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Flertando com o desastre: #precojusto

| Somir | | 45 comentários em Flertando com o desastre: #precojusto

RBD você, hein?Adoraria me manter completamente alheio aos assuntos que “bombam, uhu” no Twitter, mas como a mídia é preguiçosa e uma pauta baseada em cliques dentro de um site é pra lá de econômica, não tem mais como escapar.

A campanha de divulgação de um jornal disfarçada de movimento social Preço Justo se baseia na utilização de um abaixo assinado para pressionar o governo a baixar os impostos de importação. Bom, os impostos de importação aqui no Brasil são realmente absurdos, não se pode negar.

Mas essa campanha é claramente uma balela. E isso fica claro pela pessoa contratada (é campanha publicitária disfarçada, pagaram sim) para ser a cara do movimento: O famoso “mamãe quero ser rebelde” Felipe Neto.

Se fosse uma idéia séria, escolheriam alguém cuja opinião tenha mais peso. Fica na cara que mais um daqueles diretores de comunicação “super descolado” pegou alguém que geraria interesse do público jovem e emprestasse aquele ar “conectado” para o produto vendido (no caso, o jornal).

Felipe Neto é superficial e previsível demais até para a MTV, e olha que essa é uma acusação séria. Chamar um babaca desses para encabeçar um movimento supostamente sério evidentemente vai jogar contra a causa. A promessa dele é levar o abaixo assinado direto para a presidente assim que alcançar um número pré-definido de adesões.

Claro, um Zé Ruela que argumenta “Preço justo já nessa porra!” vai ser recebido com honras de chefe de Estado pelos políticos nacionais. Excelente idéia!

Ei, eu também uso palavrão, mas eles não são linha argumentativa. Mas deixemos esse assunto de lado, Felipe Neto é a mesma coisa que Justin Bieber e qualquer outro fenômeno adolescente para mim: Falar mal é fazer o jogo deles.

A última informação que li foi de que o abaixo assinado (virtual: vale muuuuito, viu?) já alcançou mais de 400.000 adesões. Evidente que não vai dar em nada, a idéia original era fazer propaganda e escolheram um mané para ser porta-voz.

Mas, porra… são quase meio milhão de pessoas concordando com a idéia. Não é uma estatística de se jogar fora! (Ok, como é online, é sim… difícil provar que não foi adulterado…)

O problema aqui é tanta gente achando que a coisa é tão simples como baixar impostos e fazer todo mundo feliz. Eu também adoraria que fosse só a maldade de algumas pessoas que me impedisse de comprar os equipamentos e softwares que vivo precisando por um preço justo.

E sim, eu me coloco num patamar de necessidade superior ao das ANTAS que querem pagar 10 vezes mais por um produto por causa de uma maçã mordida impressa no verso. Enfiem seus iPads no rabo! Mesmo sem imposto algum vocês estariam pagando demais por algo, deveriam achar “super cool” desperdiçar dinheiro. Vocês merecem toda a carga tributária do mundo. (E talvez uma doença crônica “não revelada” como a que matou a Lacraia… Só eu que ri quando li?)

Os impostos brasileiros são altos porque o governo gasta demais com bobagem? Sim. Os impostos brasileiros são altos só por causa disso?

Não. Tem tudo a ver com o resultado da bagunça que o nosso país sempre foi. Na prática os impostos de importação tem a função básica de arrecadação para a máquina pública, mas também servem como medida de proteção para a frágil e tosca economia de engenho tupiniquim.

Se os produtos importados chegarem aqui pelo preço justo, a nossa economia QUEBRA e vai faltar contracheque para pagar sua prestação das compras. A fábrica chinesa tem uma série de vantagens que a brasileira não tem, como não ter que lidar com uma das legislações trabalhistas mais paralisantes do mundo. A fábrica chinesa pode enfiar dez mil produtos a um real no nosso mercado antes da brasileira conseguir produzir mil a dez reais.

E as pessoas vão comprar essencialmente o que acham a melhor relação entre custo e benefício. Entre um importado bom e barato e um nacional bom e um pouco mais caro, vai o importado! Nem os americanos, com aquela mania de patriotismo, conseguiram convencer sua população a valorizar a indústria nacional em detrimento dos importados melhores e mais baratos. E olha que por lá a campanha é bem agressiva. Ser acusado de não ser patriota por lá é quase como ser acusado de ler um livro aqui no Brasil: Queima filme.

E se você está pensando que concorrência é saudável e um influxo de produtos importados pelo preço justo faria bem a nossa economia, pense de novo. Tocar qualquer negócio no Brasil é enfrentar o mercado consumidor, os concorrentes e o governo! Somos um país muito burocrático com uma dose alarmante de corrupção e incompetência.

Não é à toa que nossa economia ainda é muito primária (índio plantar soja, índio criar gado, índio quebrar pedra, índio cavar buraco) e dependente das flutuações de mercado. O Brasil produz e vende o ferro que faz o parafuso que compramos de volta cem vezes mais caro prendendo as peças de um notebook.

Sério, o nosso modelo econômico é um tiro no pé no mundo de hoje. E não podemos ignorar que coincidentemente o maior poder de lobby em Brasília é justamente o do setor primário. Bancada ruralista, cúpula das “estatais”… Fica bem claro porque não interessa mudar o foco.

Tudo bem que em outros países a coisa não é tão melhor assim (gente burra e desonesta é o tipo da coisa que ninguém precisa importar…), mas só do concorrente gringo ter que levar uma trolha a menos no rabo para competir no mercado, ele já passa muito na frente do nosso.

E o empreendedor brasileiro leva uma das piores trolhas do mundo com burocracia, taxação e é claro, a nossa podre legislação trabalhista. Contratar é caro, burocrático e inseguro. Grandessíssimo pau no cu ter que escolher entre crescer e contratar mais funcionários, mas é assim que a banda toca por aqui.

Você vai pegar a empresa nacional (ou multinacional com filial aqui) que já leva até cansar da máquina pública e dizer para ela que vai entrar um concorrente no mercado que pode fazer tudo o que ela faz pela metade do preço? Uma década, no máximo, para emprego bom no Brasil virar sinônimo de “vendo meu corpo para turista”. Estilão Cuba.

Concordo que é uma merda perceber que o preço de um produto que você quer é 100 lá e 300 aqui, mas não existe solução simples. Se uma campanha feito a #precojusto conseguir QUALQUER resultado, vai ser um placebo do tipo redução de 5% para iPad (os playboyzinhos só se importam com isso mesmo), compensado com minúsculos reajustes nos outros trocentos de impostos que pagamos.

Nem o mais bem intencionado dos políticos brasileiros poderia endossar uma campanha oportunista dessas com expectativa de algo além de auto-promoção. Por mais que a proposta suba, vai chegar em algum especialista com poder de decisão real que vai dizer que não tem o que fazer de verdade.

Se esse país fosse um pouco menos esperto e mais inteligente, não bateria de frente com uma reforma trabalhista para nos colocar nesse milênio de uma vez por todas. Mas todo mundo quer todas as vantagens… Governo paternalista e economia livre não costumam nem dividir a mesma frase.

Triste que mais de 400.000 pessoas acreditem num stunt publicitário desses, encabeçado por um babaca comprado e sem fundamentação econômica razoável. Quando não der em nada na prática (claro que vão fazer festa se ganharem alguma esmola, é bom para o jornal), vão continuar achando que a única coisa que impede esse país de ir para frente é um grupo de vilões em Brasília.

Se gritar pega ladrão, não fica um, mermão. Mas tem muito mais nessa história do que simplesmente “o homem querendo te sacanear”. O sistema está tão bagunçado que quebra as pernas até de quem quer ajudar. O Brasil precisa de reformas GRANDES que vão muito além de textos de leis, o povo precisa começar a perceber a diferença entre pirotecnia (abaixo assinado de Twitter) e dedo na ferida de verdade… (VERGONHA NA CARA de não aceitar essa economia que nada mais é do que uma versão em larga escala do que os primeiros habitantes dessa terra faziam… Trocando recursos naturais por badulaques brilhantes.)

Do jeito que vamos, Custo Brasil e #precojusto significam a mesma coisa. Estamos pagando justamente o que devemos.

Para dizer que o texto só foi legal até a parte que eu comecei a argumentação, para dizer que está se sentindo meio otário(a) por ter assinado, ou mesmo para escrever um tratado econômico discordando de mim (vou achar bacana, mas saiba que só eu vou acabar lendo…): somir@desfavor.com


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