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Ele disse, ela disse: Viva Comida?

| Desfavor | | 22 comentários em Ele disse, ela disse: Viva Comida?

Esse não é meu aquário...Em algumas culturas, principalmente as asiáticas, animais que ainda se movem na mesa são considerados uma iguaria. E com tantos restaurantes japoneses e chineses aqui no Brasil, não é de se surpreender que alguns desses pratos tenham chegado até estas bandas. Isso gera polêmica, inclusive entre Sally e Somir.

Tema de hoje: Comer animais vivos é mais condenável que comer animais mortos?

SOMIR

Sim, é. Essa frescura em defender culturas alheias serve apenas para um propósito: Manter viva uma desculpa para atitudes bárbaras. Dizer que algo faz parte da cultura de um povo já foi defesa para inúmeros comportamentos terríveis da humanidade. Compreender que uma pessoa foi criada de forma diferente não a livra da responsabilidade por seus atos.

Tanto que na maioria dos países civilizados do mundo, dizer que não conhece uma lei não inocenta ninguém. Já faz parte da nossa evolução como espécie relativizar o valor da cultura alheia. É tudo muito exótico e bacana até cruzar alguma linha do que se espera de um ser humano funcional.

Calma, eu não estou querendo comparar DIRETAMENTE um crime de humano contra humano com um prato que se debate na mesa. Tenho plena noção que existe um mar de diferença entre nós e os animais irracionais. Falo aqui sobre o nosso lado das coisas: Como que definimos o que nos separa do reino animal.

E sim, somos separados. Mesmo que um chimpanzé tenha mais de 96% dos nossos genes, a humanidade se afastou, e muito, do resto das espécies há milhões de anos atrás. E o abismo só aumenta. Essa mudança teve apoio dos 4% genéticos, mas foi essencialmente cultural. Não me perdoem, mas é infantilidade pregar igualdade irrestrita de direitos entre nós e o restante das espécies. É evidente que existe uma diferença, e enquanto eu não vir uma nave projetada e pilotada por golfinhos alcançar a Lua, sem chance de mudar de ideia.

Sei que minha argumentação parece levar para o sentido contrário do lado tomado nessa discussão, mas dizer que somos absurdamente mais evoluídos e vivemos em “outra realidade” não é desculpa para tratar nossos companheiros irracionais de planeta de qualquer forma. A nossa evolução é um privilégio com responsabilidades.

Obedecer a lei da selva nos colocou no topo da cadeia alimentar. Subvertê-la nos tirou dela. Uma sociedade baseada exclusivamente na lei do mais forte, na noção de que a única função do fraco é servir, jamais chegaria ao ponto onde chegamos. Enfrentamos o barbarismo e conquistamos a recompensa.

Esses pratos onde a carne ainda se mexe não servem a nenhum propósito específico. São resultado de sociedades incapazes de lidar com a noção de que JÁ sabemos fazer melhor. Cozinhar a carne foi um dos primeiros passos para deixar nossos primos chimpanzés para trás. E antes disso, matar a presa antes de devorá-la também foi uma vantagem estratégica.

Na natureza o mais comum para os predadores é comer a presa enquanto viva. Eventualmente ela perece, mas boa parte das mordidas são registradas pelo seu sistema neurológico agonizante. Um leão mastigando uma zebra viva não o está fazendo porque é mais divertido: Não tem onde armazenar (quanto mais tempo a presa vive, menor a possibilidade de estragar) e também não pode dar bobeira, já que tem muito mais animais doidos para pegar seu pedaço.

O ser irracional faz o estritamente necessário por falta de capacidade de fazer melhor. E essa capacidade nós temos. Uma considerável parte da produção mundial de carne provém de abatedouros obrigados a obedecer regras que punem crueldade animal. O sistema passa longe de ser perfeito, mas essa coisa de fazer simplesmente o mais fácil e barato não é como enxergamos o assunto. Se a nossa evolução nos ensinou que é mais EVOLUÍDO matar antes de comer, um dos melhores subprodutos dessa evolução garante o interesse por fazer isso da forma mais “humana” possível.

O subproduto da nossa evolução? Senso de justiça. Tire o senso de justiça da humanidade e voltamos às cavernas em poucas gerações. Crueldade injustificável deve ser abolida de todas as esferas da nossa interação com o mundo que nos cerca. Comer um animal vivo SEM a necessidade para tal configura óbvia crueldade.

E quando eu falo em abater animais de forma “humana”, não estou dizendo que os animais são humanos, estou dizendo que NÓS somos. Esse é o ponto principal. NÓS somos humanos. Devemos agir como tal. É claro que uma lagosta não pensa como um humano, mas a partir do momento em que você justifica um ato que SABE que é excessivo e incomum a partir da ótica de um ser muito menos evoluído, iguala-se a ele.

Apesar de gerar grupos de malucos hipócritas como a PETA, a empatia, mesmo com animais irracionais, é uma das partes integrantes do nosso processo de “conquista” do mundo. Um bom termômetro da capacidade de compreensão do que significa ser humano é a disposição de uma pessoa de entender que ela não está sozinha no mundo. Já disse isso numa coluna anterior com tema parecido: Psicopatas costumam começar torturando e matando animais. Se colocar no lugar de outro e tentar tratá-lo da forma como você gostaria de ser tratado é um dos blocos de construção da complexa e abstrata mente humana. Somos tão complexos que conseguimos enxergar semelhanças em seres muito diferentes.

Uma pessoa que diz ter empatia SÓ por humanos ou está se enganando (para fazer pose de rebelde na internet) ou está enganando a todos (e vamos torcer para que ela não pegue uma metralhadora num futuro próximo…). Não é tão simples assim. Empatia e senso de justiça são MUITO maiores que senso de reconhecimento.

Comer animais vivos não serve a nenhum propósito que prede a necessidade de agir feito um ser humano. É indulgência, ostentação ou falta de uso da massa cinzenta. Se quer incentivar crueldade, que pelo menos tenha a decência de assumir que é condenável.

Eu tenho orgulho de ser um animal racional. E você?

Para me chamar de viadinho porque é muito mais fácil do que assumir a responsabilidade de honrar o que tem dentro do crânio, para me chamar de viadinho porque acha engraçado mesmo, ou mesmo para me chamar de viadinho só para acompanhar o bando: somir@desfavor.com

SALLY

Comer animais vivos é mais condenável que comer animais mortos? Atenção ao tema proposto. Eu perguntei se é MAIS CONDENÁVEL. Pode ser mais nojento, mais estranho… mas MAIS CONDENÁVEL? Não acho. O animal é morto com extrema crueldade em ambos os casos, só porque você não vê, não quer dizer que seja menos cruel.

Tudo começou com uma revolta coletiva contra um restaurante que serve sashimi de lagosta, trazendo a lagosta viva à mesa e arrancando gomos das suas costas para que as pessoas peguem a carne fresca enquanto a coitada ainda se mexe. Comentei com o Somir e começou a discussão.

Vocês acham que a vaca que vocês comerão na próxima semana foi morta com que? Com carinho? Verdade inconveniente: os animais que nós comemos levam uma vida de merda, do minuto que nascem até a hora da sua morte. Na maior parte das vezes eles nascem com o único propósito planejado de nos servir de alimento e são tratados da pior forma possível. É assim que as coisas são na maior parte das vezes.

Ainda assim, milhões de pessoas aceitam este pacto silencioso de fingir que não sabem, da mesma forma como compram produtos da Nike, Zara e outras grandes marcas igualmente fingindo que não sabem ser fruto de trabalho escravo e/ou trabalho infantil. As pessoas gostam de se enganar. Até aí, tudo bem, porque este mundo está tão cagado que fica muito difícil sair da cama toda manhã se a gente focar o tempo todo na realidade.

O que eu não acho admissível é essa “realidade seletiva”. Uma coisa meio “quando eu não vejo morrer, que se foda, mas se matarem na minha frente eu viro ativista”. Gente, coerência por favor. São todas mortes cruéis, nenhuma é pior do que a outra. Se quer se revoltar contra mortes cruéis dos animais, abrace a causa e vamos começar a bater nos maiores vilões do momento: os frigoríficos e abatedouros. Ou então, aceite o fato de que comemos animais que são mortos de forma cruel e siga a vida.

Mas não, neguinho dá um escarcéu por causa de uma lagosta que foi comida viva e depois vai no mercado e compra um Baby Beef, feito de vaquinha bebê morta da forma mais torturante possível. Não agüento com isso. Não consigo nem argumentar, a vontade e sair dando tapa na cara. Você pode até se chocar, se sensibilizar mais por ter efetivamente presenciado o sofrimento do animal, mas, puta que pariu, o que VOCÊ sente não tem a menor importância para determinar se é mais grave ou menos grave. Sim, você NÃO É tão importante. Não é o seu sentimento pessoal que torna aquilo grave, é o ato em si.

Digo mais: na minha opinião o momento da morte nem é o mais grave. Porque, vamos combinar, se aquela lagosta estivesse na mãe natureza e um predador a encontrasse, vocês acham que ela morreria como? Seria comida viva também, com dor e sangue. A diferença é no tipo de vida que os animais levam. Seja em cativeiro para virar almoço ou na mãe natureza, sua morte é cruel e sangrenta, mas na mãe natureza eles levam uma vida digna, enquanto que animais de cativeiro geralmente levam uma vida de extremo sofrimento.

Sabem como se cozinha uma lagosta? Se joga a lagosta viva em uma panela de água fervendo. Não parece uma experiência prazerosa. Mas neguinho come a lagosta sem chiar, porque se fizer isso longe dos seus olhos tudo bem, né? A grande revolta vem quando se assiste o making off do prato. Um tanto quanto hipócrita, vocês não acham? Muito fácil criticar de forma seletiva tomando seu senso de reprovação, o quanto aquilo te afeta, te revolta, como medida para o grau da sua indignação. Lamento, mas são os maus tratos ocorridos, seja na sua frente ou não, que devem nortear a sua conduta. Comer animais vivos não é “pior” do que comer animais mortos. Acredito que se tiverem que matar diante dos olhos de testemunhas, periga até que se preocupem em dar uma morte mais digna.

Quem quiser dar chilique e dizer que é cruel comer a lagosta viva, pode dar, concordo em gênero, número e grau. Mas então que se porte de forma coerente e não coma animais mortos de forma cruel. NENHUM DELES, sejam eles mortos diante dos seus olhos ou não. E não façam nada que provoque sofrimento animal, como por exemplo, pescar. Vocês acham que deve ser bacana para o peixe ser pescado? Você gostaria que um gigante enfiasse um espeto na sua boca e te afogasse? Se vai discursar defendendo o direito dos animais, seja coerente.

Inadmissível pessoas gritando e chorando por uma lagosta enquanto animais de maior porte (e com mais “capacidade” de sentir dor) são pendurados e sangrados até a morte, no meio de fezes e urina. É aquele comportamento Universo Umbigo de gente que acha coreano um povo bárbaro porque come cachorro. O que será que os indianos pensam da gente?

Só para esclarecer, eu não estou escolhendo lados aqui. Não estou dizendo que tem que matar mesmo nem estou dizendo que não tem que matar. Estou dizendo que SE FOR CONTRA UMA MORTE CRUEL, tem que ser coerente e se posicionar contra todas elas, inclusive da vaca confinada e proibida de andar para que sua carne fique mais macia e da galinha criada em um cubículo com luz na cara o dia todo para comer mais e engordar mais rápido. Em resumo, se você for contra uma morte cruel, saberá que tanto faz comer viva ou jogar viva em uma panela de água fervendo, é cruel do mesmo jeito.

Nem sei porque perco meu tempo, para a maior parte das pessoas, o que os olhos não vem o coração não sente. As mesma pessoas que choram indignadas quando recebem por e-mail aquelas fotos do ganso com um funil sendo alimentado para fazer o patê de fígado de ganso são as mesmas que depois abrem uma lata de atum e comem aquela merda mesmo sabendo que é golfinho ralado. Este tipo de pessoas são sensíveis e protetoras dos animais QUANDO CONVEM, quando isto vai fazer com que elas fiquem bem socialmente. Porque agora é super bacana ser protetor dos animais.

Não me leve a mal, mas se você não come um bicho só porque ele foi morto na sua frente e condena esta prática mais do que quando ele é morto longe dos seus olhos, você é hipócrita. TANTO FAZ onde ele foi morto, o sofrimento do animal não é maior ou menor por estar sendo morto na sua frente, apenas o SEU sofrimento varia. E se você defende animais pensando no SEU sofrimento, você além de hipócrita é egoísta, só está defendendo os animais para que VOCÊ não tenha que passar pelo sofrimento de vê-los sendo mortos.

Não é menos condenável comer um bicho que foi morto na sua frente. Você pode até achar desagradável, pode te deixar sem vontade de comê-lo, pode te deixar com nojo. Mas não é MAIS CONDENÁVEL.

Para fazer um longo discurso pró-animal fora de contexto com o tema proposto, para pedir o nome do restaurante ou ainda para dizer que você só come vacas que morreram de velhice: sally@desfavor.com


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