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Flertando com o desastre: Infância.

| Sally | | 25 comentários em Flertando com o desastre: Infância.

Ah, que saudade...Quando vejo pessoas discursando sobre como é bom ser criança e como a infância é a melhor época da vida, fico me perguntando que tipo de pessoa pensa assim. Sinceramente? Eu acho infância uma merda. Não estou falando da minha infância, estou falando do conceito geral de infância. Acho muito melhor ser adulto do que ser criança. E acho doentio quem pensa o contrário.

As pessoas adoram a infância porque nela não existe muita responsabilidade. Concordo parcialmente, porque hoje em dia crianças acabam tendo tantos compromissos quanto adultos: escola, natação, ballet, judô, inglês e sei lá mais o que. Tempo para brincar que é bom, sobra pouco. Mas, mesmo nos meus tempos de infância, onde havia menos obrigações, ser criança não compensava. É que as pessoas tem essa epilepsia mental de só ver um lado das coisas (seja ele o bom ou o ruim) e decretar uma opinião com base em um único lado.

Ok, as responsabilidades são menores. Mas qual é a conseqüência disso? O poder de tomar decisões também é menor. Sua autonomia também é menor. Sua voz vale muito pouco. Você se sujeita às normas impostas pelos adultos. Isso é uma merda completa. Fico assustada de pensar que as pessoas preferem uma época da vida onde obedecem a terceiros em troca de não ter responsabilidades. Abrir mão da liberdade só para não ter responsabilidades? Nem morta.

Fica aquele saudosismo, aquela memória utópica. Será que estas pessoas não lembram a merda que é precisar que outra pessoa te leve nos lugares quando você quer sair, depender da outra pessoa quando quer comprar alguma coisa ou ainda prevalecer a opinião da outra pessoa em caso de discordância? Talvez não. Porque talvez estas pessoas vivam esta mesma realidade hoje em dia, só que com o acréscimo do fator responsabilidade: precisam do cônjuge para ir aos lugares, para comprar coisas e sua voz não vale muito dentro de casa.

Porque é tão ruim ter responsabilidades? Porque ninguém pensa no pacote todo, na liberdade que você ganha quando vira adulto? Liberdade de fazer tudo do seu jeito, no seu tempo. Montar uma casa de acordo com o seu gosto, comer na hora que quer, o que quer e dormir quando tem vontade. Talvez porque as pessoas insistam em sair da casa dos pais para a casa do casal e sempre tenha essa liberdade limitada. Nunca experimentaram a delícia de morar sozinhos e saber que tudo pode ser do seu jeito, sem prestar satisfação a ninguém. Talvez porque mal ficam independentes fazem filho e não sabem o que é poder dormir até a hora que quiser.

Os adultos de hoje são um bando de crianças, que não cortaram o laço do cordão umbilical com os pais, apenas o transferiram ao cônjuge. O homem tem hora para chegar em casa, se não leva esporro da esposa, tal qual levaria da mamãe. A esposa não pode escolher a roupa que vai vestir porque o marido acha inadequado. O marido não pode comprar o brinquedo que quer, porque a esposa acha muito caro aquele carro novo ou aquele computador. A esposa não sai se o marido não a leva para passear e se ressente quando ele não o faz, como se ela dependesse dele para sair (é esposa ou é cachorro, que precisa que alguém leve para passear? Eu hein)

Justamente por manter estas características doentiamente infantilizadas, os adultos se ressentem de ter que cumprir obrigações. Tem obrigações mas não estão usufruindo do lado bom desta moeda, que é ter a liberdade que se ganha junto destas obrigações. Porque? Porque estabelecem um modelo de relacionamento neurótico, controlador e doentio onde o lado bom das obrigações vai sendo progressivamente suprimido. No começo todo mundo é legal, com o tempo começa a paunocuzação. Daí bate aquela saudade da infância, onde também tinha a paunocuzação, mas não tinha tanta responsabilidade.

Me diz como é que alguém pode achar boa uma época da vida onde precisavam limpar a sua bunda? Porque boa parte da infância a gente passa sem ter competência nem mesmo para limpar a bunda. Como pode ter saudades de uma época onde tinha que pedir permissão para mexer em boa parte das coisas da casa e nas comidas da cozinha? A única explicação que me vem à mente é que estas pessoas ainda cruzam com estas restrições na vida adulta, por isso não lhes faria diferença voltar à infância, não perderiam nada, já que não tem liberdade, apenas deixariam de ter responsabilidade.

Tem coisa mais medonha do que ter que pedir autorização para outra pessoa quando quer fazer determinada coisa? Quando eu era criança isso me chateava muito, me sentia ofendida em precisar pedir. Puta falta de confiança, estavam pensando o que? Que eu era débil mental e não tinha discernimento do que fazia? Mas, pelo visto, as pessoas não se incomodam tanto com isso, pois repetem o padrão nos relacionamentos. Pedem autorização para um monte de coisas. Porque existe uma diferença entre conversar sobre uma atitude com seu parceiro para verificar se isto o magoa (e ciente dos sentimentos dele, tomar a decisão que achar melhor) e pedir autorização. “Fulano(a) não deixa que eu faça tal coisa”. Essa frase me faz perder o respeito pelo autor. Eu compreendo algo como “Eu não vou fazer tal coisa porque vai magoar o Fulano e eu não quero magoá-lo” mas o “Fulano não deixa” eu acho caso de internação mesmo.

Eu sinceramente acredito que sentir falta da sua infância é um alerta para você rever sua vida hoje. Não é normal achar que era mais feliz quando criança do que agora. Nada, eu disse NADA, justifica abrir mão da sua liberdade, da sua autonomia e da sua individualidade. O dia que você negociar um deles, está assinando um contrato com a infelicidade.

Outro argumento que me tira do sério é gente dizendo que tinha tudo nas mãos quando era criança: a comida chegava prontinha na mesa, a roupa aparecia lavada, etc. É, pode ser. Mas você não escolhia QUAL comida chegava na mesa. Pelo menos EU não escolhia. Vai ver minha criação foi muito rígida para os padrões brasileiros. Se eu pedisse bife com batata frita todos os dias não era atendida. E algumas vezes tinha que comer o que não queria. Vocês tem alimentos traumáticos na memória? Aquele alimento que detestavam mas tinham que comer “porque faz bem” ou “porque tem criança passando fome no mundo” (naonde que isso é argumento?) ou simplesmente “porque eu sou sua mãe e estou mandando” (obra prima da psicologia infantil)? Eu tenho: espinafre. Eu era obrigada a comer espinafre mesmo detestando. E por causa disso eu torcia contra o Popeye, para mim ele era tipo um garoto propaganda daquela merda de espinafre. Prefiro mil vezes ter obrigações e escolher o que como e o que não como!

Acho que no fundo o que eu quero dizer é que ter responsabilidades não é bom apenas porque te dá liberdade. É bom porque te dá a dignidade de saber se virar sozinho, de se bastar. Mas quantos adultos hoje em dia podem dizer que se vira sozinhos e se bastam? Acredito que poucos. A maioria está acovardada acomodada em um relacionamento nem tão satisfatório cagada nas calças de medo de ficar sozinha. A maioria está fazendo da idade adulta sua segunda infância com normas de relacionamento que se assemelham à relação de pais com filhos, tolhendo a única coisa boa de ser adulto: ter autonomia e liberdade. Não façam isso. Não fiquem dando ordens e proibições a seus parceiros. Não é legal, não é saudável.

E gente que diz que criança é feliz porque tudo é lindo quando você é criança? “criança não tem que lidar com a maldade”. Meus amigos, se a maldade tivesse uma cara, ela seria de criança. Porque não tem raça mais má e filha da puta do que criança (pode me xingar, eu realmente não ligo). Não que seja 100% culpa deles, pois eles não tem discernimento para saber o tamanho do estrago que estão fazendo, mas fazem maldades sim. Principalmente com outras crianças.

Mundo de criança não é cor de rosa. Bullying é recente só no nome, porque maldade organizada no colégio existe desde sempre. E acredito que todos nós em algum momento passamos por isso. Pela sensação de rejeição, de humilhação. Todo mundo já foi vítima de bullying, só que tem uns e outros que por algum motivo acham que foram os únicos e justificam suas cagadas na vida por conta disso. Todos nós já passamos por bullying e foi duro, mas no final das contas superamos.

Eu acho que é pior ser vítima de bullying diariamente na escola quanto ser vítima de um chefe abusivo na vida adulta. Porque um chefe abusivo bem ou mal você pode mandar para a puta que pariu quando encontrar outro emprego. Já a escola… a criança não tem autonomia para trocar de escola quando quer. Sem contar que o adulto é mais articulado para falar, elaborar sentimentos e se defender. Grandesmerda ser criança.

Ainda tem os que argumentam que adultos tem uma série de compromissos chatos aos quais são obrigados a comparecer, enquanto que crianças não precisam passar por isso. O QUE? Criança vai onde o adulto vai, seja legal para ela ou não. Criança é forçada a ir. Criança tem que ir à igreja domingo de manhã (te amo Mãe, te amo Pai), tem que ir em restaurante, tem que ir a festa de família (te amo família em outro país), tem que ir a um monte de compromissos chatos, com o agravante de que não pode decidir a hora que chega, não pode decidir a hora que vai embora e não pode decidir faltar e dar uma desculpa qualquer.

Que necessidade é essa de ter alguém cuidando de você? Chega ao ponto de topar abrir mão da liberdade por causa disso? Não me entendam mal, ser cuidado e paparicado é uma delícia, todo mundo gosta. O problema ocorre quando isso se torna uma necessidade, a ponto da pessoa abrir mão de sua maior prerrogativa como adulto: a auto-determinação.

Resta descobrir porque tantas pessoas procuram relacionamentos onde acabam tendo que abrir mão de sua condição de adulto, para atender às ordens do seu cônjuge. Está cheio de casais assim por todos os lado. Gente que o namorado “não deixa” fazer tal coisa. Gente que leva esporro porque gastou o SEU dinheiro como quis. Gente que é cobrada por coisas que não lhes compete. Porque as pessoas insistem em retornar à condição de criança dependente nos relacionamentos? Seria isso um desejo de voltar à infância ou esse saudosismo da infância é que é determina a manutenção de relacionamentos infantilizados?

Não importa. O que importa é que ter menos responsabilidades na vida adulta fica ridículo, pega mal e é frustrante a longo prazo. Deixar escolhas de vida que deveriam ser suas nas mãos de terceiros custa caro, bem caro, no final das contas. Basta com essa ilusão que o melhor período da vida é a infância e que a gente é mais feliz quando não tem muitas responsabilidades. Só tem medo de responsabilidades quem não tem a capacidade de cumpri-las.

Será que eu sou a única que desde pequena não via a hora de crescer para poder decidir certas coisas sozinha? Só eu me irritava em receber ordens e não poder me determinar de acordo com a minha vontade? Precisar de alguém que faça suas coisas por você É UMA MERDA. Mas o povo acha que é bacana, que é bonito, que é “se dar bem”. “Me dei bem, Fulano faz tudo pra mim”. Não, se deu mal. Se deu malzão, porque agora você é escravo(a) do Fulano, quando ele for embora você está fodido e mal pago, porque além da dor do término ainda vai ter que reaprender a fazer suas coisas.

O que é melhor: ter menos responsabilidades e perder o poder de decisão sobre a sua vida ou ter mais responsabilidades mas poder decidir? Na minha opinião, quem fica com a primeira escolha tem sérios problemas.

Para me chamar de azeda e similares, para dizer que o retorno à infância é inevitável já que acabaremos sem dentes cagando em uma fralda ou ainda para dizer que não está nem aí para o que eu estou escrevendo hoje e só passou aqui para ver o Plantão feito pelo Somir: sally@desfavor.com


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