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Eu, desfavor!: Café com Skylab.

| Sally | | 131 comentários em Eu, desfavor!: Café com Skylab.

Estava sentada lendo um livro e tomando um café em local que não revelo por questões de segurança. Quieta, compenetrada na leitura, alheia ao mundo. Eis que se aproxima um elemento e, sem pedir autorização, senta na minha mesa, dá uma piscadinha marota e me pergunta se eu estou estudando para concurso. Ato contínuo diz que ele quer me conhecer melhor e começa a falar sem parar sobre ele mesmo.

Acho que é inconcebível na cabeça de algumas pessoas que um ser humano leia um livro por prazer ou apenas pela vontade de se aprimorar profissionalmente. Não, eu não estava estudando para concurso, eu estava lendo por prazer. Sim, isso existe. Mas enfim, a babaquice do elemento me fez tirar o nariz de dentro do livro e olhar para frente, que sou uma pessoa educada e dou um fora nos outros olhando nos olhos. Foi quando eu percebi.

A uma mesa de distância se encontrava ele, o Poeta Eterno da República Impopular do Desfavor, Rogério Skylab. Emocionada, fiquei sem saber o que fazer. Minha vontade, claro, era ir até lá falar com ele, mas se fizesse isso seria tão babaca e inconveniente quando o idiota que me abordou. É feio abordar as pessoas para tietar. É brega. É coisa de dona de casa que vai em caravana ao programa do Silvio Santos. Naquele momento eu era tudo isso, mas não queria que ele e o resto do mundo soubessem. Deveria ter algum jeito melhor.

Estava tão nervosa que até coloquei açúcar duas vezes no meu café. Por sinal, ficou horrível, mas eu tive que beber mesmo assim. E a vontade de cantar uma música dele? Com as mãos tremendo em parte pela emoção, em parte pelo excesso de abrupto de açúcar, mandei uma mensagem no celular para o Somir, com o qual passei a me comunicar durante todo o evento.

SMS Sally: Estou sentada a uma mesa de distância do Skylab!
SMS Somir: Falou com ele?
SMS Sally: Não. Vergonha. Coisa de macaca de auditório.

Fiquei lá olhando o Skylab. Certeza que meus olhos brilhavam. Fiquei pensando no quão maravilhoso seria ele compor um hino para a República Impopular do Desfavor. Eu acho que se ele tivesse tempo e vontade de ler o Desfavor perceberia o quanto temos em comum e o quanto ele influenciou e ainda influencia a gente. Skylab brinca sem dó com aqueles grupos que a gente aqui chama de “os Intocáveis”. Fiquei lembrando de várias músicas dele com esta ousadia.

Minha mente começou a divagar nas músicas dele: “cadeira de rodas rodando, cadeira de rodas rodando… na boquinha da garrafa!”. Tem como não amar? Tem como não amar muito? Em uma música só sacaneia deficiente físico e axé. Quando dei por mim, estava cantando mentalmente: “Chico Xavier é viado, Roberto Carlos tem perna de pau-u-u”. Só ele para avacalhar com dois mitos assim. Lembrei com carinho da música “Câncer no cu”, onde ele sacaneia Ana Maria Braga, Mario Covas e todos que tem câncer no cu, com o plus que Mario Covas já tinha morrido quando ele fez a música, ou seja, teve culhões de brincar com câncer e com gente morta de câncer. Aquele homem tinha que fazer um hino para a minha República que tanto o venera!

SMS Sally: Quero que ele faça um hino para a RID
SMS Somir: Pede para ele

Não gosto de pedir coisas para ninguém. Me sinto inconveniente. Além disso minha adoração por Skylab e por todas as barreiras que ele rompe me paralisaram. Super escroto que paralisaram seja com S, deveria ser com Z. Pensei em fazer uma proposta formal para ele compor um hino como se fosse mais um trabalho, mediante pagamento. Isso me veio à cabeça quando me peguei cantarolando uma música dele que começa com a seguinte frase: “Um agiota espera/na porta da tua casa/e você vai continuar fazendo música?”. Adoro. Se chama “Você vai continuar fazendo música?”. Tem uma trecho em especial que eu evoco sempre, cantando no ritmo da música: “A esperança não existe, a esperança é o caralho”. Enfim, lembrei disso e pensei em fazer uma proposta formal com pagamento.

Mas desisti. Pareceria ofensivo, sei lá, vou me aproveitar da suposta dívida alheia. Não que seja necessariamente ofensivo, é o trabalho dele, não estou pagando por nada imoral ou ilegal. Mas não sei, um artista dessa grandiosidade deve ter um processo criativo que passa longe de uma remuneração em dinheiro. Fiquei com medo de fazer a proposta e ofender. Se ele tinha problemas financeiros seria ofensivo, se não tivesse, eu ia pagar de retardada, tipo aquelas pessoas que confundem o personagem da novela com o ator na vida real e fica xingando o ator/vilão em banca de jornal. Ambas as opções eram uma merda, então nada de oferecer dinheiro. Hoje eu vejo que ele não ia pensar porra nenhuma sobre mim porque eu simplesmente não sou tão importante. Mesmo assim, o medo de errar me paralisou com S.

Eu não podia errar. Pensei em oferecer muito dinheiro, assim seria uma excentricidade e não algo ofensivo. Mas oferecer muito dinheiro me pareceu mesquinho porque a obra dele para mim tem tanto valor que eu não conseguiria colocar preço em nada que ele faz, qualquer preço, por maior que fosse, me parecia ofensivo. Achei melhor não fazer nada. Porque não fazendo proposta nenhuma eu ainda posso tentar pedir o hino para a República Impopular do Desfavor em alguma outra ocasião, mas ofendendo ele é uma porta que se fecha. Eu não quer que mais ninguém faça, só serve se for ele.

SMS Sally: Não tenho coragem de pedir para ele
SMS Somir: pqp! PEDE PARA ELE!

Depois dessa ordem, comecei a pensar em alguma opção. Estava divagando, quando tive a impressão de que o garçom levava uma empada para a mesa dele. Era só impressão de gente míope, acho que nem vendiam empadas no local. Mas inevitavelmente me veio à cabeça aquele trecho sensacional: “Seu Joaquiiim! Papel higiênico! Seu Joaquiiim! Guardanapo!”. Isso, somado ao nervoso e à ansiedade me fez ter uma crise de riso e me passar por maluca-alegre. Meti o nariz no livro novamente até que as pessoas parassem de me olhar. Impressionante como ficamos idiotizados e infantilizados quando estamos próximos dos nossos ídolos. Tentei me recompor, mas é foda, quando existe a obrigação social de não rir é que o riso vem. Comecei a pensar em coisas tristes para tentar me conter. Pensei que 25% do meu salário vai para o Governo e em troca eu não tenho educação pública, saúde pública, transporte público ou segurança pública de qualidade. O ataque de bobeira passou.

Meu medo ao abordá-lo, qualquer que fosse a forma, era que ele pense que eu sou uma dessas idiotinhas que transforma qualquer admiração em idolatria, dessas pessoas que precisam de ídolos, que atenuam suas vidas miseráveis com uma idealização de um mito. Porra, se ele soubesse como é raro que eu abra essa minha boquinha satânica para elogiar alguém e como eu dou contra essa coisa de mitos e ídolos…

Ele não teria noção real do valor de um elogio meu, a menos que eu me apresentasse “Olá, eu sou a Sally e escrevo uma coluna destinada a desmistificar mitos, já esculachei Gandhi, Che Guevara, o Papa, Maria Teresa de Calcutá, Jesus Cristo, Lula, Paulo Coelho, Woody Allen, Elvis, Pelé e outros, mas você, SÓ VOCÊ, eu admiro”. Bacana, exceto pelo fato que isso me faria parecer completamente maluca da porra. Ele precisaria ler o que eu escrevo para entender o quanto é difícil me ver elogiando linearmente uma pessoa, como venho fazendo com ele faz três anos. Ou seja, ele nunca vai saber. Nem eu mesma tenho saco de reler tudo que escrevi, quem dirá outra pessoa.

Pensei em reverter a situação. Já que eu não podia abordá-lo porque pareceria uma stalker, maluca e mal educada, pensei que talvez eu pudesse fazer ele se interessar por mim de alguma forma. Logo depois desisti. Nada em mim despertaria interesse em Rogerio Skylab, muito pelo contrário. Provavelmente ele me acharia uma patricinha idiota incapaz do mais básico processo cognitivo. É essa porra de cabelo loiro, não sei o que me dá que todo verão eu tenho uma epilepsia emocional e quero ficar loira. Lista de prioridades: ficar morena novamente para poder abordar Skylab sem presunção de burrice e futilidade.

Pensei em abordá-lo fazendo uma piadinha que mostrasse que sou conhecedora de sua obra. Pensei em chegar perto da mesa dele, estender a mão e dizer: “Clarisse”. Depois que ele olhasse para mim, eu diria “altura, 1,80, esguia, magérrima, olhos de esfinge…”. Ficaria claro que era uma alusão à sua música “Carrocinha de Cachorro Quente”, porque eu não tenho 1,80m nem se uma gêmea minha subir no meu ombro. Meu um metro e meio confirmariam a homenagem. Depois comecei a achar que seria extremamente idiota fazer isso e que ele me olharia com desprezo e eu ficaria o resto da vida me odiando por isso, ou então ele me ignoraria em um silêncio desafiador e eu teria que continuar até chegar ao ponto de gritar “MAS TEM UMA TROLHAAAA!” e seria expulsa do local. Merda.

Comecei a pensar em todas as entrevistas e tudo que eu já li sobre ele para tentar planejar uma abordagem que não me fizesse parecer nem imbecilóide de maluca. Eu queria tratar de um assunto muito sério ali (ao menos para mim) e não tietar nem dar em cima dele. Eu tinha que me destacar da multidão. Pensei em ir embora e “sem querer” esbarrar nele para começar uma conversa, mas tem gente que fica puta quando é esbarrada e não fica propensa a engatar uma conversa, principalmente se derramar qualquer que seja a bebida no infeliz. Pensei em perguntar as horas. Pensei em dez formas diferentes e todas me pareceram fadadas ao fracasso. Puta merda, como deve ser difícil ser homem e ter que abordar mulheres, se eu fosse homem nunca ia abordar ninguém por medo de ser inconveniente ou levar um fora!

SMS Somir: Já falou com ele?
SMS Sally: Não sei como falar…
SMS Somir: COM A BOCA

Pensei em presenteá-lo com algo, como prova da minha admiração. Tinha que ser alguma coisa que eu tivesse comigo ali, no momento, que tivesse algum valor afetivo. Procurei na minha bolsa, que é uma tremenda bagunça. Finalmente carregar tantas coisas em uma bolsa enorme me trouxe um benefício. Eu tinha uma camisa da minha seleção, a Seleção Argentina, autografada por um de seus jogadores mais famosos. Por um segundo cogitei. Mas depois lembrei que estava no Brasil e talvez ela virasse pano de chão na casa dele. Se ao menos ele fizesse uma música sobre isso, valeria a pena. Não achei nada que parecesse interessante para presenteá-lo.

Daí pensei em agir sorrateiramente. Pensei em anotar em um guardanapo o link para a República Impopular do Desfavor, tecer alguns elogios e pedir que se um dia ele quiser e tiver vontade e inspiração, faça um hino para a gente. Aquilo parecia razoável, pois não o colocaria na obrigação de responder e seria anônimo. Quer dizer, eu assinaria como Sally, mas ele nunca saberia quem dali mandou, porque eu sou infantil, iria deixar com o garçom e sair correndo. Parecia bom. Não parecia um cantada (que de fato não era a intenção). Ok, era isso. Era o melhor que eu podia pensar naquele momento de pressão e emoção. Peguei um guardanapo de papel e uma caneta e comecei a rascunhar o seguinte pedido:

“Te admiro mais do que palavras possam expressar. Sua obra fez diferença na minha vida. Se puder/quiser, visite www.desfavor.com e leia as homenagens que já fizemos a você, sempre citamos seu nome e sua obra. Nos sentiríamos muito honrados se você pudesse compor um hino para esta nação que você inspirou. Independente da resposta, agradeço sua atenção. Sally Somir”

A mão tremia, então a letra saiu meio analfabeta, mas estava legível. Fui tomada por algo que ele próprio descreveu naquela que é sem dúvidas a minha música favorita (“Naquela Noite”), a chamada “estranha calma”. Sim, quando acabei de escrever, dobrei o papel e o nervosismo passou. Eu sentia “uma estranha calma”. Eu estava prestes a entrar em contato com o Poeta Eterno.

Porém, quando levantei os olhos, senti minha alma escorrer pelo pé. A mesa estava vazia, ele tinha ido embora. O sonho de ter um hino para nossa República composto pelo Poeta Eterno, Rogério Skylab, foi adiado. Se quiserem me dar sugestões de formas criativas, não-ofensivas e simpáticas para abordá-lo, eu aceito.

Para dizer que você me despreza, para me mandar imprimir esta postagem e andar com ela na bolsa de modo a entregar a ele no próximo encontro ou ainda para dizer que acha isso uma traição ao Rafael Pilha: sally@desfavor.com


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