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Desfavor Explica: Negação Científica.

| Sally | | 25 comentários em Desfavor Explica: Negação Científica.

A diferença é que a homeopatia dá mais dinheiro...

Costumo brincar dizendo que a sociedade sempre oscila em movimentos pendulares: vai de um extremo ao outro em matéria de comportamento em questão de décadas ou às vezes de anos. Quando você reprime demais um comportamento, as pessoas se revoltam e tendem a lutar pelo oposto. Os bons tiranos observam esta babaquice humana e usam pura psicologia infantil de massa para induzir seu povo a fazer o que ele, tirano, quer, achando que estão fazendo o que eles (povo) querem. Aperta aqui, que eles vão querer soltar dali. Pois hoje venho falar de um fenômeno que julgo ser fruto desse movimento pendular. É a chamada negação científica.

Se poucas décadas atrás as pessoas confiavam cegamente nos médicos e na ciência, isso hoje não é mais verdade. Perguntem a seus avós ou bisavós: antigamente quando uma pessoa ficava doente e o médico era chamado na residência do doente e quando ele chegava, parecia que estava chegando o Presidente da República. Era recebido com honras e deferências. Os médicos eram deuses, eram vistos com uma admiração absurda e suas indicações eram seguidas cegamente como se fosse lei. Os profissionais abriam a boca para dizer “Eu sou médico” com o mesmo orgulho que hoje abre a boca um jogador de futebol para dizer “Eu sou da Seleção”.

Muita coisa contribuiu para que o médico (e quando falo em médico, me refiro também à ciência) fosse desacreditado e virasse essa figura que se arrebenta em quatro plantões para ganhar muitas vezes menos que um gari. Acabou o glamour da medicina. Em parte pela arrogância e pelos excessos dos próprios médicos: uma talidomida aqui, um erro médico ali, uma opinião contraditória acolá e, ao longo dos anos, a imagem superior do médico ruiu. Difícil ver um médico que tenha a humildade de dizer “Eu não sei o que você tem”. É sempre estresse ou uma virose quando eles não sabem. Esse tipo de coisa vai minando a credibilidade da medicina.

A ciência também vem se contradizendo. E não falo só de remédios. Por exemplo, durante anos fomos bombardeados com um papo de que manteiga e ovo eram ruins. Daí todo mundo compra margarina (que tem gosto de sabão, puta merda) para depois dizerem que não é bem assim, que na verdade manteiga acaba sendo menos ruim que margarina e que agora a vilã é a gordura trans. O vinho, que também já foi bandido, hoje é não apenas aceito, como recomendado. E o ovo? O ovo ganhou classificação de “super-alimento”. Dá para decidir de uma vez o que é bom e o que é ruim?

O excesso de informação disponível via internet também retirou um pouco da imprescindibilidade do médico e da ciência, já que hoje todo mundo consulta o Dr. Google e acha que resolve o problema. Sem contar na massificação de instituições de ensino de quinta categoria, que formam profissionais que passaram na prova prática colando os tendões que cortaram com superbonder.

Enfim, estes e outros fatores que não cabem aqui fizeram com que a medicina e a ciência não sejam mais os mesmos. Sua credibilidade ficou abalada. Com isto, vem surgindo um movimento de descrédito da medicina e ciência que eu apelidei de negação científica (se já tem outro nome, eu não sei).

Não pensem vocês que este movimento de negação científica é composto por uma meia dúzia de hippies não, eles já formam uma parcela significativa da população. É gente que se recusa a vacinar seus filhos, porque “não acredita” nas vacinas ou pior, acha que elas causariam outros males, como o autismo, por exemplo. É gente que se recusa a tomar antibióticos, porque acha que é tudo uma enganação da indústria dos remédios. E pasmem, tem gente instruída até defendendo que o HIV não causa AIDS.

“Mas Sally, as pessoas tem o sagrado direito de serem imbecilóides, se não querem se tratar, deixa eles morrerem! Prêmio Darwin neles!”. Pois é, só que não é tão simples assim. Pessoas negadoras acabam prejudicando pessoas sensatas como eu e você.

Dados colhidos de uma publicação médica: devido ao discurso imbecilóide de que vacinas poderiam causar autismo, o número de vacinas contra sarampo aplicadas no Reino Unido começou a cair preocupantemente. Resultado? No ano de 2008, o sarampo voltou a ser endêmico, 14 anos depois de estar praticamente desaparecido. Dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde: a Europa não vai conseguir erradicar a doença até o fim deste ano. Sabe porque? Porque simplesmente o número de pessoas que estão sendo vacinadas é muito baixo. Eu posso com isso? Aqui tá cheio de gente que rala e faz fila para conseguir uma vacina e lá neguinho tem com facilidade e fica nesse cu doce para tomar!

Outra situação: um negador é hospitalizado com uma doença bacteriana qualquer e lhe são administrados antibióticos injetáveis durante sua internação. Ele melhora, tem alta e lhe são prescritos antibióticos via oral para continuar o tratamento. O imbecilóide não toma seus antibióticos via oral em casa, para dar continuidade ao tratamento, porque nega os benefícios mais que comprovados deste remédio. Com isso, pode criar bactérias resistentes ao antibiótico, já que a dose do hospital não foi suficiente para matar todas e as que sobreviverem e se multiplicarem serão imunes a este remédio. Daí passam os supergermes imunes a antibióticos para pessoas como eu e você, que sempre tomaram sua amoxilina ou azitromicina religiosamente. Ninguém merece.

Você sabia que um em cada três americanos não crê na teoria da evolução? Você sabia que mais da metade dos habitantes dos EUA se dizem contra a vacina do H1N1? Curiosamente, os mesmos que duvidam de tudo que venha da ciência e medicina, são os mesmos que caem na armadinha de tomar bolinhas açucaradas, florais e pozinhos homeopáticos e achar que com isso resolvem suas vidas. Vai me desculpar quem gosta, simpatiza ou trabalha com isso, mas eu tenho horror à homeopatia. Existem centenas de artigos científicos bem consistentes que indicam que é fraude mesmo. Placebo. Enganar o paciente enquanto o corpo se cura sozinho ou fazer o psicossomático agir. E nem tentem me xingar ou me convencer nos comentários, o tema não é esse (ficaadica, Somir: Flertando com o Desastre: homeopatia)

Tudo bem, como eu disse lá no começo, nós confiávamos demais na medicina e na ciência. Foi quando aprendemos da pior forma que eles são falíveis, a ponto de jogar no mercado drogas que nos fazem mal: talidomida, vioxx e outros. Mas a resposta tem que ser esse movimento pendular de partir do amor cego para a total descrença? Eventualmente laboratórios podem mentir, o Governo pode mentir, o médico pode mentir ou errar. Mas será que eles sempre mentem e erram? Será que o médico te passa aquele remédio sem você precisar, só porque tem um pacto visando lucro com um laboratório? Paranóia achar que é sempre assim.

Tem também a histeria contra os produtos transgênicos. Os negadores acham que produtos transgênicos são tudo de ruim e que fazem mal ao ser humano. Pois então anotem aí: TUDO que a gente come é transgênico. TUDO. Não dá para fugir. Até em um inocente M&M tem matéria prima feita com transgênicos. Todo alimento que ingerimos é geneticamente modificado, seja para alterar sua forma, seu tamanho, sua cor, sua durabilidade… caso contrário jamais poderia competir no mercado com os transgênicos – a menos que você só coma coisas que você planta. E mesmo assim, provavelmente a água que você bebe tem quase todos os elementos da tabela periódica, então, desista. Não dá para levar uma alimentação 100% saudável e natural nos grandes centros urbanos. Me dói ver gente pagando mais caro por alimentos “orgânicos” que foram sim geneticamente modificados.

Outro dado da Organização Mundial da Saúde: entre 1998 e 2005 houve dez vezes mais casos de pessoas doentes por causa de leite contaminado. A razão? Os imbecilóides buscavam uma vida mais “saudável” e procuraram ter acesso a leite não pasteurizado. Conclusão: graças a essa busca pela vida “saudável”, acabaram dez vezes mais doentes do que quem tomou seu leitinho na caixinha.

Quer mais um? A quantidade de pesticida usada em alimentos como milho e soja em produtos transgênicos criados para serem mais resistentes é bem menor. Os transgênicos existem para melhorar e não para te sacanear e te deixar doente. Se você quer comer alimentos que não foram geneticamente modificados para serem mais resistentes, vai ter que usar uma quantidade muito maior de pesticida. Mande minhas lembranças ao cantor sertanejo Leandro, viu?

Ficar doente é assustador, é ruim e dá medo. Porém, não temos que culpar os médicos e a ciência por cada doença que existe, nem negar que eles tem sim a capacidade de nos curar em diversos casos. Doenças existem e remédios que funcionam e são necessários existem. Pacientes morrem, às vezes tudo dá errado, sem culpa de ninguém. Por acaso alguém deixou de acreditar em todos os engenheiros quando o edifício Palace Sérgio Naya desabou? Porque fazer o mesmo com a medicina? Toda profissão tem suas pisadas de bola históricas.

Acho que todos nós temos um lado negativista de alguma forma. Fazendo um exame de consciência, eu vejo muitos aspectos negativistas em mim. Por exemplo, nem por um caralho cravejado de brilhantes que eu acredito nesse papo de que vai faltar água no planeta em questão de décadas. A ciência repete que vai faltar água potável e eu não acredito e ponto. Mais da metade do nosso planeta é composto de água, não entra na minha cabeça que falte água. Não entra, não entra, não entra. E sim, eu acho que quando a porca torcer o rabo, neguinho vai dar um jeito bom, bonito e barato de dessalinizar a água. E não tem cristo que me convença do contrário. Como eu, você também deve ter sua parcela de negação científica. Passe lá nos comentários e conte.

Mas ter uma pequena parcela negativista nem de longe se confunde com ser um negativista. Os negativistas científicos são primos dos eco-chatos, gente radical, do contra e sem razão.

O fato é que em qualquer época sempre tivemos pequenos grupos com cagasso do progresso. O mesmo tipo que dizia que luz era “coisa do demo” hoje dá faniquito com alimentos transgênicos. Isso não é novidade. A novidade é que tantos estejam se acovardando e acreditando em teorias conspiratórias. A novidade é que estejam se insurgindo contra procedimentos já sedimentados como vacinas e antibióticos. O que está acontecendo com as pessoas? Isso foge ao bom senso!

Uma curiosidade: será que todos esses negadores científicos, quando a chapa realmente esquenta, não se deixam entupir de remédios? Duvido que não. Na hora do vamos ver, da dor, da agonia, ninguém quer ficar na base de bolinhas açucaradas e florais. Me mostra uma só pessoa que, com uma cólica renal, não ente no hospital quase se ajoelhando na frente do médico pedindo um buscopan na veia. O que me leva a concluir que no fundo, no fundo, são hipócritas.

Só não sei se o discurso negador vem da vontade de culpar os outros por eventuais doenças ou da arrogância de achar que é espertão e percebe a grande conspiração que mais ninguém percebe. Vamos combinar, minha gente, se vacina causasse autismo, depois de décadas de uso em larga escala, o número de autistas teria disparado. É o tipo de coisa que não tem como esconder, por mais conspirador e tirano que um governo seja. É o tipo de coisa que se veria no dia a dia. E ainda assim, um monte de gente acha que é verdade, contra todas as evidências!

Como argumentar com pessoas que acreditam em fatos que vão de encontro a todas as evidências? Com um porrete. Só se for, porque na razão não dá. Longe de mim instigar a violência (mentira, eu me amarro numa violência), é só uma metáfora para dizer que estas pessoas estão fora do alcance das nossas mãos e que dificilmente possamos convencê-las com palavras daquilo que fatos concretos não bastaram para convencer (ainda assim, sempre tem a possibilidade do porrete).

E se você é um negador científico radical, por favor, venha bater boca comigo nos comentários. Pode xingar, eu aprovo seu comentário. Encaro como uma experiência antropológica poder bater boca com uma pessoa assim, porque quem sabe eu consiga entender de onde vem tantos pensamentos absurdos.

Para dizer que nunca mais passa aqui porque este blog incita a violência, para dizer que você curou um câncer com cromoterapia e florais e para dizer que eu sou muito inocente e ainda não percebi que medicina e ciência são armações do governo, da revista Veja e da Rede Globo para controlar nossas mentes: sally@desfavor.com


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