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Siago Tomir: Aquela da Tomografia.

| Sally | | 56 comentários em Siago Tomir: Aquela da Tomografia.

Siago Tomir estava com problemas de saúde. O médico entendeu ser indispensável a realização de uma tomografia computadorizada. Apesar dos sintomas, Siago Tomir continuava protelando a realização do exame. Cansei de pedir para ele marcar, então, decidi marcar eu mesma sem consultá-lo. Só havia disponibilidade em uma data e horário compatível com a agenda dele (porque Madame não desmarca trabalho para ir ao médico) dentro de dois meses.

Todos os dias eu ligava para todas as clínicas da região perguntando se havia alguma desistência. Eu estava realmente muito preocupada com a saúde de Siago. Um dia, finalmente houve. Avisei a Siago Tomir que iríamos naquela hora fazer o exame e ele se recusou alegando que estava cansado:

Sally: Não é teste de esforço, pode fazer mesmo cansado
Tomir: Hoje não, não estou com vontade
Sally: Ninguém tem vontade de fazer exames
Tomir: Não vou
Sally: *chorando
Tomir: Que saco… Tá bom, eu vou.

Lá fomos nós fazer a tomografia.

Tudo transcorrendo na maior tranqüilidade, até que Siago Tomir entra na sala do exame. Eu estava na sala de espera lendo uma revista quando um funcionário da clínica me chamou.

Funcionário: Olha, moça, ele tá dizendo que não vai fazer não…
Sally: Como assim?
Funcionário: Ele tá reclamando da máquina e dizendo que não vai fazer…
Sally: Tem algum problema com a máquina de vocês?
Funcionário: Não, está em perfeito estado
Sally: Então do que ele está reclamando:
Funcionário: Acho melhor a senhora conversar com ele

Sabe gato quando você tenta enfiar em uma banheira de água, que abre as quatro patas e se recusa a entrar? Era essa a linguagem corporal de Siago Tomir. Vestindo um avental ridículo, ele estava no canto da sala com cara de poucos amigos.

Tomir: NEM VEM! Não adianta que eu não vou fazer!
Sally: Fica calmo
Tomir: Você sabia que o exame era assim?
Sally: E por “assim” você quer dizer…
Tomir: ESSA MÁQUINA
Sally: Sim, eu sabia que o exame era realizado nessa máquina
Tomir: E NÃO ME FALOU NADA?
Sally: E você achou que era como? Que filhotes de gato iam rolar em você?
Tomir: OLHA O TAMANHO DESSA MÁQUINA!
Sally: É grande
Tomir: É APERTADA!

Foi quando percebi que Siago Tomir poderia ser claustrofóbico. Achei estranho, pois ele não manifestava qualquer desconforto em elevadores e outros ambientes fechados. Comecei a ficar irritada, pois Siago estava com problemas de saúde sérios que exigiam que fizesse uma tomografia. Havíamos conseguido um encaixe, após uma desistência. Se não fizesse naquele momento, só haveria horário disponível para dois meses depois.

Sally: Não é tão apertado como parece…
Tomir: O NARIZ QUASE ENCOSTA NO TETO
Sally: Siago, é um tubo, só isso
Tomir: Não, não é só isso. É mais apertado do que um caixão!
Sally: Como você sabe? Já esteve em um caixão?
Tomir: Longa história
Sally: Siago, tem que ser feito
Tomir: Eu não estou com a menor vontade de fazer
Sally: Ninguém nunca tem vontade de fazer exames, as pessoas fazem porque é necessário
Tomir: Eu não quero fazer
Sally: E você acha que eu queria quando fiz? Você acha que eu levantei no dia e pensei: como posso paunocuzar minha vida hoje? Já sei! Vou me enfiar em um tubo barulhento!
Tomir: FAZ BARULHO?

Eu estava falando com um adulto. Se estivesse falando com uma criança, teria tomado mais cuidado com o que dizia. Mas era um adulto que vivia tirando onda de fodão quando eu sentia medo, então, achei que podia ser sincera sem piorar a situação. Engano. Homens devem ser tratados como crianças algumas vezes.

Sally: Faz um barulho alto, não te deram protetores de ouvido?
Tomir: Não basta me trancar num tubo escuro, ele ainda faz barulho alto?
Sally: Somir, não faça drama. Tudo que você tem que fazer é ficar imóvel
Tomir: NÃO PODE FALAR?
Sally: Não, Somir, não pode falar, nem mexer o corpo. Tem que ficar imóvel
Tomir: ESSE É O PIOR EXAME DO MUNDO! Vai tomar no cu!
Sally: Quer trocar por uma videocolonoscopia? Isso sim é tomar no cu…
Tomir: Sally, eu não vou entrar ali, você está me entendendo?
Sally: Somir, é só meia hora de uma vida inteira, não seja difícil
Tomir: MEIA HORA? MEIA HORA ali dentro imóvel?
Sally: Você achou que fosse quanto tempo?
Tomir: MINUTOS
Funcionário: Ahééééaaam
Sally: Pois não?
Funcionário: Tem gente na fila, preciso saber se ele vai fazer ou não o exame…
Sally: Vai sim, me dá só mais cinco minutinhos aqui, ok?
Funcionário: Ok. Ah sim, são quarenta minutos de duração e não meia hora
Tomir: NÃO VOU FAZER! NÃO VOU FAZER!
Sally: * batendo a porta na cara do funcionário

Eu respeito muito o medo dos outros. Respeito mesmo, porque eu sei o que é sentir um medo irracional e incompreendido. Mas era uma questão de saúde. Respeitar o medo do Tomir seria um desfavor. Era preciso encontrar um meio de fazê-lo entrar naquela máquina.

Sally: Tá com medinho?
Tomir: Esquece, não vai funcionar
Sally: Quando eu tenho medo de lagartixas, você me chama de irracional!
Tomir: Mas é irracional ter medo de lagartixas!
Sally: É igualmente irracional ter medo de entrar nessa máquina!
Tomir: Eu não estou com medo, eu simplesmente não gosto da sensação
Sally: A máquina tem mais medo de você do que você dela…
Tomir: Muito engraçadinha
Sally: Ela é limpinha
Tomir: Não tem graça
Sally: Ela come os mosquitos
Tomir: Continua sem graça
Sally: Se você não fizer este exame agora, vamos perder a vaga e você só vai poder fazer muitas semanas depois
Tomir: Você não está entendendo. EU NÃO VOU FAZER
Sally: CARALHO, SIAGO!
Tomir: EU NÃO VOU FAZER NEM HOJE, NEM NUNCA
Sally: É só um tubo que faz barulho de Atari!
Tomir: NÃO, SALLY
Sally: Ok, vamos negociar. O que você quer para fazer o exame?
Tomir: Fora de negociação
Sally: Eu lavo a louça pelo resto do ano
Tomir: Eu não vou fazer
Sally: VOCÊ VAI FAZER!
Tomir: EU NÃO VOU FAZER
Sally: Olha, apenas OLHA

Deitei no tubo. Mostrei que era possível se movimentar minimamente lá dentro, caso ele precisasse sair. Mostrei que era possível falar e escutar lá dentro. Mostrei o botão de emergência, que fica na mão do paciente e pode ser apertado a qualquer momento em caso de alguma crise de pânico ou problema, o que faria com que o exame fosse imediatamente interrompido e ele fosse retirado de lá. Tentei tudo que podia.

Tomir: Não
Sally: Ok, você não é capaz de fazer o exame, mas ele tem que ser feito
Tomir: Não, não tem
Sally: Tem uma última opção, você pode fazer sedado
Tomir: Você fez o seu sedada?
Sally: Não
Tomir: Quem te garante que pode fazer sedado?
Sally: Já vi gente fazendo esse exame com sedação
Tomir: Quem?
Sally: Não interessa, eu sei que é possível
Tomir: QUEM
Sally: Meu ex-namorado
Tomir: O CAGÃO?
Sally: Sim. Aquele que você chama de “cagão”
Tomir: Eu não quero ser igual ao cagão, eu não vou fazer sedado
Sally: Então faça acordado
Tomir: EU NÃO VOU FAZER. Fazer sedado é coisa de cagão!
Sally: Porque não fazer é coisa de super corajoso, né?
Tomir: Já chega disso, eu vou vestir a minha roupa e ir embora

Temendo pelo pior (infelizmente ele é mais forte do que eu), passei a mão na chave onde as roupas de Siago Tomir estavam trancadas e saí da sala mandando ele me esperar ali.

Sally: Ele vai fazer
Funcionário: Mudou de idéia?
Sally: Não, ele vai fazer sedado
Funcionário: Preciso que ele assine este termo de consentimento
Sally: *pegando e assinando
Funcionário: Senhora, preciso que ELE assine
Sally: ELE assinou
Funcionário: Senhora, ele não assinou
Sally: *colocando nota de dinheiro na prancheta
Funcionário: *sorrindo
Sally: Agora ele assinou?
Funcionário: Assinou
Sally: Não se preocupe, está idêntica. Nem o banco percebe quando eu assino os cheques dele

Voltamos para a sala de exames. Siago Tomir estava de braços cruzados e cara de ira.

Sally: Me escuta
Tomir: EU NÃO VOU FAZER! EU NÃO VOU FAZ…
Sally: Me escuta
Tomir:
Sally: Você não vai fazer
Tomir: Ótimo, me dá a chave para que eu possa vestir a minha roupa
Sally: Liguei para o médico e ele disse que se você não fizer o exame, tem que tomar um remédio para prevenir um dano maior e se, mais para frente tiver sintomas, aí sim você faz
Tomir: Tá, tá, eu tomo essa merda
Sally: Mais para frente você pode ter que fazer o exame
Tomir: Mais para frente a gente vê, dá logo essa merda
Sally: Dá logo essa merda para ele
Funcionário: *injetando remédio na veia

Confesso que foi engraçado. Ele desmontou impressionantemente rápido, mas pude perceber um breve lapso temporal no qual ele me olhou com instinto assassino, compreendendo o que eu havia feito com ele. Siago foi colocado máquina e a tomografia começou.

Sally: Você deu uma dose forte, né?
Funcionário: Dei sim
Sally: Porque ele é muito resistente…
Funcionário: Pode ficar tranqüila, Senhora
Sally: E se ele acordar no meio, vai quebrar essa máquina toda
Funcionário: * pegando outra seringa e injetando mais medicamento

Quando o exame acabou, Siago foi levado para uma salinha onde ficou em uma poltrona até acordar. Por sorte, ele foi acordando aos poucos. No começo nem conseguia falar, só fazia sinal de pescoço sendo degolado e apontava para mim. Minutos depois, ele já falava, mas falava meio “baleies” (piada válida para aqueles que viram “Procurando Nemo”). Ele estava bem emputecido, tive que fazer um grande esforço para não rir.

Tomir: Filhaaaa daaaa puuuuutaaaaaa
Sally: Fiz o que tinha que ser feito
Tomir: Filhaaaa daaaa puuuuutaaaaaa é o que voooocê ééééé
Sally: Xingue o quanto quiser, você está chateado porque eu traí a sua confiança, mas foi necessário
Tomir: *Tentando levantar e caindo sentado na poltrona
Sally: Eu prefiro você vivo com raiva de mim do que morto. Pode me odiar o quanto quiser
Tomir: Filhaaaa daaaa puuuuutaaaaaa
Sally: Desabafa, bota pra fora
Tomir: Euuuu te odeeeeeeiiioooo
Sally: Fiz pro seu bem. Você estava irracional
Tomir: Filhaaaa daaaa puuuuutaaaaaa

O tempo foi passando e ele começou a ficar normal novamente. Quanto mais ele se recuperava, mais raiva sentia.

Sally: No seu lugar eu também estaria puta da vida, eu te entendo
Tomir: EU NUNCA MAIS VOU CONFIAR EM VOCÊ, SALLY!
Sally: Prefiro você vivo e desconfiado do que morto e confiando
Tomir: EU NÃO ESPERAVA ISSO DE VOCÊ, SALLY! ISSO É TRAIÇÃO!
Sally: Eu sei. Desculpe. Mas havia um bem maior em jogo, a sua vida
Tomir: ME DÁ A CHAVE DO ARMÁRIO! ME DÁ A CHAVE DO ARMÁRIO QUE EU VOU SAIR DAQUI AGORA! E VOU SOZINHO, VOCÊ NÃO VEM COMIGO!
Sally: Você pode ir sozinho, mas não agora. Você não está em condições de dirigir
Tomir: VOCÊ NÃO MANDA EM MIM!
Sally: Eu sei
Tomir: ME DÁ A CHAVE! ME DÁ A CHAVE AGORA!
Sally: Eu não vou te dar. Você tem duas opções: ir embora de avental e táxi ou pegar a chave à força, mas se fizer isso, vai ter que me machucar para tirar a chave de mim…
Tomir: ME DÁ A CHAVE A-GO-RA!
Sally: Não vou dar

Tomir levantou em um rompante de fúria e saiu chutando a porta e andando em direção à saída. Eu mal podia acreditar no que estava vendo. Tomir ia embora de avental hospitalar. As pessoas todas na sala de espera viram Tomir andando de avental em direção à porta.

Funcionário: Senhor Siago Tomir?
Tomir: * olhar de fúria
Sally: Ele não sabia de nada, ele achou que você tinha assinado um consentimento
Funcionário: Senhor, o médico realizou uma primeira análise das suas imagens e gostaria de falar com o senhor
Sally: Mas o resultado não ficava pronto só na semana que vem?
Funcionário: Vocês podem conversar com o médica na sala 2

Entramos. Não havia apenas um médico, havia uma junta médica em semi-círculo.

Tomir: Acho importante que vocês saibam o que aconteceu comigo nesta clínica hoje! Exijo providências!
Médico: Senhor, seu caso é grave, é urgente e é cirúrgico. Estamos encaminhando seus exames imediatamente para seu médico, sugiro que o senhor ligue para ele
Tomir: Hã?
Sally: Os resultados já estão prontos?
Médico: Ao realizar os exames sempre damos uma olhada por alto para avaliar a qualidade das imagens. O laudo com os detalhes normalmente demora alguns dias. Mas no caso dele, a seriedade do problema nos fez temer a espera. Decidimos entrar em contato com o médico imediatamente. Sugiro que façam o mesmo

Siago Tomir ligou para o médico, que o mandou direto para um hospital iniciar o pré-operatório. No dia seguinte foi realizada a cirurgia. O médico confirmou que a demora de alguns dias no diagnóstico provavelmente teria sido fatal. As últimas palavras de Siago Tomir antes de ir para o centro cirúrgico foram “O que você fez continua sendo muito escroto e eu nunca vou te perdoar”. Até hoje ele se faz de vítima com isso. Conselho a quem tem um namorado pau no cu que não quer ir ao médico: deixa morrer.


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