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Desfavor Explica: Sonhos Lúcidos.

| Somir | | 36 comentários em Desfavor Explica: Sonhos Lúcidos.

waaatVocê vai passar alguns anos da sua vida sonhando. Estima-se que uma pessoa tenha pelo menos duas horas de sonhos por noite de sono, o que no final das contas vai somar uma quantia considerável de “tempo de existência”.

E tem muita gente por aí que não está afim de ser mera expectadora desse filme mental diário. Hoje o Desfavor Explica fala sobre sonhos e a possibilidade de vivenciá-los de forma consciente. Não, você não está sonhando, eu estou escrevendo mesmo sobre um tema que me foi sugerido pelos leitores…

Mas antes de interagir com algo, é bom entender melhor esse algo.

EU TENHO UM SONHO

Existem indícios que os macacos pelados aqui não são os únicos seres capazes de sonhar. Desde aquele seu cachorro que corre dormindo até ratos em laboratórios do MIT, já foram recolhidos várias evidências que os sonhos não são apenas fruto da poderosa mente abstrata humana, mas sim um processo neurológico comum a espécies mais evoluídas.

Os primeiros registros humanos sobre sonhos já encontrados datam de quase cinco mil anos atrás. E não há muitas dúvidas que eles já eram motivo de fascínio e estudo muito antes disso.

Se esse processo é um subproduto da forma como o cérebro funciona ou se é um mecanismo essencial para consolidar as informações que captamos no dia-a-dia, ainda não há um consenso científico. O que existem são teorias mais bem aceitas, e é sobre elas que eu vou me basear neste texto.

Para começo de conversa, todo mundo sonha e sonha algumas horas por dia (considerando que você dorme minimamente direito), o que é muito comum é simplesmente esquecer desses sonhos. A porcentagem de sonhos solenemente ignorados após seu acontecimento gira ao redor de 95%.

Essa taxa de esquecimento tão elevada corrobora com a idéia de que os sonhos são uma forma de filtrar e transferir as memórias de curto prazo para a de longo prazo. Os sonhos são parte do processo que forma a memória. Você não lembra do sonho porque ele… virou outra coisa.

LEMBRA?

Já percebeu como memórias mais antigas são mais “narrativas” do que as recentes? Para não gastar espaço desnecessário, o cérebro não fica guardando milhões de detalhes inúteis nas cenas que você vai sempre se lembrar. É uma história que pode ser remontada a partir de “gatilhos” de informação. Pedacinhos de imagens, sensações e idéias que podem ser expandidos de acordo com a necessidade.

Você não precisa se lembrar de coisas como disposição das nuvens no céu para se lembrar da primeira vez que viu o mundo pela janela de um avião, por exemplo. Isso é preenchido “na hora” que se puxa essa memória com alguma cena genérica do que você entende como céu.

A memória recente é mais fotográfica, crua, detalhista. A de longo prazo é bem mais… subjetiva. E presume-se que isso seja resultado da forma como essa transferência é feita: Pelos sonhos. Sonhamos com coisas recentes para consolidá-las e sonhamos com coisas antigas provavelmente para atualizar e contextualizar melhor o que já estava gravado.

Só que dizer apenas que sonhos servem para consolidar memórias não explica bem as maluquices possíveis neles. Em primeiro lugar devemos entender que a mente humana é muito afeita a analogias e metáforas. Não precisamos de muito mais que um desenho de seta para presumir movimento. Basta o cheiro do gás metano para presumirmos sujeira… São incontáveis “gatilhos sensoriais” que nos fazem ter idéias complexas.

Sonhar com um animal falante ou um corredor infinito não significa exatamente que passamos por essas cenas na vida real. O cérebro pode simular várias sensações reais com cenas pra lá de lúdicas.

Freud e Jung formularam várias teorias sobre os sonhos serem manifestações do inconsciente, refletindo desejos e aspirações das pessoas num ambiente mais livre. E isso não precisa bater de frente com a teoria da memória: Vai dizer que não é comum ter o julgamento sobre um fato bagunçado por emoções? Ninguém precisa estar sonhando para pintar um quadro “peculiar” sobre as situações que viveu de acordo com a própria vontade.

Recebemos estímulos sensoriais do ambiente ao nosso redor, mas não há nenhuma garantia de imparcialidade e fidelidade na hora de processá-los. Não existe impedimento para o cérebro transformar uma memória numa cena fantástica motivada pelos seus desejos num sonho.

Um outro argumento que pode surgir é a capacidade de encenar acontecimentos futuros num sonho. Não podemos ter memórias do futuro, certo? Errado. Lembramos de planos para o futuro que fizemos no passado. Como a imaginação não fica presa ao presente, até mesmo coisas que imaginamos que aconteceriam podem ser guardadas e processadas pelos sonhos durante o sono.

É comum “encenar” eventos futuros esperados na mente. Quem nunca imaginou uma conversa importante que aconteceria horas ou dias depois? Faz parte da mente humana essa preparação prévia. E óbvio que isso vazaria para o reino dos sonhos. Utilizamos o passado para prever o futuro.

E favor não confundir prever no sentido Mãe Dinah da coisa. Quem diz ter visões do futuro nos sonhos está mentindo ou interpretando o sonho de forma tendenciosa. Tem que acertar com muita precisão e frequência para desacreditar a possibilidade de coincidência, falso positivo ou distorção de acordo com a vontade. SPOILER: Ninguém conseguiu até hoje.

E só para completar: Tem muita gente que resolve “problemas” sonhando. Eu sou uma delas. Processo criativo não tem a ver com a memória, certo? A pessoa está criando uma nova coisa. Então me diga se você acha que um médico vai resolver um complexo teorema matemático durante o sono… As pessoas não aprendem coisas completamente alheias ao que já sabem durante os sonhos. Pode apostar que vai ser alguém com meios de resolver o problema que vai fazê-lo. Quanto mais alguém pensa numa coisa, maior a chance de suas memórias refletirem isso.

E o cérebro continua funcionando durante os sonhos. Se algo “grande” acontece dentro de um deles, não é como se estivéssemos totalmente alheios. Assim como um pesadelo casca grossa, a resposta para um problema durante um sonho vai gerar alguma reação mais consciente. Eu já acordei algumas vezes para anotar ideias e rabiscar imagens, e aviso: Você VAI esquecer os detalhes se dormir de novo. Deixe de preguiça nessa hora. Não tem nada pior que lembrar que resolveu um problema depois que acorda, mas sem saber como porque tudo virou “fumaça”.

E como esse processo de transformar memórias em histórias frequentemente nos coloca em situações bem mais inusitadas do que qualquer acontecimento da “vida acordada”, não é de se estranhar que muita gente queira assumir o controle sobre esse roteiro.

E é assim que entramos no assunto dos sonhos lúcidos.

REALIDADE VIRTUAL

A ideia de ser protagonista consciente dos sonhos não é nova, mas só começou a ser estudada de forma mais científica no século passado. (Pois é, macacada, se começa com 19, é século passado… estamos todos velhos…) E como vocês bem sabem, eu não ligo muito para conhecimento humano pré método científico.

Atualmente a maior autoridade no assunto é o americano Stephen LeBerge, psicofisiologista (wat? estuda relações entre fenômenos psicológicos e fisiológicos) que publicou o livro Sonhos Lúcidos, a primeira obra científica exclusiva sobre o assunto. Fiquei feliz em perceber que não se trata de pseudociência ou misticismo. Sim, o cara ganha a vida com isso, mas respeita o método científico e não presume muita coisa além do que estuda.

O primeiro resultado forte de testes realizados foi a comunicação entre uma pessoa dormindo (REM e tudo) e a equipe de LeBerge através de sinais pré-definidos com movimentos dos olhos. Movia os olhos para um lado se estivesse sonhando e consciente disso, movia para outro se estivesse andando… Isso é importante porque demonstra evidências dos sonhos lúcidos além do campo testemunhal. Já mais seguro que não se tratava de uma bobagem qualquer, resolvi que eu mesmo seria cobaia para esta coluna.

E por sorte não é como hipnose, não depende obrigatoriamente de ignorância sobre o assunto ou vontade de funcionar para funcionar. As mentes céticas agradecem.

PREPARAÇÃO

Para começo de conversa, você precisa aumentar sua capacidade de lembrar dos sonhos. Tem quem lembre mais, tem quem lembre menos. Eu fico na segunda categoria. É bem mais fácil para quem não dorme feito uma pedra e pode contar nos dedos as vezes que acordou durante a noite. Lembrar de um sonho é muito mais provável para quem tem sono picado. Pela manhã a grande maioria dos sonhos já foi “deletada” da mente.

E mesmo os sonhos que ficam mais ou menos claros na sua mente quando você acorda tendem a se esfacelar com o passar do tempo. A forma mais segura de lembrar é anotar num papel o que estava acontecendo no seu sonho.

Um método hardcore de conseguir isso é colocar um despertador para te pentelhar mais ou menos na hora em que seus sonhos estiverem acontecendo. Isso é péssimo para sua qualidade de vida, mas é quase garantia que algum sonho você pega e consegue lembrar em detalhes. Não é pra fazer sempre, eu fiz umas duas vezes na fase de preparação. Funcionou bem.

E por que é importante lembrar? Prepara sua mente para reconhecer padrões de cenas de sonho. Ao guardar isso como memória “real”, você começa a ter do que lembrar durante um deles. Começa o processo de trazer a consciência “acordada” para a realidade onírica.

Depois disso, por mais babaca que pareça, você tem que planejar ações que entreguem que você está sonhando. Ao contrário do que muita gente pensa, você não vira um deus no seu sonho. O seu cérebro está seguindo a dança e te colocando várias limitações inconscientes durante o sonho. Quem nunca teve a sensação de impotência durante um pesadelo?

O segredo é definir algo para fazer. Uma tática comum é olhar para algum relógio, lembrar do que está marcado, olhar para outro lugar e voltar para o relógio. Nos sonhos existem uma enorme tendência de relógios não manterem um padrão lógico de funcionamento. Você vê marcado 12:51 na primeira vez e BATATA na segunda. Sem o estado de lucidez você passa batido por uma maluquice dessas, mas a partir do momento que você percebe o que aconteceu, grandes chances de assumir o controle da situação.

Existem outros bugs comuns de sonhos, normalmente relacionados com auto-imagem (espelhos mostram coisas diferentes, roupas mudam, etc.), caminhos (corredores mudando de direção, portas que não fazem sentido…) e evidente, coisas fantásticas. Se você tentar voar e conseguir (é mais fácil do que parece), pode ter certeza que está sonhando.

Além disso, antes de dormir é bom manter em mente que você quer tomar conta do seu sonho. Se você apagar pensando nisso, grandes chances de conseguir. Vai ficar algo na memória recente que vai ter que ser transformado durante o sono.

Eu consegui meu primeiro sonho lúcido seguindo esse plano:

HELLO?

Estava dirigindo, não parecia o meu carro. Era uma daquelas estradas de filme de terror, estreita, escura, atravessando uma floresta densa. Estava de noite. O caminho ficava cada vez mais escuro, as luzes do carro cada vez mais fracas…

Lembro claramente da sensação de desespero, mas não consigo explicar porque não parei a porra do carro! Não sabia mais para onde estava indo. SEM NENHUMA LÓGICA, apareci dentro de uma cabana de madeira (também esquemão filme de terror, só faltava o Jason…), ainda de noite. O local estava mal iluminado, mas eu podia ver algumas ferramentas sobre prateleiras e uma mesa no centro.

No meio daquela situação, eu comecei a procurar um relógio. Parecia sem motivação naquele momento, mas enquanto eu fuçava pelos quatro cantos do lugar, veio o momento que eu estava esperando.

Saquei por que estava procurando um relógio. Queria a confirmação se era um sonho. Veio tudo na cabeça. Não precisei ACHAR o relógio, mas o simples fato de entender porque eu estava fazendo aquilo resolveu a questão. É impressionante a sensação de tomar o controle de suas ações num sonho. O universo ao seu redor ainda é extremamente aleatório, mas o simples fato de escolher como vai reagir enriquece demais a experiência. Os detalhes são mais vívidos e o roteiro não sofre tantas viradas.

A sequência desse sonho se passou comigo sendo um policial corrupto lidando com Lionel Fuckin’ Richie (com o visual do clipe Hello, serião), chefe de uma máfia de fuckin’ ninjas e sempre assessorado por uma gostosona com aquele visual de “bibliotecária sexy”. Infelizmente não tracei a assessora, mas presenciei a cena mais foda de corte vertical de katana numa pessoa até hoje. Lionel era casca grossa na arte ninja e não gostava que mexessem com ela… Mas já estou na quinta página e a descrição do sonho mais foda da história não é muito científica.

Não precisei anotar nada depois de acordar, ficou muito bem definido na memória. Deve ter ocupado o espaço de alguma coisa importante, mas não é como se eu lembrasse de coisas úteis 99% do tempo.

CONCLUSÃO

É um assunto interessante que passeia pelo lúdico sem forçar a realidade e fugir da ciência. Achei divertido ter sonhos conscientes, mas não é para mudar a vida de ninguém por si só. Existem outros estudos sobre tratamento de traumas através dos sonhos lúcidos, mas é a mesma coisa que hipnose: Tem que ter um plano além do método.

Vale a pena como curiosidade, mas eu fico com o pé atrás por um motivo: Não existem estudos tratando da relação entre esses sonhos e a manutenção da memória. De uma certa forma, é “invadir” um processo neurológico importante. Não estou garantindo que atrapalhe, mas não achei material que garanta que não também. Moderação, canja de galinha e respeitar a assistente gostosona do Lionel Richie ninja não fazem mal a ninguém…

Para dizer que seu sonho é não ter que ler tanta baboseira, para dizer que ficou muito decepcionado por eu não ter falado mal, ou mesmo para tentar me analisar a partir do meu sonho (SPOILER: louco): somir@desfavor.com


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