Desfavor Explica: Imortalidade (3).
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Previamente, no Desfavor: Imortalidade, parte 2.
Terminando a série sobre o assunto, hoje escrevo sobre o que impedirá a imortalidade da espécie humana, mesmo que os tratamentos para enganar a morte já estejam disponíveis nas próximas décadas.
E tudo tem a ver com disponibilidade de recursos. Mas primeiro, precisaremos de um pouco de mágica…
Imagine que você receba (invente a fonte que quiser) um poder incrível: O de curar QUALQUER ser humano. Não há nenhum limite para o que você pode fazer por uma pessoa: Câncer, vírus, amputações e todo o tipo de mal que possa afligi-la. Basta que você toque a pessoa para o processo de cura começar.
Mas esse poder vem com um “porém”. Você precisa manter o contato com essa pessoa por uma hora ininterrupta, e ainda por cima fica esgotado fisicamente após o processo. Pouco tempo depois de receber a dádiva, você vai até um parente ou amigo doente e faz a sua mágica, salvando essa pessoa da morte certa. Uma hora de trabalho e a necessidade de um lanche e uma soneca após parece um preço minúsculo em troca do bem estar de uma pessoa querida.
Até aquele momento, tudo vai bem. Mas como vocês devem imaginar, surge uma questão ética: Contar ou não para outras pessoas que você detém este poder? Julgar ou não quem merece sua ajuda? Utilizá-lo ou não para conseguir lucros e vantagens na vida?
A “piada cósmica” aqui é que o caminho mais nobre é justamente o que vai estragar tudo mais rápido. “Mais rápido” sim. Porque uma situação dessas jamais poderia acabar bem, questão de disponibilidade de recursos.
Imaginemos que você não consegue se conter e sair curando gente pra tudo quanto é lado e se deliciando com o súbito amor da humanidade por sua pessoa mágica. Gente desesperada ficaria sabendo do que você é capaz em questão de dias (senão de horas) e pode ter certeza que sua agenda ficaria ocupada por anos, considerando apenas as pessoas que acreditam no que você pode fazer só pela necessidade de se agarrar em uma última esperança.
Não podemos esquecer que o poder tem um custo. Não só de tempo como de energia do próprio corpo despendida no processo de cura. As limitações obrigatórias te forçariam a tratar no máximo uns 12 pacientes por dia (sem dormir), de uma lista de espera que em pouco tempo passaria dos milhares. Lembremos que diferentemente da vida real, nessa realidade paralela o poder existe e poderá sem comprovado até mesmo pelos mais céticos cientistas.
Milhares de pessoas morrem como resultado de doenças e acidentes todo minuto no planeta. E você poderia salvar todas numa situação ideal. O poder começa a pesar DE VERDADE. Você começa a tratar mais pacientes por dia (por bem ou por mal), sendo que pelo menos a cada 12 horas você precisa ao menos usar o poder em benefício próprio para não sucumbir ao esforço excessivo.
Mas toda sua estafa física e mental não é suficiente para lidar com a demanda. Você já está obrigado a delegar a função de escolha de quem precisa mais dos seus poderes para outras pessoas. Escolha essa que já estava imposta logo quando não sobrou mais tempo para atender todos os que pediam sua ajuda da primeira vez.
Quais seriam os critérios para as decisões sobre a vida ou morte dessas pessoas? Seriam eles justos? O que pensariam de você depois que você tivesse negligenciado uma pobre criancinha, sem mesmo saber que ela existia?
Mais importante ainda, você precisa de outras pessoas para fazer tudo por você, falta tempo e energia para viver normalmente. Você precisa, acima de tudo, de segurança. Poucos vão esperar pacientemente com um filho moribundo nos braços enquanto você toma um merecido banho após ficar fedendo por uma semana. A tendência mais realista é que sua fila de espera se torne uma guerra e vários tentem te coagir a ajudá-los primeiro.
Você finalmente percebe que a dádiva é uma maldição. Você deixa de ser uma pessoa e se torna a esperança de uma espécie. Não é possível que exista paz para você ou para o resto do planeta enquanto você existir.
Eventualmente você vai “esquecer” de usar seus poderes para se curar da estafa. Isso se não for vítima de um atentado ou estopim de uma guerra mundial antes.
Eu tenho uma teoria, aliás, eu sempre tenho uma… O que realmente mantém as pessoas miseráveis razoavelmente dóceis em relação aos seus exploradores é a visão de outras pessoas miseráveis. A revolta é resultado direto de pessoas que enxergam injustiças em escala pessoal. Se todos ao seu redor são pobres, é normal ser pobre. Se só ela é pobre, ela pode mais.
A única forma de manter um poder de cura como o do exemplo é manter a maioria da população “no escuro” sobre o assunto. Assim elas continuam se resignando à morte. Mas a partir do momento em que surge uma possibilidade real de reverter algo que julgavam irreversível, pouca coisa ficaria no caminho delas entre o desengano e a esperança.
O problema recairia sobre a incapacidade do poder de cura atender a todas as pessoas que necessitam dele. E já que tratamos de um serviço aqui, tempo também é um dos recursos necessários para a realização da cura.
Uma pessoa teoricamente escrota simplesmente colocaria um preço absurdo no serviço, tentaria se manter longe da mídia e contrataria um pequeno exército para proteger seu esconderijo. Com uma dose absurda de sorte, esta pessoa poderia continuar curando pessoas enquanto continuasse viva. Não teria ajudado exatamente quem mais precisa, e sim quem pagasse mais.
E, novamente, a ironia. Sendo escrota essa pessoa ajudaria mais seres humanos no decorrer da carreira, e ainda por cima seria tão justa quanto a que não tentou limitar sua mágica a quem pudesse pagar. O motivo é simples: Com a quantidade de pessoas que surgiriam caso o poder se tornasse público, além da necessidade de terceirização da triagem, certeza que a pessoa mais nobre acabaria ajudando os mais ricos e os mais inescrupulosos. (Onde tem gente, tem propina e golpe.)
E não vamos nos enganar: O discurso de que aceita a morte e a “vontade divina” desaba quando a água bate na bunda. Só fanático-bomba continuaria morrendo feliz.
Voltemos ao campo do possível. E percebamos que a chance de algum desses poderes mágicos existirem de verdade é nula, por causa da comoção e comprovação HONESTA científica que resultaria de algo diferente dos charlatões e iludidos que infestam o mundo.
Lembram que o assunto é imortalidade? Pois é. Como já foi dito na segunda parte do texto, o processo previsto para alongar nossa vida indefinidamente dependeria de uma série de tratamentos, que exigiriam manutenção constante. O que na prática quer dizer um custo exorbitante. Não só financeiro, já que a tendência é a popularização das tecnologias.
O custo seria pesado na parte de recursos que não cabem na carteira. Desde matéria prima para altíssima tecnologia (que está acabando nesse mundo, ainda falo sobre isso) até mesmo o tempo necessário para tratar as pessoas que não querem envelhecer e morrer.
Imaginemos agora então que a primeira clínica de rejuvenescimento (de verdade) comece os tratamentos em caráter experimental. Não estarão oferecendo um peito maior ou uma cútis mais lisinha, estarão oferecendo um dos desejos mais antigos da humanidade, assim como a solução para talvez o maior dos medos de toda uma espécie.
Mesmo que cobrem os olhos da cara, ainda teremos uma fila de espera de milhares (ou mesmo milhões) de pessoas doidas para conseguir o objetivo da vida eterna. E nem se deve contar o número de pessoas que vão tentar ser “cobaias” sem desembolsar um tostão.
Vocês realmente acham que isso acabaria bem? Vagas limitadíssimas para um desejo quase que universal? Vagas que jamais se tornariam menos limitadas de acordo com a popularização do serviço.
Por mais que seja uma frase escrota, é a mais pura verdade. Já gastamos uma enormidade de recursos para saciar os desejos de uma parcela irrisória da população mundial. Não é viável (não cabe na conta dos recursos mundiais) que todas as pessoas alcancem um padrão de vida compatível com o dos países ricos. O mundo não aceita 7, 8 bilhões de pessoas. Não existe algo que polua mais do que fazer filhos…
Pois bem. Um tratamento de vida eterna não cabe na conta dos recursos mundiais com toda a humanidade como pacientes. Não dá tempo, não dá para construir a tecnologia nessa escala, não existem matérias-primas para a parte química do processo.
E convenhamos, caso não traga lucro para quem o ministra, o tratamento anti-morte não se populariza. Uma pequena elite vai se tornar imortal primeiro. Uma segunda leva vai seguir os passos dos mais ricos… E assim, sucessivamente até que atinjamos o limite de custo/benefício. Sem medo de errar: Boa parte da população mundial vai estar fora deste limite.
Talvez a Suécia consiga estatizar o processo. Mas a Índia não vai conseguir. Simplesmente não vão ter COMO viabilizar. E aí que a imortalidade desaba. Imaginemos um mundo onde temos mortais e imortais. Imaginemos um mundo onde pessoas de 200 anos de idade jogam tênis em resorts de luxo enquanto são servidas por pobres empregados que sabem que no máximo vão conseguir uns 20 anos a mais se juntarem quase todo seu dinheiro. E esses 20 anos os colocariam mais ou menos na expectativa de vida dos ricos antes da imortalidade virar uma opção.
Imagine nações ultra-populosas tendo que aceitar caladas que pequenos paraísos de gente branquinha são imunes à única certeza na vida que seus cidadãos tem. Imagine essas nações ultra-populosas tomadas por cada vez mais fanáticos religiosos.
Existem diferenças sociais e existem situações insustentáveis. Terceira (ou Quarta, vai saber) Guerra Mundial ou seu dinheiro de volta.
Para evitar que a fila de pessoas esperando ação do curandeiro chegue ao seu limite de civilidade, a única solução plausível é esconder o poder da população geral pelo máximo de tempo possível. Mas isso não deve acontecer. Tem coisa que é grande demais para ficar escondida.
Enquanto tiver gente morrendo de fome nesse mundo, imortalidade não é uma opção. Não deixo de imaginar uma analogia com aquelas pessoas que construíram suas casas em cima de um lixão.
Para dizer que está feliz que o assunto finalmente morreu, para me perguntar se eu usaria meus poderes de cura para dizer que era um mutante e combater o mal, ou mesmo para me dizer que daqui a 500 anos estaremos rindo desta postagem: somir@desfavor.com
Aqui só tem ateu!
Não, aqui tem de tudo, até pessoas evangélicas
"Pode haver um dia a possibilidade de enganar a genética e a morte."
E viver por um bom tempo com um corpo de 80 anos? Não, obrigada…
Já tenho quarenta quase e não consigo praticar mais esportes como queria…qual a vantagem de viver 120, 150 anos?
Aí sim, concordo com o Somir, prolongar a vida além do natural e ter filhos são as piores formas de poluir o planeta.
Suellen
EU falo sério… alô pessoas do futuro. viu? a gente sabia e não saiu por ai pexando
Não tem filé pra todo mundo? Por enquanto!
Vc lembra quando ter celular era coisa de rico? Hoje em dia qualquer mané tem 2 ou 3. Internet, idem e mais uma série de coisas…
Pode haver um dia a possibilidade de enganar a genética e a morte. No início vai ser só pros ricões, mas depois a pobralhada ou então a classe média vai entrar na parada.
Com tudo é assim. Aguarde e verás…
"Quem éhhhh imortalllll"
"Não morre nu finauhhh"