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Flertando com o desastre: Estupro auditivo.

| Sally | | 122 comentários em Flertando com o desastre: Estupro auditivo.

Existe coisa mais “de pobre” do que passar pela porta da casa ou apartamento de uma pessoa e conseguir ouvir qual é o programa de TV que ela está assistindo? Existe coisa mais mal educada do que ser obrigado a ouvir o tipo de música que o vizinho está ouvindo? Existe coisa mas escrota do que neguinho entrar em lugares públicos com seu celular tocando música alta?

Eu não sei qual é o problema do brasileiro mal educado (porque existem os educados) com relação ao volume. O brasileiro mal educado tem uma tara específica pelo volume alto de TUDO: TV, toque do celular, tom de voz, músicas que escuta… Tudo que tem variação de volume tem sempre que ser no volume mais alto possível. Nunca vi isso em outros lugares do mundo, o Brasil é pioneiro no estupro auditivo. Parecem eternos adolescentes que acham que quantidade é qualidade: quanto mais alto o som, mais legal. Quanto mais potente melhor.

Queria começar falando do volume do som nos carros. Um carro é um compartimento pequeno, que não precisa de um som muito potente para atender a toda a área do veículo. Mas vão esses paus pequenos complexados que adoram comprar tudo grande para compensar e metem um som que ocupa a mala toda. É para si mesmo? Não é, um som pequeno cumpriria a função de promover música ambiente. É para chamar a atenção, para mostrar que tem (ao menos) algo grande. Daí ligam o som em uma altura indecente para que todo o quarteirão ouça. Se ao menos fechassem os vidros, mas não, fazem questão de deixar os vidros abertos, para obrigar todos à sua volta a ouvir o que eles estão ouvindo.

Som absurdamente alto no carro é feio, é brega e é atestado de pau pequeno. Evidentemente quem faz uma porra dessas nunca tem bom gosto, porque uma pessoa de bom gosto não se porta assim, então o som que sai do veículo é aquela belezura: Sertanojo, Funk, Axé, Pagode ou qualquer modinha MicheTeloesca da vez. E a pessoa acha que está abafando, porque no mundinho limitado dela, composto por outros pobres de espírito, é assim que alguém tira onda, é assim que você é considerado legal. Uma pena que a pessoa desconhece que, para o resto do mundo, está se humilhando e fazendo papel de idiota.

Tem também o pessoal da televisão. Estes são mais comuns do que os do carro. É gente que faz da TV sua amiga e sua companheira. Acorda e liga a TV. Liga em um volume bem alto, assim enquanto executa seus afazeres pela casa tem alguém para “conversar”. Foda-se que a babaca que mora ao lado tem que escrever um texto de quatro páginas enquanto escuta a Ana Maria Brega ou o Bonner Simpson aos berros. O importante é aplacar essa solidão que a pessoa sente. Existem ainda uns idiotas que eu apelido de “Troféu Cotonete” que, apesar de estarem sentados a poucos metros da TV, insistem em um volume completamente inadequado, muito acima do que seria necessário para a compreensão da transmissão.

Não entendo como essas pessoas suportam um aparelho a poucos metros gritando em seus ouvidos, e olha que eu não sou propriamente um exemplo de sofisticação. Eu tenho uma teoria: gente que escuta TV muito alto é burra. Coloca o volume bem alto para ver se consegue compreender. Tem dificuldade de cognição, de prestar atenção, de entender o que é dito. Sabe aquele mecanismo que te faz berrar quando você está em um país estrangeiro e os nativos não estão te compeendendo? Pois é, a pessoa faz a TV gritar com ela porque está tendo sérias dificuldades de apreender todo o conteúdo que está sendo dito. Claro, tem também o fator insegurança, egoísmo e todo o resto, mas na minha humilde opinião, no caso da TV, o motivador que prepondera para o volume alto é a burrice mesmo.

Não sei como vocês se sentem com relação a isso, mas me causa uma irritação profunda estar em um cômodo e ouvir com nitidez o que uma TV em outro cômodo está dizendo. Isso é invadir o espaço alheio em um dos sentidos, a audição. É como se uma pessoa cagasse e você tivesse que ficar cheirando a merda no cômodo ao lado. Meu espaço, minha privacidade, inclui o direito ao silêncio. Talvez esta seja a razão mais forte que me levou a abolir filhos da minha vida. Aquelas vozes altas e incansáveis acabariam por me causar um AVC.

O descompensamento do brasileiro mal educado com volume não se limita apenas ao som do carro e à TV. Eles se sentem no direito de ouvir música nas suas casas ou apartamentos em um volume que obriga toda a vizinhança, ou ao menos, todos os vizinhos, a ouvir por tabela. Vale a mesma premissa do som do carro, pessoas assim não tem bom gosto, é certo que você vai ter que escutar uma música de merda, porque quem tem discernimento para ouvir musica boa, também tem discernimento para não fazê-lo neste volume. Qual é a necessidade de ouvir uma música nesse volume? “Eu quero, eu gosto”. Porque você é importantão, né seu idiota? Importante o suficiente para obrigar a vizinhança a ouvir junto.

O mais engraçado é que se você ameaça reclamar, os juristas leigos começam a cuspir fragmentos de uma lei mal interpretada se achando cobertos de razão. Dizem que “A Lei do Silêncio é só depois de dez horas da noite”. Olha, vontade de enfiar um cabo de vassoura no cu de quem fala isso até sair pela boca é quase que incontrolável. O juristão se recusa a entender, por mais que lhe seja explicado, que a diferença está nos DECIBÉIS, após certo horário, os decibéis permitidos são ainda mais reduzidos. Porém, existe uma limitação, a qualquer hora do dia. Ou será que a pessoa acha que cada habitante deste país pode ouvir música no volume que quiser antes da dez da noite? Como ficaria nossas vidas se TODOS colocassem seus sons no volume máximo em horário comercial?

Mas esse povo mal educado é assim, é o discurso do EU. Eu tenho direito, Eu quero, Eu gosto. Pensar que está atrapalhando outras pessoas não lhes ocorre, pensar nos outros é para os fracos. Mas todo mundo super acredita em Deus e é super religioso e se acha super boa pessoa e acha que Deus super gosta dele. Porque ser boa pessoa, para essa gentalha, se resume a fazer aquelas coisas boas que não configuram sacrifício pessoal. É a bondade seletiva, a bondade sem ônus. A bondade conveniente. Fez uma coisa boa? Tá tranqüilo, é uma pessoa boa, vai pro céu. Ahãn, aguardem, meus queridos.

Por incrível que pareça, existe uma categoria ainda pior do que a das pessoas que escutam músicas em alto volume nas suas casas: a de pessoas que CANTAM em alto volume no seu karaokê, videokê ou whateverokê. Alguém sabe me explicar porque toda pessoa que canta mal acha que canta bem? Acredito que seja uma bênção divina, algo similar ao mau hálito. A pessoa com hálito ruim parece não perceber, mesmo que tenha boca de bueiro. Com os desafinados parece ser o mesmo esquema. Eles cantam mal, cantam alto e acham que estão cantando bem. Despertam um misto de vergonha alheia e raiva. Mas, convenhamos, mesmo que a pessoa cante bem, ninguém é obrigado a ouvir. Enfiem seu videokê na bunda, os anos 80 acabaram.

Chegamos à categoria celular. Todo mal educado possuí um toque bizarro e deselegante: musiquinha, onopatopéias, bordões gritados por subcelebridades, hino do time de futebol e coisas do tipo. Para que colocar um toque discreto, tipo, um único “bip”? Não, não. O bacana é que seu celular toque e todo mundo olhe para você, porque né, esta deve ser a única forma que o infeliz tem de conseguir atenção. Então, além do toque escroto, a pessoa ainda coloca a campainha do celular nas alturas. Foda-se se está em uma audiência, em um teatro, no cinema, no hospital, na sala de aula. Foda-se o mundo, como sempre.

Como se não bastasse paunocuzar os outros apenas no momento em que o celular toca, existem algumas criaturas que se sentem no direito de frequentar locais públicos como restaurantes, transportes coletivos, praças e praias e colocar seu celular para tocar músicas em alto e bom som, em um repertório do seu agrado. Já sabem qual é, né? Imagina você se cada pessoa que está no ônibus, no trem ou no metrô tirar o seu celular do bolso e colocar para tocar em um volume alto aquilo que lhe agrada? Fone de ouvido nem pensar, fone de ouvido é para os fracos. Os outros que se fodam. É por essas e outras que eu insisto no tão criticado argumento de que algumas vezes diálogo não funciona, tem que pranchar a pessoa na porrada. Tem diálogo com um amental que faz uma coisa dessas? Não tem. É mão fechada na boca ou choque no períneo.

Falo com conhecimento de causa. Certa vez fui tentar responder na mesma moeda para ver se exercia algum efeito socio-educativo. Uma mãe com duas crianças estava ouvindo um forró asqueroso cheio de conotações sexuais em um volume bem alto em um local público e fechado. Tirei meu celular do bolso e selecionei uma música do nosso Poeta Eterno, Rogerio Skylab. Enquanto estava apenas na parte do “Tuntun Tchi Tuntuntun tun tun” ela apenas ficou me olhando, mas quando ele começou a gritar “MÁRIO COVAS! CÂNCER NO CU! ANA MARIA BRAGA, CÂNCER NO CU! PERDEMOS A VONTADE DE CAGAAAA!” ela veio me repreender dizendo que aquela música era inadequada e que havia crianças no local. Tem diálogo com gente assim?

Não contentes em estuprar auditivamente aqueles que os cercam com auxílio da tecnologia, o brasileiro mal educado ainda o faz na versão unplugged, a plenos pulmões. Repararam que algumas pessoas desconhecem a existência de um aparelinho chamado “interfone”? Se prostram e ficam berrando “FUUULAAAAAANOOO! FULAAAANOOOOOO!” até o Fulano aparecer. Tem coisa mais cortiço do que isso? E gente que não que dar dez passos e se comunica aos berros dentro de casa? Se o outro for mal educado também, responde igualmente aos berros e se inicia um misto de diálogo com teste de capacidade pulmonar. Pessoas efetivamente vivem assm, diariamente. Não sei como suportam.

Uma casa com gritos é um barraco, um cortiço, um lugar sem paz, o berço da falta de educação. Infelizmente as pessoas se acostumam e acham normal a um ponto que a única solução que me ocorre é cirurgia para retirada das cordas vocais, como fazem com os cachorros. Gente, só se berra em caso de incêndio. Tem preguiça? Pega telefone e liga para o celular de quem está no outro quarto, ou então levanta a bunda e anda até lá, porque incomoda quem mora do lado esse tipo de falta de educação. Você não sabe se tem uma pessoa doente, uma pessoa que acabou de colocar um bebê para dormir depois de horas de tentativas, uma pessoa estudando… você não sabe. Então, na dúvida, seja educado.

Neste ponto, se você for um mal educado do caralho, deve estar me achando fresca. Sinceramente, posso até ser, isso não faz diferença para meu argumento. O quanto barulho me incomoda e me afeta não importa para o ponto principal: seus ruídos não tem o direito de invadir a esfera do outro. Invadir a esfera pessoal do outro com barulho é pior do que com uma cena indesejada, porque podemos fechar os olhos mas não podemos fechar ou ouvidos.

Acredito que isto se deva em parte porque essa massa imbecil do volume alto não tem o hábito de praticar atividades intelectuais como ler, escrever ou qualquer coisa que requeira concentração. Por isso é incapaz de depreender que seu volume alto possa efetivamente prejudicar a vida e até mesmo o rendimento profissional de alguém. Além desta incapacidade de se colocar no lugar do outro, tem também o fato auto-estima baixa, que faz o populacho querer chamar a atenção mostrando que tem um som fuderoso ou um celular que toca alto. Fora o egoísmo em si, claro, sempre presente ao lado de qualquer falta de educação.

Acho que todo ser humano, ao nascer, deveria tem implantado um chip no cu. Um chip que desse choque quando submetido a um número acima de X decibéis. Assim, quando mais tarde um filho da puta mal educado qualquer tentasse fazer a palhaçada de querer aparecer incomodando a paz da coletividade, levava um mega-choque anal. Só assim, SÓ ASSIM, minha gente, para educar essa prole sem vergonha na cara.

Para dizer que o estupro auditivo também te transtorna, para sugerir pequenas delinqüências contra esses filhos da puta ou ainda para me mandar voltar para Buenos Aires e parar de encher o saco: sally@desfavor.com


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