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Flertando com o desastre: Politicamente Eclético.

| Somir | | 14 comentários em Flertando com o desastre: Politicamente Eclético.

A idéia por trás da imagem é genial. Ou não.A minha habitual falta de paciência com outros seres humanos acentua-se consideravelmente quando tenho que lidar com esse povinho que acha o máximo se dizer eclético em seus gostos artísticos, principalmente quando o assunto é música.

Pois bem, vamos logo ao objetivo: Se o seu gosto é eclético, você NÃO tem gosto. Você deveria ter vergonha dessa preguiça mental, e não orgulho. Uma PEDRA é eclética, já que também não demonstra escolha/preferência em relação aos impulsos externos.

Ser eclético é tão característica vazia quanto ser humilde. E da mesma forma, uma infinidade de seres humanos preguiçosos cismam que isso os torna especiais. Se falamos de música, o eclético é aquele que escuta qualquer coisa que tocar na rádio sem nenhuma objeção. Escuta basicamente o que as gravadoras pagam para ser tocado, e gosta do que lhe é dito para gostar.

Embora a tentação seja grande, não é meu objetivo dizer que o MEU gosto musical específico deveria ser generalizado, a questão é que ser chamado de elitista intolerante e preconceituoso por um bando de pessoas que nem mesmo GOSTAM de música enche o saco. E nem é por ter problemas com o papel de vilão… Imagina-se que uma discussão deva ocorrer entre pontos-de-vista diferentes, mas quando se trava uma conversa musical com um eclético, fala-se com as paredes.

Imagino que alguns de vocês, os que enchem a boca para propagandear uma característica presente em objetos inanimados, devam ter se incomodado com a minha afirmação sobre ecléticos não gostarem de música.

Pois bem, reproduzirei algumas frases clássicas da turma que gosta de tudo:

“Não tenho preconceito, escuto o que tiver tocando…”

Ok, em primeiro lugar, essa frase é idiota. A não ser que você seja surdo, você vai escutar o que estiver tocando. Se uma pessoa aprecia por igual QUALQUER estilo de música, devemos reduzir todos eles ao menor denominador comum: Ritmo. Uma sinfonia tem seu ritmo, um rock tem seu ritmo, até mesmo o funk carioca tem um ritmo. E por ritmo eu quero dizer algum elemento sonoro minimamente repetitivo reconhecível como um padrão pelo cérebro humano. Um relógio de corda tem ritmo.

Está programada na sua mente a capacidade instantânea de captar e tentar prever padrões. Como isso está intimamente ligado ao funcionamento geral do raciocínio humano, era de se esperar que qualquer tipo de som repetitivo fosse processado com razoável prioridade. Ritmos chamam nossa atenção.

E se você está pensando que vai dizer que ninguém fica escutando relógio de corda achando que é música, deveria escutar mais música eletrônica. O que diferencia é a complexidade do padrão… Um tic-tac se torna muito previsível em pouco tempo, uma música (por pior que seja) tem muito mais “entulho sonoro” para manter o cérebro ocupado.

A pessoa que acha qualquer música interessante está presa na forma mais simplória do processamento de informação possível nesta situação. Não é gosto musical, é a busca de padrões.

Se você escuta o que estiver tocando, não é por gostar de música.

“Música tem que ser boa de dançar!”

Não, não tem. Dançar é uma atividade à parte. Música é para ser ouvida. Quem trata música como trilha sonora para uma atividade esportiva está simplesmente se aproveitando do ritmo para organizar melhor sua coordenação motora.

Se uma música não pode ser apreciada da mesma forma com o ouvinte em repouso, nada mais é do que um “ritmo com entulho”. E eu nem estou reclamando do povo que gosta de dançar… É um esporte que pode exigir níveis altíssimos de coordenação e concentração nas suas variações mais complexas.

Ah sim, alguém pode estar estranhando… Dança é esporte e não arte. A lógica é bem simples: A forma física dos praticantes é DIRETAMENTE PROPORCIONAL à qualidade do resultado final. Da mesma forma que uma partida de futebol seria terrível só com balofos em campo, um grupo de dança de obesas também não agradaria aos espectadores.

Claro, pode-se argumentar sobre dança interpretativa, mas a comparação permanece: Se dança “comum” são as olimpíadas, dança interpretativa são as paraolimpíadas.

Depois desse leve desvio, voltemos ao foco:

Você não está fazendo uma afirmação de qualidade musical ao dizer que gosta de dançar. São coisas diferentes que combinam em situações específicas.

“Tem muita música boa em estilos diferentes…”

É uma afirmação vazia se você não tem referenciais do que NÃO é música boa.

Atenção para o (raro) fato de eu não estar excluindo a possibilidade de gostos diferentes terem o mesmo nível de profundidade. Um fã de sertanejo tem a sua linha para definir o que é melhor e o que é pior, mesmo que alguém como eu vá dizer que todas são ruins. Mas essa pessoa pelo menos GOSTA de alguma coisa em detrimento de outra. É uma opinião com conteúdo (mesmo que seja um conteúdo pra lá de corno…).

Depois de dizer que há qualidade em todos os estilos musicais, deve-se ter pelo menos a capacidade de reconhecê-la. E o eclético só escuta o que mandam ele escutar… Quem garante que a música “paga para tocar” que ele conhece é mesmo de qualidade?

Não é possível que alguém que simplesmente não se importa em escolher o que vai ouvir GOSTE de música. Não é uma função fisiológica inescapável, escolha está no âmago da questão. Se nem isso você quer fazer, não deveria fazer juízos de valor sobre as decisões de outros. Tipo da pessoa chata sem opinião que quer que os outros também não tenham… Sabe aquele ser IRRITANTE que interrompe discussão alheia para dizer que acha o assunto chato?

Esse povo gosta mesmo é da reconfortante sensação de não ter de sair de cima do muro para evitar críticas. Afinal, duvido que alguém consiga apontar falhas numa opinião inexistente.

“Eu me divirto em muito mais situações…”

Eu também me divertiria em muito mais situações se fosse bissexual, mas isso não é argumento para que eu comece a dar a bunda! Uma pessoa não precisa vivenciar todo o leque de opções oferecidas pela vida. Principalmente se isso for resultado direto de se tornar uma massa amorfa de gostos guiados pela aceitação alheia.

Seus gostos são resultado direto de opções e histórico de vida. A graça do mundo está nas diferenças entre as pessoas. É muito mais interessante conhecer e conviver com quem não está simplesmente fingindo que é mais agradável do que realmente é.

Sem contar que essa postura “gosto de tudo” evita uma das melhores formas de formar laços com outras pessoas: Desgostos similares. Eu já conheci muita gente bacana com gostos parecidos, mas as mais interessantes sempre foram as que não gostavam das mesmas coisas que eu não gosto.

Gostar de algo é muito complexo de se definir. Não é incomum que uma pessoa não consiga explicar por que algo lhe agrada. Mas no sentido oposto ocorre o inverso: Quem não gosta de alguma coisa quase sempre sabe explicar o motivo. A comunicação flui muito melhor quando se reclama em conjunto.

A pessoa eclética, na sua ânsia de não se comprometer, torna suas relações mais superficiais. É fácil se divertir em mais situações se o cérebro ficar sempre no “automático”. Não consigo enxergar isso como vantagem…

Se você quer apenas “fazer uma social”, não precisa gostar de música.

A lista de chatices vai longe, mas são apenas iterações dessas idéias.

Assim como eu disse num texto anterior que humildade é a qualidade de quem não tem qualidades, estendo: Eclético é o gosto de quem não tem gostos.

Então vamos fazer o favor de parar de pentelhar as pessoas que ASSUMIRAM O RISCO de decidir o que acham bom ou ruim com essa idéia babaca de que só está certo quem gosta de qualquer porcaria composta de “ritmo e entulho sonoro”.

A pessoa só gosta de rock e acha samba uma porcaria? Ela tem uma opinião. A pessoa gosta de pagode, rock e odeia música eletrônica? Ela tem uma opinião. A pessoa gosta de “pop” e não tem o menor interesse no resto? Ela tem uma opinião. A Sally gosta de axé, funk e odeia as “músicas de nerd” que eu gosto? Ela tem uma opinião (que me mata de desgosto).

A pessoa escuta qualquer coisa sem diferenciá-las? Então não enche o saco! Você não queria ser agradável a qualquer preço? Faça por onde e aceite que não tem nada de especial nisso.

Nem o Goiaba, meu gato, é eclético: Se eu tacar um Cannibal Corpse no som aqui, ele sai correndo. Fresco, mas pelo menos tem uma opinião! Já a parede parece encarar tudo numa boa.

Para dizer que gostou do texto porque gosta de todos os textos que lê, para dizer que só não vai comentar porque pode ser criticado(a) depois, ou mesmo para dizer que eu pratico crueldade animal musical: somir@desfavor.com


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