Somir Surtado: Deblur.
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Para quem não entende nada de inglês, ou de softwares, ou de fotos em geral, o vídeo apresentava uma possível função da nova edição do Photoshop: Corrigir fotos tremidas/borradas.
Para quem nunca se interessou por edição de imagens, é necessário definir que um usuário experiente de Photoshop pode corrigir basicamente qualquer besteira do fotógrafo original no programa, mas essa de pegar uma foto que alguma anta qualquer tirou enquanto fazia sua melhor imitação de Michael J. Fox e transformá-la em algo aproveitável era o calcanhar de Aquiles de praticamente todos os profissionais da área.
Não importa quanto te pagassem para resolver uma foto com esse problema, não era nem razoável imaginar que poderia ser feito. Tinha que mandar tirar a foto de novo ou desistir de utilizá-la. Mas o que esse adendo futuro do programa faz é impressionante: Ele tenta descobrir o “caminho” que as mãos vacilantes do fotógrafo fizeram durante a captura da imagem, e força cada um dos pontos de luz fotografados voltarem para o lugar certo.
Isso é edição pixel a pixel, refazer toda a imagem a partir praticamente do zero… Algo que foge, e muito, do escopo de talento humano (prático). Aparentemente (e obviamente não dariam a receita do bolo completo) é um algoritmo complexo, algo cada vez mais comum em nossa sociedade.
E não, do ponto de vista profissional, eu não acho nada de mais nessa nova função. Quem trabalha com isso não costuma precisar consertar foto tirada por alguém que balança a câmera (ou que tem uma câmera que estraga foto se balançar um pouco…). Os profissionais vão continuar diminuindo cinturas e aumentando peitos para fazer mulheres se sentirem mal com seus corpos, como habitual. Vai ser o Zé Ruela das fotos das férias que vai deitar e rolar com isso.
Mas do ponto de vista de entusiasta dos avanços tecnológicos, é fascinante como cada vez mais parece que estamos chegando perto de uma singularidade. Já fiz um texto falando sobre singularidades, mas numa explicação simplificada: A singularidade (nesse caso tecnológica) é um ponto no tempo onde nosso conhecimento cresce exponencialmente. Não dá para prever de verdade o que vai acontecer depois desse ponto.
Um dos cenários clássicos para essa singularidade é a inteligência artificial capaz de criar inteligência artificial. Sabemos como programamos um robô, mas é muito difícil saber como esse robô vai programar o robô que criar. E antes de ter tempo de entender como isso ocorreu, surge a terceira geração, ainda mais avançada e distante de nossas ideias originais. É roteiro de muito filme de futuro apocalíptico, mas é duro de prever se isso realmente ocorreria. Se eu fosse um robô, eu cagaria baldes (de porcas e parafusos) para a humanidade e iria colonizar o resto do Sistema Solar…
Ahem… De qualquer forma: Estou com esse papo de singularidade num texto que começou com um plugin do Photoshop não porque acho que a capacidade de “desborrar” fotos nos leve a algum lugar por si só, mas a explicação “padrão” dos engenheiros que o criaram dá sim algumas pistas sobre o que está ocorrendo debaixo de nossos narizes no mundo da tecnologia: Algoritmos.
Algoritmo nada mais é do que um conjunto de instruções que podem ser realizadas (e repetidas se necessário). Quando você clica no botão de pesquisa do Google, ele liga um algoritmo que procura “José Mayer de Sunga” (vocês acham que eu não sei o que vocês iriam procurar?) nas páginas da internet. Se achar (provavelmente só no Desfavor), escreve na sua tela o link para que você possa ficar horrorizado também.
Simplão: Pegue uma informação, compare com uma lista e escreva na tela do computador o que for parecido. Série de ordens com começo, meio e fim.
Todos os programas de computador são algoritmos, portanto não é difícil imaginar como eles são presentes na nossa vida. Mas a coisa vai bem mais fundo do que achar baixaria na internet. Dos serviços mais básicos e estruturais da nossa sociedade até as maiores futilidades, existem computadores tomando decisões baseadas nesses algoritmos a cada microssegundo de nossas atribuladas vidas.
O interessante aqui (interessante e não assustador, por favor) é que já estamos caminhando para que a maioria dessas decisões feitas por máquinas sejam complexas demais para qualquer mente humana. Não é complicado substituir por uma pessoa o computador que decide se uma comporta de uma represa está aberta ou fechada, mas quero só ver substituir um que teste a qualidade da água a cada 5 segundos…
Um algoritmo pode comportar uma quantidade absurda de informação, numa frequência impossível para qualquer pessoa. Quando precisamos da combinação desses dois fatores, rendemos as decisões (pré-definidas por quem o criou em primeiro lugar) aos algoritmos. O avanço da sociedade depende disso, criamos muitas necessidades modernas (a internet como exemplo perfeito) baseadas nessa ferramenta. Sem máquinas e algoritmos, não existiria mão-de-obra capaz de repetir essa maluquice de enviar zeros e uns pelo mundo todo quase que em tempo real.
Mas essa é a parte simples da coisa: De uma certa forma, sabemos o que esses algoritmos estão fazendo. Não conseguimos acompanhar a complexidade e a velocidade, mas não é como se eles estivessem fazendo algo pelas nossas costas, certo? Bom… alguns deles meio que já tomaram vida própria. E eles calham de ser algoritmos que influenciam demais a vida das pessoas do mundo.
No mercado de commodities (grãos, carne, minerais, petróleo e essas coisas que se vende em grande quantidade para o mundo todo), não é exatamente a procedência e a marca dos produtos que define a compra. É a quantidade e o preço. Soja é soja, minério de ferro é minério de ferro… A pessoa precisa de uma quantidade e está disposta a pagar um preço por isso.
P.S.: Sim, eu comecei falando de Photoshop e estou falando de mercado de commodities para explicar algoritmos, já disse que adoro escrever esse tipo de texto?
As empresas que trabalham nesses mercados (e pode botar no mesmo barco as que trabalham com ações) não contratam milhares de corretores alucinados para ficar caçando diferenças de preço da ordem de casas decimais de centavo, elas botam computadores parrudos com um programinha que procura oportunidades lucrativas na maior velocidade possível.
Esses programas (algoritmos) compram e vendem SOZINHOS. Se eles esperassem algum Zé Ruela apertar “OK”, não teria um milésimo da eficiência que tem. Os algoritmos conseguem analisar múltiplas possibilidades, decidir qual vale mais a pena e colocar a ordem de compra ou venda milhares de vezes no tempo de resposta médio de uma pessoa. É mais lucrativo deixar a máquina fazer o trabalho. Mas ao mesmo tempo, é como se as pessoas que colocaram o dinheiro ao dispor do programa só pudessem cruzar os dedos e torcer pelo melhor.
Algoritmos decidem o funcionamento do mercado que regula disponibilidade e preços dos blocos básicos que fundamentam a nossa sociedade: Comida, combustível e materiais de construção. E isso já estão tão “entregue” que a guerra entre as grandes empresas trabalhando no mercado é para ter a internet mais rápida. E eu não estou falando de “tamanho” de conexão, todas tem a melhor que o dinheiro pode comprar.
Estou mencionando o tempo que demora para a informação passar pelo cabo da internet até o computador. Em Nova Iorque, um dos prédios mais caros (metro quadrado) da cidade é justamente o que “recebe” a internet. Os cabos vindos do mundo todo se concentram num lugar, que redistribui o sinal para a cidade. Estar fisicamente perto desse lugar não faz tanta diferença assim para um humano usando a rede, mas os microssegundos a menos para receber a informação podem significar milhões e milhões de dólares para um algoritmo. As empresas donas dos algoritmos estão comprando o prédio todo, só para poder colocar suas máquinas lá dentro.
Serve como curiosidade, mas é também um sinal de como já estamos adaptando nossa filosofia de vida e negócios para a melhor utilização desses algoritmos. Necessidades absolutamente malucas há algumas décadas (ganhar frações de segundo num programa de computador que toma decisões sozinho sob o risco de falência) são sérias nos dias de hoje.
Fica mais e mais claro com o passar do tempo que delegar o raciocínio e o armazenamento de informações para as máquinas é uma medida de evolução humana. O processador não fica remoendo o fora que levou na noite passada… Ele que se vire com trabalho repetitivo e micro-decisões.
Mas numa humanidade que parece cada vez mais especializada em imitar o funcionamento de uma máquina, simplificando demais a comunicação (td e vc?), homogeneizando a criatividade (minha empresa é mais sustentável) e sobrecarregando a percepção (informação em tempo real sobre qualquer futilidade imaginável); parece um belo de um tiro no pé correr na MESMA direção que os algoritmos. Eles vão ser melhores no que estamos tentando ser do que nós jamais conseguiremos.
Os algoritmos ainda não conseguem “criar” da mesma forma que nós, mas pode ter certeza que metade dos estudiosos do assunto estão doidos para fazê-los chegar a esse ponto. Parece que as coisas estão invertidas. Mais e mais pessoas deveriam ser treinadas para criar e aperfeiçoar algoritmos, e não para ficar pentelhando no meio do caminho tentando fazer as mesmas coisas.
Vi em alguns fóruns e em alguns comentários do vídeo, designers e fotógrafos reclamando que a partir de agora qualquer um pode tirar fotos decentes, e que isso vai diluir mais ainda a qualidade do material disponibilizado na internet. O que mais me impressiona nessa turma (e em cada avanço no mercado, sempre aparece essa turma) é que ninguém parece entender que o trabalho do filtro que tira o tremido de uma foto é uma MERDA de um trabalho que nenhum ser humano que se respeite teria vontade de fazer.
Fotografar bem e editar direito depende de talento e criatividade, corrigir borrado depende de esforço repetitivo numa tarefa praticamente impossível de entender para uma mente humana. Porra, é tão difícil assim entender em que lado é melhor estar? Não seja um algoritmo, você vai ser péssimo nisso.
Em pensar que hoje, no trabalho, estava conversando com um colega sobre singularidade…
Excelente texto; me fez pensar o assunto com outros olhos.
Essa função do novo Photoshop é claramente para popularizar o software, mas não vai funcionar. O profissional não trabalha com fotos mexidas, então não faz uso. É por isso que num ensaio fotográfico são tiradas centenas de fotos. É de uma tecnologia incrível, mas é pra ser usada, como o Somir disse, pelo Zé Mané que tira foto da viagem à Niterói pra viajar no Cruzeiro do Sósia do Roberto Carlos. Mas esse mesmo Zé Mané vai achar um absurdo pagar 1000 dinheiros num programa que ele pode baixar de graça. Mas não deixa de ser uma boa tecnologia.
Eu acho que os últimos parágrafos do texto do Somir (coincidentemente chamados por aí de "conclusão") definem a questão toda. Algoritmos fazem o que nós somos capazes de pensar, mas não de fazer (não na mesma velocidade/eficiência/resistência). Isso libera o ser humano para fazer qualquer outra coisa, criar qualquer outra. O problema é liberar 6 bilhões de seres humanos para fazer outra coisa. Não sei, ainda estou com essa história do "tem gente demais no planeta" na cabeça.
Hugo, eu também uso o PS 7. Baixado via Kazaa anos atrás, em conexão discada, levou uma semana. Só não posso dizer que é o melhor porque nunca usei outro.
Adorei a nova função do programa! Mas é o que o Somir falou… só quem não é profissional que vai deitar e rolar com isso. Eu sou uma dessas pessoas.
Somir, acho que você deu crédito demais para os "algoritmos" em si, pois pessoas escreveram estes algoritmos.
Além disso, existem algoritmos que resolvem o problema proposto da melhor maneira possível, mas também existem algoritmos que simplesmente resolvem o problema da maneira mais tosca possível.
Você pode ordenar um vetor de números apenas embaralhando eles e verificando se estão em ordem. De tanto embaralhar, uma hora o vetor vai estar ordenado e o problema solucionado, mas esta não é a melhor maneira de fazer né!?
O mesmo se aplica a este algoritmo do Photoshop, talvez o algoritmo que eles desenvolveram possa ser o melhor possível e fazer algo melhor do que qualquer humano faria.
Mas pode ser também que isto não seja possível de se fazer em tempo hábil (entenda-se por tempo hábil menos de uma semana) pois embora os computadores sejam muito potentes ainda existem tarefas simples que podem levar décadas para serem processadas, isto depende também da qualidade do algoritmo desenvolvido.
Eu achei que fosse algo relacionado ao 3d max 2011…
O futuro é assustador…
Mas já deviam dizer isso em 1920…
Ps.: O melhor photoshop foi o 7.
Quando penso em humanos tentando vencer máquinas no mano a mano, lembro da história de John Henry. Ele venceu, é verdade. Mas venceu uma máquina a vapor das mais primitivas, e ainda morreu por isso. E no fim das contas a vitória foi temporária, porque os colegas dele acabaram perdendo os empregos para as máquinas depois. Ninguém pode dizer que ele foi um covarde ou um perdedor, mas é de se perguntar se o esforço dele valeu a pena.
"Se eu fosse um robô, eu cagaria baldes (de porcas e parafusos) para a humanidade"
Mais ou menos assim?