modelo finalmente muda de posição, para a frustração da platéia que acompanhava atenta.

MODELO: Pronto! Agora eu vou desfilar!
SUPERVISOR: Sim, boa sorte!
FISCAL: E obrigado!
SUPERVISOR: …
FISCAL: Por… abrilhantar… o… carnaval… com… sua…

A peladona azulada acelera o passo em direção ao seu carro alegórico. Um segurança a ajuda a subir numa plataforma elevada, não sem fazer uma cara de empolgação ao ficar diretamente abaixo dela.

SUPERVISOR: Bom, não deixamos uma mulher pelada desfilar.
FISCAL: Eu me sinto sujo…
REPÓRTER: Jura que ela estava mesmo com um tapa-sexo?
SUPERVISOR: Parecia. Tinha uma coisa estranha ali no meio. Não era nenhuma das partes… normais… de uma mulher. Sem contar que estava tudo azul, era difícil definir.
REPÓRTER: Menos mal. Pelo menos eu não vou virar a Prochaska da minha geração…

A equipe da TV começava a reunir seus equipamentos e se preparar para continuar a cobertura quando um homem aparece correndo de forma afetada para interpelar o câmera.

HOMEM: Você viu uma mulher pintada de azul com um cocar de plumas prateadas?
CÂMERA: Se é quem eu acho, já subiu no carro alegórico.
HOMEM: Ai, é tanta fantasia que eu fico perdida! Você lembra se ela estava de saia?
CÂMERA: …
REPÓRTER: Puta que me pariu! Eu sabia! Eu nunca mais vou ser levada a sério nessa profissão!
HOMEM: Sem, né?
FISCAL: Com licença… Eu estava ouvindo por cima…
CÂMERA: Fudeu, não era tapa-sexo!
FISCAL: Ah, que bom… Ano que vem eu vou acompanhar o desfile pela arquibancada. É trabalho voluntário, também…
CÂMERA: Mas a gente viu! Aquilo não era normal.
FISCAL: Só se… Vem cá, você conhece bem a moça?
HOMEM: Não muito. A única coisa que eu lembro dela é que ela me disse que no Carnaval passado foi rejeitada pela escola.
FISCAL: E disse o porquê?
HOMEM: Muito magrela, sequinha, sabe?
CÂMERA: Aquela cavala? A perna dela era maior que as minhas duas juntas!
FISCAL: E eu achando que a voz era grossa porque ela estava rouca.
CÂMERA: Putz…

Fim