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Flertando com o desastre: Funk carioca.

| Sally | | 46 comentários em Flertando com o desastre: Funk carioca.

O que você pensaria de uma gorda horrenda que se olha no espelho e, ao se ver gorda e horrenda, fica com raiva, culpa o espelho e ainda chuta e quebra o espelho? É justamente isso que eu penso do brasileiro quando mete o pau no funk. Essa é a realidade do nosso país. Não gostou? Não chute o espelho. Faça por onde mudar esta realidade. Entendo quem expressa não gostar de funk como opinião pessoal, o que eu não entendo é quem desmerece o funk carioca como expressão legítima da cultura brasileira. Goste você ou não, é uma manifestação da nossa cultura, não tem como negar. Chupa essa manga!

Funk tem o mesmo valor cultural de MPB, Bossa Nova ou qualquer outra “música popular brasileira”. É uma música que surgiu para relatar a realidade de um certo grupo social. Enquanto a realidade de uns é “gosto muito de te ver, Leãozinho”, a de outros é “No mundo que eu vivo não vale a pena ser fiel, quem vive de amor é dono de motel” (Mc Loscar, Dono de Motel). Ambos são pessoas que relatam suas realidades através de música. Se você gosta mais de uma realidade do que da outra ou se você se identifica mais com uma realidade do que a outra, direito seu. O que não pode é achar que MPB é cultura e funk é lixo. Funk é uma expressão cultural legítima, gostando você ou não, sendo musicalmente bom ou não.

Todos tem o direito de expressar sua realidade através da música ou da arte. Só faltava essa! Além do sujeito viver em um estado de segregação miserável, sem os mínimos subsídios, ainda lhe é negado o reconhecimento de sua expressão cultural! Dá uma tela com todo tipo de pintura e pincéis e anos de aula de pintura a uma pessoa e manda pintar um quadro, depois pega outra pessoa e dá uma folha de papel, uma aquarela e manda pintar com o dedo e depois compara um com o outro! Covardia comparar quem nunca teve instrumentos para se aprimorar, né? Quando Marisa Monte canta “Molha eu! Seca eu!” é licença poética, quando Mc Roba Cena canta “Mas É EU que vou escolher, a melhor posição” (MC Roba Cena, Catucadão) é um imbecil, ignorante, analfabeto.

Funkeiro é tudo bandido sem noção e promíscuo, né? Quando Chico Buarque é flagrado beijando uma mulher casada em plena praia do Leblon é um homem sedutor e irresistível, fosseum funkeiro a sair com uma mulher casada é baixo nível mesmo. Não se pode julgar em condições de igualdade quem está em condições fáticas desiguais. Vamos parar de meter o pau no funk e pensar que, dentro do que é possível na vida dessas pessoas, eles até que estão mandando bem, porque mesmo sem ter porra nenhuma de nada, alguns conseguem até sucesso internacional.

Funk é diferente de MPB. DIFERENTE. Não sei de onde as pessoas tem a pretensão de dizer se é melhor ou é pior. Você pode dizer se você gosta mais ou gosta menos, mas não pode afirmar que é melhor. MPB tem romantismo, sutilezas e poesia (coisas que eu abomino), enquanto funk tem realidade nua, crua e sangrando, não raro palavrões e conotação sexual em suas letras. Acho honesto. O morador da periferia não tem condições de elaborar jogos de palavra, metáforas ou qualquer outro tipo de escrita sofisticada, ele se expressa como sabe e como pode. Então, quando Gilberto Gil expressa seus sentimento mais íntimo dizendo “Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria, Que o mundo masculino tudo me daria, Do que eu quisesse ter, Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara, É a porção melhor que trago em mim agora, É o que me faz viver” e quando Mc Luan canta “Quer fidelidade, arruma um cachorro, Quer romance, compra um livro, Quer amor, Volta a morar com seus pais mulher, É só pentada violenta, pentada violenta, na hora do amor, o Luan te arrebenta” (Mc Luan, Pentada Violenta) está igualmente expressando seus sentimentos, diga-se de passagem, muito mais macho que Gil.

Essa coisa vira-lata de brasileiro que achar erudição sinônimo de superioridade, qualidade e cultura. Ora, tem letras de MPB que se você parar para analisar, parecem ter sido escritas por uma criança de cinco anos de idade, assim como existem letras de funk que se fossem inseridas em uma melodia mais palatável estariam estourando nas rádios (porém estas não vem ao caso, afinal, estamos na Semana Baixo Nível). O ponto é: baixo nível ou não, funk é uma manifestação legítima, muito mais verdadeira do que muita música de MPB. Da mesma forma que Raul Seixas diz: “Amor só dura em liberdade, O ciúme é só vaidade. Sofro, mas eu vou te libertar, O que é que eu quero Se eu te privo Do que eu mais venero Que é a beleza de deitar” Valesca Popozuda diz “Fiél é o caralho, você é empregadinha! Lava, passa e cozinha mas a pica dele é minha!!!” (Gaiola das Popozudas, Fiel é o Caralho) ou ainda Mc Leandro e as Abusadas cantam “Prepara sua cabeça, que lá vai um par de chifre”. Eu gosto das coisas assim, sem rodeios nem floreios. Isso me faz uma ignorante? Talvez (vem escrever diariamente textos sobre tudo para ver se você faz melhor…). Mas isso não apaga o fato de que funk é tão Música Popular Brasileira quando bossa nova.

O fato de ser considerado “baixo nível” não quer dizer que não seja uma manifestação cultural legítima. Muito conveniente pensar que tudo aquilo que é baixo nível está automaticamente excluído da categoria “arte” ou “cultura”. O ser humano tem necessidade de falar ou expressar sua realidade para elaborar seus sentimentos. Em tempos de ditadura militar, a MPB expressava seu sofrimento com a repressão através de músicas como Cálice. Em tempos de guerra nos morros, violência, tráfico, assassinatos diários, crimes, tortura e outras barbáries, o funkeiro expressa seu sofrimento em letras como “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar” (Cidinho e Doca, Rap da Felicidade – a letra é uma forte crítica social, vale a pena ler).

Quando sofrem por amor, os românticos da MPB cantam sua musa em prosa e verso, com toda a instrução que lhes foi permitida, em bons colégios com acesso a literatura, estímulo e oportunidade para estudar. Quando fala de amor, o funkeiro retrara sua realidade brutalizada, discriminada. Por que? Porque ele é promíscuo, safado, galinha? Não, as pessoas simplesmente esquecem que essa forma de se expressar não é uma escolha. Se vocês tivessem nascido e se criado no meio de uma favela barra pesada provavelmente também se expressariam assim.

Ouviram? NÃO É UMA ESCOLHA, essa é a realidade deles, quase que em um sistema de castas, à qual a maior parte está condenada e apenas uma minoria conseguirá sair – e tarde demais, porque sua personalidade já estará formada, moldada neste padrão tosco. Então, quando Caetando canta “Um amor assim delicado, você pega e despreza” todo mundo suspira e quando Valesca canta “E aí seu otário, Só porque não conseguiu fuder comigo Agora tu quer ficar me difamando né? Então se liga no papo No papo que eu mando Eu vou te dar um papo Vê se para de gracinha Eu dô pra quem quiser Que a porra da buceta é minha” é execrada, sem levar em conta a realidade social e brutalidade do meio onde ela se criou.

“Mas Sally, eu conheço pessoas de baixa renda que não tratam sexo com tamanho desrespeito, banalidade e vulgaridade, não é porque a pessoa é pobre que tem que ser assim”. Depende do meio onde ela foi criada. Porque pobreza é uma coisa, marginalização é outra. Uma criança criada em uma casa de um único cômodo onde os pais faziam sexo na sua frente, onde muitas vezes o pai fazia sexo com as filhas, onde existiam estupros recorrentes na comunidade, onde a relação homem-mulher está associada a tudo, menos a afeto, talvez não tenham escolha em pensar e se expressar assim. Fácil julgar quando se está de fora, quando se teve todos os subsídios para uma existência digna. Que bom que nem todos sejam contaminados por esse “baixo nível”, mas compreendo perfeitamente aqueles que sucumbiram. É cruel exigir aquilo que a pessoa dificilmente pode te dar, não por culpa dela. Em vez de meter o pau no funk, vamos votar certo, que tal?

Porque endeusar tanto a sofisticação? Sofisticação é uma coisa brega, meio anos noventa ou coisa de gente esnobe tipo o Somir. Vivemos em um mundo de aparências onde a putaria está comendo solta, os valores estão indo para a casa do caralho, a ética está agonizante e Dilma vai ser Presidente da República. Eu quero mais é escutar “Deixa, deixa, deixa arder” do que fingir que está tudo bem, tudo phyno e fica ao som de “caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, aos sol de quase dezembro…”. MPB representa uma parcela mínima do país. O funk sim é a cara do Brasil. E não digo isto com orgulho não! Mas se você não gosta que o funk seja a cara do Brasil, faça sua parte para mudar a realidade do seu país, ou mude a SUA realidade (aeroporto djá!) O que não vale é negar a representatividade do funk. Só porque ele não TE representa não quer dizer que não represente a maior parte das pessoas do seu país. Chora neném, o Brasil é a cara do funk.

Curioso que, via de regra, as pessoas que se mostram mais incomodadas com as baixarias do funk e pagam de finas são as que tem as maiores baixarias em suas vidas pessoais e profissionais. Porque, vamos combinar, se incomoda TANTO, é porque tem algo que reflete e dói. Nada incomoda a toa.

Pior ainda quando o discurso é para tentar convencer que quem dança funk leva má fama. Sempre tive uma teoria: só tem medo de parecer vagabunda a mulher que efetivamente o é. Quem é segura de si e sabe que jamais passará por vadia, não tem medo de dançar funk. Talvez não dance porque não gosta (respeito e admiro), mas jamais se recusará a dançar porque não quer que achem que é piranha. Eu me garanto, eu posso colocar a mão no joelho ao som de “Sou cachorrona mesmo, late que eu vou passar, agora eu tô solteira e ninguém vai me segurar – Daquele jeito!” que bastam dez minutos de conversa comigo e qualquer pessoa saberá que eu não sou uma vagabunda. Caso a pessoa não se preste a conversar e fique com a impressão de que eu sou uma vagabunda apenas porque me viu dançando funk, bom, que fique mesmo longe de mim, gente assim não me interessa e quem quer distância sou eu.

Não estou pedindo para GOSTAREM de funk, estou pedindo para que o aceitem como modalidade de música popular brasileira, como manifestação cultural legítima de um grupo da sociedade. Seria ideal que este grupo tivesse melhores condições e fizesse músicas refletindo uma realidade menos baixo nível? Claro! Mas infelizmente nossa realidade atual é essa. Negar o status de manifestação cultural legítima só porque não é do SEU GOSTO é arrogância.

Atenção chegô chatuba, hein
Atenção chegô chatuba, hein
Vâmo esculachá

Para dizer que isto é ainda pior do que peido, Dilma e zoofilia juntos, para mandar o Somir filtrar melhor o que publica aqui e para dizer que se funk é cultura uma meleca sua na parede é arte: sally@desfavor.com


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