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Desfavor explica: Método Científico – Parte 2

| Somir | | 11 comentários em Desfavor explica: Método Científico – Parte 2

Chimpanzé sem pelos, método científico?  ATENÇÃO: Nenhum chimpanzé foi ferido na produção deste texto. 

No último capítulo: O ser humano tem uma impressionante capacidade de reconhecer e memorizar padrões, o que acelera, e muito, o acúmulo e utilização do conhecimento disponível. Mas essa mesma capacidade pode se voltar contra nós no caso de uma conclusão lógica, porém errônea. Se está confuso, leia a Parte 1.

Nota: Não vou tentar traçar o método científico como uma criação com ponto histórico exato. Grandes pensadores, filósofos e cientistas tiveram sua parte no que definimos hoje. E nem como algo definitivo. O método evoluiu com o tempo e não há nenhuma razão para acreditar que não continuará no futuro.

Parte 2: TEORIA MEU OVO!

CIENTIFIQUÊS

Você não adora quando algum cretino começa com aquele papinho de “isso é só uma teoria!” para desclassificar as explicações racionais para o seu mundinho de fantasia? Nem eu. O problema nem é a noção de que é mesmo só uma teoria, porque é. O problema é a noção errônea que as pessoas tem sobre o que é uma teoria científica.

Os cientistas tem seus termos específicos, alguns deles se parecem muito com termos do nosso dia-a-dia, mas a maioria deles tem definições bem particulares. Teoria, por exemplo… Para o cidadão comum, teoria tende a soar como sinônimo de hipótese (palpite, chute…).

Para a ciência, teoria e hipótese são dois bichos bem diferentes. A Teoria da Evolução não é um palpite de Charles Darwin que calhou de ficar famoso. Ela é baseada nos nerdíssimos estudos do próprio durante toda a vida, além de incontáveis participações da comunidade científica a partir dali. Evidências, testes, teorias paralelas, discussões, gente doidinha para provar tudo aquilo errado… Teoria tem que resistir a uma enormidade de desafios para se manter de pé. Inclusive provar o que diz.

Jamais confundir a “teoria” que se formula em bares depois de meia dúzia de cervejas com as Teorias que sobreviveram ao ceticismo e ao ego da comunidade científica. Você deve estar se perguntando porque não vira FATO depois de tanta confirmação, e a resposta é simples: Teorias foram feitas para ser derrubadas. Uma das coisas mais inteligentes que a humanidade pode fazer é não se agarrar demais nas conclusões que chega.

Uma coisa é dizer que viu a maçã cair e isso é um fato. Outra completamente diferente é explicar a força que age na maçã que cai. Newton formulou teorias excelentes sobre a gravidade. Teorias que geraram leis.

Lei não é mais “forte” que teoria na ciência. Lei é uma hipótese que rende resultados tão consistentes ao ponto de não termos mais necessidade de ficar confirmando. A não ser, é claro, que você tenha bons motivos. Uma lei é causa e consequência, não depende da explicação para continuar valendo.

A Lei de Newton resistiu ao desafio do tempo. A Teoria, nem tanto. A relatividade a mecânica quântica mostraram novas formas de lidar com o assunto. Teorias nascem, crescem e morrem, mas NÃO são chutes.

MÉTODO EM ETAPAS

Finalmente, hein? Assim como meus textos, a ciência também não é muito afeita a apressar as conclusões. A idéia de se ter um método para validar o conhecimento adquirido visa limitar o papel da “vontade” do cientista, que, no final das contas, é tão humano quanto qualquer outro. Não é à toa que estudos sobre fantasmas, alienígenas, poderes psíquicos e curas místicas raramente são levados a sério, o pesquisador acaba se concentrando apenas no que quer achar e ignorando tudo mais ao seu redor.

Existem várias formas de definir cada uma das etapas, vai ser difícil achar um consenso perfeito sobre nomenclaturas e agrupamentos de ações, mas as etapas abrangentes que defino aqui cobrem o principal:

OBSERVAÇÃO

É aqui onde tudo começa. Não à toa, é a parte mais democrática do processo. Todos nós temos a capacidade de reconhecer padrões e entender ligações entre objetos e fatos aparentemente distintos. Uma pesquisa não pode começar de forma totalmente aleatória, alguma coisa tem que ligar o “Será?” na cabeça de quem vai seguir o processo.

Por exemplo: Dr. R. Pilha vai ao zoológico, curioso sobre o chimpanzé pelado anunciado pelo telejornal. Em frente à jaula, fica impressionado com a compleição física do símio. Sem a pelagem, o animal é capaz de fazer inveja a qualquer pudim de bomba de academia. Uma criança remelenta ao seu lado começa a berrar, a mãe, uma mulher gorda vestindo uma roupa claramente menor do que deveria, contemplava inerte. Os outros visitantes próximos ficam claramente irritados com a evidente falta de educação e respeito pelos ouvidos alheios do garoto.

O chimpanzé começa a demonstrar seu descontentamento respondendo aos gritos do irritante moleque. Para a surpresa do Dr., o chimpanzé fica de saco cheio antes e resolve assustar o projeto de gente com um movimento brusco em sua direção. O moleque sai chorando dali, a mãe acaba acompanhando sua prole, não sem antes dar uma bronca num funcionário, exigindo que se acorrentasse o animal para que ele não assuste mais crianças. Nosso cientista responsável agradece o chimpanzé, fazendo os demais caírem na gargalhada e aplaudirem o macaco pelado dentro da jaula.

Eis que a comparação entre crianças humanas e chimpanzés adultos o acerta como um raio: “Será?”

HIPÓTESE

Fazer a pergunta certa costuma valer mais do que ter a resposta certa. Nessa etapa, o pesquisador vai formular uma hipótese baseado no conhecimento prévio do assunto em questão. Até por isso os cientistas tendem a se concentrar num conjunto de temas bem específico: Grandes chances de você fazer uma pergunta estúpida se não tiver conhecimento avançado sobre a área que vai explorar. É importante valorizar A PERGUNTA, e não a resposta que se espera. A hipótese tem que ser abrangente o suficiente para fazer valer a pesquisa e específica o suficiente para sua resposta ter utilidade.

“Cigarro mata.” é uma péssima hipótese, não é científico abrir uma pesquisa para confirmar uma afirmação, está tudo genérico demais, até mesmo ser atropelado por um caminhão da Souza Cruz poderia valer como evidência…

“Tabagismo aumenta a probabilidade de câncer de pulmão?” é uma bem melhor. Não está tentando concluir nada pela hipótese, definiu a busca da ligação probabilística (não é só SIM ou NÃO) entre tabagismo (hábito de fumar) e câncer de pulmão (doença normalmente fatal).

Voltando ao exemplo: Dr. R. Pilha volta para o laboratório decidido a se aprofundar no assunto. Depois de estudar a fundo outros estudos sobre crianças e chimpanzés, percebe que ninguém ainda pesquisou sobre a possibilidade de chimpanzés adultos serem mais evoluídos do que crianças humanas. Estava decidido, aquilo ali seria seu novo projeto!

EXPERIMENTOS

Ok, já observamos e já definimos a hipótese. Não dá só para sentar num banquinho e começar a pensar numa resposta. A mente humana é um campo minado de falsos positivos prontos para detonar qualquer raciocínio lógico descuidado. E é aqui que se separa homens de meninos: O cientista não pode ter nenhuma frescura de querer que os resultados dos experimentos concordem com sua idéia inicial. As evidências falam por si (momento Grisson).

É a partir daqui que começa a maior possibilidade de encontrar algo completamente novo e mudar o rumo da pesquisa. Talvez até uma nova hipótese. Estimativas um tanto quanto fanfarronas dizem que entre um terço e metade das grandes descobertas científicas foram “surpresas” para quem estava pesquisando outras coisas. Fleming esqueceu de guardar uma colônia de bactérias de um dia para o outro e elas foram “invadidas” por fungos… Humanidade, penicilina. Penicilina, humanidade.

Apesar da chance de surpresas, essa é a fase mais séria do processo. O resultado de um teste pode ser influenciado por uma enormidade de fatores, o que obriga o cientista a “limpar” as amostras o máximo possível e repetir os experimentos sempre que possível. A palavra chave é consistência.

Não dá para fazer um teste sobre os efeitos de um remédio se não tiver um grupo que recebe o placebo, por exemplo. Quem garante que as pessoas não estão inventando (mesmo sem intenção) os resultados que revelam? Pseudo-ciência DEITA E ROLA no efeito placebo. Escolhem pessoas que QUEREM que a mágica da vez seja verdade e só pesquisam isso.

E se os grupos tiverem alguma diferença significativa de estilo de vida? Uma droga para redução de peso pode funcionar muito bem para o grupo rico e muito mal para o grupo pobre. Ricos tem muito mais facilidade para se alimentar de forma saudável. Numa dessas é capaz do cientista achar que a droga só funciona para pessoas brancas… (Escroto, eu sei…)

Cada área da ciência tem seus experimentos, mas nenhuma delas está livre de “sujeiras” nos seus experimentos.

Ah, o exemplo: Depois de vários experimentos, dentre eles um conclusivo estudo sobre a capacidade de um chimpanzé vencer 3.291 crianças numa briga, Dr. R. Pilha estava começando a perceber que sua hipótese era furada. As crianças (as ainda vivas) eram bem mais educadas e inteligentes que os chimpanzés nos testes controlados. Capacidade cognitiva, localização espacial, empatia… Os fedelhos estavam dando um show. Sim, os chimpanzés eram mais fortes, mas basicamente só isso. Prestes a desistir da pesquisa, o Dr. observou um evento que traria um sopro de vida para seu trabalho.

Um dos pais precisou sair mais cedo, por isso adentrou a sala de testes para pegar sua cria. No exato momento em que a criança percebeu a aproximação do pai, errou um teste absolutamente banal de conexão entre cores e formas. O chimpanzé do outro lado da grade não teve dificuldades.

Avisado sobre sua necessidade de sair, a criança começou a emitir sons extremamente irritantes, além de chorar de forma excessivamente dramática. O pai ficou confuso por alguns segundos, e sem dizer uma palavra pegou a criança pelos braços, arrastando-a, aos berros, pelo chão. O garoto chutava e tentava escapar de todas as formas, o pai começara a gritar também. O chimpanzé, pouco impressionado, voltou-se para o outro lado da sua gaiola e começou a brincar com algumas peças coloridas.

A cena dantesca continuou até o exterior do prédio, o Dr. podia ouvir a criança e o pai berrando, feito símios, de dentro de sua sala. Percebendo a oportunidade, refez a maioria dos testes com os pais das crianças DENTRO do ambiente controlado. Mais uma vez sem os pais. Mais uma vez com os pais. Os resultados foram conclusivos.

CONCLUSÃO/PUBLICAÇÃO

Se fez experimentos, alguma conclusão tem que sair. Mesmo que seja inconclusiva. Não estou drogado, a questão é que não havia nenhuma garantia de provar a hipótese desde o começo. Por isso era uma hipótese. Mas conhecimento sempre tem sua utilidade. Aqui não é hora de deixar o ego falar mais alto e tentar criar significados grandiosos para sua pesquisa, a conclusão, assim como as evidências, fala por si. Uma boa conclusão fala sobre o assunto estudado baseada apenas em conhecimento validado pelos testes.

O problema aqui é que nem todas as pesquisas chegam de verdade à conclusão. Sabem aqueles estudos que pipocam no jornal a cada semana criando heróis e vilões da saúde? Aqueles que dizem que ovo faz mal e logo depois que faz bem? Eles não costumam ser estudos completos. Eles são HIPÓTESES validadas por uma etapa de observação um pouco mais caprichada. Os jornalistas não sabem muito bem o que é o quê e publicam hipóteses como se fossem conclusões.

Nem sempre o cientista quer esperar o processo completo para publicar. Publicar um estudo na fase de hipótese pode ser preguiça, mas é mais provável que seja um misto de necessidade de financiamento (a fase dos experimentos pode ser muito cara), colocação profissional e massagem no ego. Cientista costuma se medir pelo número de publicações, eles entendem quando é um estudo completo e quando é uma “prévia”. Jornalistas e pessoas “comuns” não.

Se ele não publicar, some para a comunidade. Nem todo mundo tem pai rico feito o Darwin e pode ficar escondido numa sala estudando plantinhas a vida toda (ainda bem que ele tinha, não me entendam mal…).

E se ele não publicar, como é que outras pessoas vão poder estudar e ajudar essas idéias a aumentar nosso conhecimento em geral? Seu estudo só é forte quando muita gente tenta te provar errado e não consegue. Seu estudo só é útil se outros cientistas podem expandir e aplicar suas informações em outros campos e especialidades. Publicar é saudável para a ciência, mesmo que gere algumas complicações para os leigos.

Tendo acesso ao estudo original, você consegue entender se ele está completo ou não. Sabem a notícia que pipocou na mídia sobre a relação entre celulares e câncer? Não foi um estudo completo. Foi uma análise de vários outros estudos que gerou uma hipótese razoável de ligação entre as duas coisas. Pra bater o martelo precisa de muito mais do que isso. Ninguém disse que você VAI ficar com câncer se usar muito o celular (embora eu ache bacana, esse povo fala demais…).

E eu nem estou batendo na Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, os caras estão fazendo o trabalho deles. A mídia que pula em todos os estudos como se eles fossem totalmente conclusivos.

Putz, o exemplo: Dr. R. Pilha apresenta então sua conclusão para a comunidade científica. Sem os pais na sala, as crianças eram mais inteligentes, com os pais, algumas esqueciam completamente a educação e perdiam de lavada para os chimpanzés. O mundo cai aos pés do brilhante cientista que provou, de uma vez por todas, que aqueles pais que deixam suas crianças encherem o saco de todo mundo em lugares públicos são menos evoluídos que um chimpanzé.

Nosso cientista do exemplo observou um acontecimento, gerou uma hipótese, testou e descobriu algo inesperado. Adaptou suas idéias às evidências e finalmente pode concluir algo de útil. E viva a ciência!

Para dizer que nemleu, para reclamar do exemplo dizendo que temos preconceito contra pais aqui no desfavor (não, os nossos foram excelentes…), ou mesmo para achar defeitos no que escrevi em nome da ciência (peer review: desfavor edition): somir@desfavor.com


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